Resenha: Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

Lembro de ter lido Americanah lá pelos idos de 2014. Um livro denso, cheio de significado, emocionante, um soco no estôamgo. Em 2024, por ocasião dos dez anos de lançamento do livro, a Companhia das Letras lançou uma edição exclusiva e limitada, em capa dura e convidou Chimamanda a escrever sobre seu trabalho, o impacto do livro e tudo o que aconteceu nos últimos dez anos. Uma edição imperdível para os fãs da autora e para aqueles que desajavam ler Americanah há muito tempo.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras

O livro
Lagos, Nigéria, anos 1990. Ifemelu e Obinze são jovens, cheios de sonhos, querendo uma vida futura juntos, imersos no amor e nas emoções da juventude. Eles vivem em uma Nigéria sob regime militar, que fechou as universidades do país, paralisadas por greves, com professores e alunos insatisfeitos. Como a tia de Ifemelu tinha se mudado para os Estados Unidos para tentar a vida lá com o filho, Ifemelu consegue uma bolsa parcial numa universidade e se muda. Obinze fica na Nigéria, tentando ir logo depois para se encontrar com a namorada e lá tentar uma vida, mas as coisas não ocorrem como o casal planejou.

Resenha: Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

A raça importa por causa do racismo. E o racismo é absurdo porque gira em torno da aparência. Não do sangue que corre nas suas veias. Gira em torno do tom da sua pele, do formato do seu nariz, dos cachos do seu cabelo.

A vida de Ifemelu, no começo, é bastante difícil. Sem conseguir emprego, usando o seguro social de outra nigeriana, ela se depara, pela primeira vez, com a questão racial. Se antes isso nunca fez diferença na Nigéria, nas terras norte-americanas ela se vê como imigrante, mulher e negra pelos olhos dos americanos e se surpreende com as coisas que eles dizem e fazem. Mesmo quando disfarçado de comentários aparentemente inócuos, o racismo dói. Enquanto isso, a depressão abate Ifemelu, ela deixa de falar com Obinze, na Nigéria, e sua vida desaba.

Para sobreviver e poder pagar a faculdade, Ifemelu começa a trabalhar como babá. Podemos acompanhar suas observações a respeito dos comportamentos racistas das pessoas, como por exemplo quando elas falam mais alto e mais pausado com ela, temendo que, por ser imigrante, Ifemelu fosse incapaz de compreender as pessoas. Quando dão palpite em seu cabelo ou tentam tocá-lo e quando foi obrigada a remover suas tranças e alisar para conseguir um concorrido emprego em uma revista. Ou então quando um salão se recusou a fazer suas sobrancelhas porque "não tinham experiência com cabelo afro". São diversas micro e macro agressões diariamente.

Os anos passam e Ifemelu se torna uma blogueira famosa, onde escreve sobre as visões de uma negra não-americana a respeito dos negros que são norte-americanos e todo o tipo de situações que os negros precisam enfrentar com os brancos. Ela observa a educação do primo, os produtos no supermercado, até os comerciais na televisão e mesmo tendo família nos Estados Unidos, Ifemelu se sente uma estrangeira.

Chega um momento de sua vida que Ifemelu resolve voltar para a Nigéria. O tempo, o sucesso, o dinheiro não a fizeram esquecer Obinze, nem sua terra natal, mas por um momento ela se sente uma estranha em seu próprio país e parece não mais reconhecer os grandes amigos que teve na juventude. E uma observação que Ifemelu faz de si mesma: foi preciso sair do país para que ela se sentisse uma negra. Lagos está diferente, as pessoas estão diferentes ou foi ela que mudou demais a ponto de não reconhecer mais um lar?

"Entendo que a questão racial é importante aqui, mas precisamos ter certeza de que o livro vai transcender a raça, para não ser só sobre isso."

E eu pensando: mas por que tenho que transcender a raça? Sabe, como se a questão racial fosse uma bebida que é melhor se for servida diluída, temperada com outros líquidos, ou os brancos não vão conseguir engolir.

Americanah foi um soco no estômago. Chimamanda escreve sobre o que muita gente mantém para si mesma, em silêncio, sofrendo e sangrando em uma sociedade racista. Sim, nossa sociedade é racista, não dá para tapar o sol com a peneira. A mensagem do livro é tão importante, tão forte que deveria ser leitura obrigatória, como aquelas de vestibular, e quem sabe assim os reacinhas de Facebook aprendessem algo. A escrita de Chimamanda é poderosa, mas sua narrativa corre rápido, não é aos tropeços.

A tradução é de Julia Romeu e está ótima. Encontrei alguns errinhos de revisão, mas que não chegam a atrapalhar a boa leitura. Capa dura e papel pólen natural.
Obra e realidade
Tive a clara impressão de não ler um obra de ficção. Tudo o que está ali é real e aconteceu. Seja com a autora, com amigos dela, com pessoas que ela conhece, com qualquer negro que esteja hoje nas Américas ou na Europa (há um momento do livro em que Obinze está na Inglaterra e sente o racismo o atingir, até mesmo de amigos de infância que emigraram). O início do livro já é algo que nunca saberei como é: entrar em um salão querendo fazer tranças africanas e ouvir as situações que as imigrantes que mal falam direito o inglês precisam enfrentar.

Chimamanda trabalhou com temas como racismo, desigualdade de gênero, imigração, preconceito contra imigrantes, amor ou a falta dele. Seus personagens - principalmente Ifemelu - são profundos, múltiplos, com seu lado bom e ruim, doces e amargos em igual medida. Eles podem ser simpáticos em um momento, arrogantes em outro. Eles são humanos. Seus dilemas são entre si e entre as outras pessoas. A autora também coloca na narrativa as maneiras de falar da Nigéria, como o 'ô' no final de cada frase. É um livro rico e muito denso. Não digo que é um livro fácil, pois as situações de racismo e preconceito são um soco no estômago e ajudará a desconstruir muitos mitos e visões equivocadas sobre África, Nigéria e racismo.

Chimamanda Ngozi Adichie

Chimamanda Ngozi Adichie é uma feminista e escritora nigeriana.

PONTOS POSITIVOS
Análise sobre racismo
Autora nigeriana
Personagens bem trabalhados
PONTOS NEGATIVOS

Não sabemos o destino de alguns personagens


Título: Americanah
Título original: Americanah
Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Tradutora: Julia Romeu
Editora: Companhia das Letras
Ano de lançamento: 2024
Páginas: 518
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Fazia tempo que queria reler Americanah e reencontrar Ifemelu e Obinze. Gostei especialmente do prefácio da autora, enquanto reflete sobre esses dez anos desde o lançamento original. São 516 páginas que passam rápido, pois ficamos submersos no mundo de Ifemelu. Não pense que o romance com Obinze rouba a cena, na verdade ele chega a ser totalmente secundário enquanto acompanhamos os personagens. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

Muito bom!

Até mais!

América Latina como um todo tem um relacionamento muito complicado com a negritude, que é ofuscada por toda aquela história de 'somos todos mestiços' que eles contam para si mesmos.


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