Minha área de formação é em ciências da Terra, então qualquer livro sobre o assunto logo me chama a atenção. Com esse aqui, não foi diferente. A autora, Cat Bohannon, coloca as mulheres de volta no centro de nossa longa história evolutiva, desde aquela primeira e pequenina precursora jurássica dos mamíferos até as mulheres Homo sapiens.
O livro
Uma boa maneira de resumir Eva é um caso apaixonado e muito bem pesquisado sobre as mulheres como as principais impulsionadoras da civilização. Aprendemos na escola que o padrão humano é o masculino. Remédios são testados em homens, drogas são testadas em machos, mas na realidade uma mulher precisa de uma dose maior de analgésicos do que a dosagem que vem na bula para sentir algum alívio e nada disso está nas indicações de posologia. Ao estudar apenas a norma masculina, a ciência está vendo metade da humanidade, um quadro complexo que acaba invisível para a maioria.(...) as coisas que consideramos características da nossa espécie evoluíram em épocas e lugares distintos. Não temos uma só mãe: temos várias. E cada uma dessas Evas tem seu respectivo Éden.
Indignada com a discrepância entre os dois sexos, Cat começou a se aprofundar na evolução das características do sexo feminino e delineou o livro seguindo essa cronologia. Ao invés de pensar na história da vida na Terra seguindo o padrão masculino, Cat a reescreveu a partir do corpo feminino. Ao contextualizar o corpo e os órgãos femininos, a autora joga uma luz sobre novas maneiras de se pensar o feminismo, mas também a medicina, a neurobiologia, a paleoantropologia e até mesmo a biologia evolutiva moderna. Cada parte do nosso corpo tem uma idade distinta, então a autora pesquisou cada parte deles, da mais antiga para a forma mais recente.
Para cada parte do corpo, Cat trabalhou como uma evolucionista, traçando o último ancestral comum de um traço que compartilhamos com outra espécie. Assim chegamos às sete grandes seções do livro, cada uma dedicada a essa Eva imemorial, perdida no tempo, mas que deixou traços suficientes para serem estudados. Bohannon cria personagens femininas a partir de nossos primeiros ancestrais comuns e reescreve a cena de abertura de 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, para argumentar que talvez tenham sido as mulheres que lideraram o desenvolvimento da linguagem, das ferramentas e do andar sobre duas pernas e não os homens.
No começo de tudo, havia "Morgie" (Morganucodon), um bichinho parecido com um musaranho, que provavelmente foi a primeira criatura a amamentar. Mais de 200 milhões de anos depois, as descendentes de Morgie são tão sofisticadas que o corpo de uma mãe pode mudar a composição de seu leite em resposta a mensagens hormonais na saliva do bebê. O leite materno, por meio de suas propriedades de imunização, estende as fronteiras protetoras de seu corpo para envolver seus filhos e por isso Morgie é considerada a primeira Eva.
Seguindo o mesmo padrão adotado no capítulo de Morgie, nos capítulos subsequentes, Bohannon examina como cada característica em evolução influenciou a ascensão da humanidade e continua a desempenhar um papel nos dias de hoje. Ela argumenta, por exemplo, que a prática de alimentação pioneira de Morgie levou à adoção de amas de leite em cidades antigas como Babilônia e Tebas, o que permitiu a explosão populacional necessária para a humanidade conquistar o planeta.
Em vários momentos, a autora se dedica não apenas a características específicas femininas, como úteros e leite, mas sim a versões femininas de partes do corpo compartilhadas por todos os humanos. Nestes capítulos, conhecemos personagens modernos, como a Capitã Griest, uma soldada que tenta se tornar a primeira mulher a completar o teste traiçoeiro da Army Ranger School, cuja história Bohannon usa para sondar a questão se os homens são mais fortes do que as mulheres (e ela conclui que os corpos têm forças diferentes).
O útero e seu passageiro temporário estão na realidade em conflito: o útero evolui para proteger o corpo da mãe de seu invasor parcialmente nativo e o feto e a placenta evoluem para tentar contornar os dispositivos de segurança do útero.
A autora deixa claro que está falando do corpo de sexo feminino e não de gênero e reconhece que muita gente ainda faz confusão a respeito. Os corpos XX ou XY têm suas vantagens e desvantagens e no fim os corpos humanos são basicamente muito parecidos. As diferenças que muita gente aponta são culturais. Por exemplo, meninas na puberdade sofrem uma queda em testes escolares, mas não por serem inferiores, mas sim devido ao patriarcado, à vigilância constante, medo e estresse, que cobram seu preço em um cérebro em desenvolvimento.
Apesar de ter amado o livro e cada um de seus capítulos, com muitas informações novas e relevantes, é preciso apontar que a revisão é péssima. Tenho formação na área e sabia exatamente as idades das Evas, mas uma pessoa sem esse conhecimento, vai se confundir e até acabar considerando o livro mal escrito ou "pseudociência". Um exemplo: na página 64, o texto diz que a Vênus de Willendorf mostra uma grande mulher humana, com uma grande barriga e seios descomunais. O parágrafo é sobre a evolução dos seios, que aconteceu em algum momento do passado. No texto original, está 30 mil anos e na tradução está 30 milhões de anos. Percebe o problema aqui?
Na página 45, outro problema semelhante. Ao invés de 200 milhões de anos, o texto saiu com 2 milhões de anos o que acaba com toda cronologia e a pesquisa tão cuidadosa da autora porque a editora não fez uma revisão minuciosa. Sinceramente, Companhia das Letras, não esperava isso do seu trabalho. A tradução de Fernanada Abreu está de fato muito boa, mas a revisão deixou passar problemas sérios que pode depôr contra o livro, o que é uma pena, pois ele é uma delícia de se ler.
Obra e realidade
A narrativa abrangente de Bohannon examina a evolução da amamentação, do útero e da menopausa, bem como as contribuições do corpo feminino para características compartilhadas por todos os gêneros, como percepção, nosso sistema musculoesquelético e o cérebro. O livro é divertido, abrangente, às vezes provocativo e sempre instigante. Bohannon vem trabalhando neste projeto há muito tempo. Ela vendeu a proposta para sua editora há mais de 10 anos, depois que outra experiência na cultura pop — uma parcela da franquia de filmes "Alien", a fez pensar sobre como precisamos de um "manual do usuário para o mamífero feminino".Cat Bohannon é uma escritora e cientista com dourado em evolução da narrativa e da cognição pela Universidade Columbia.
PONTOS POSITIVOS
Tem imagens
Bem escrito e pesquisado
Análise sobre a evolução e o feminino
PONTOS NEGATIVOS
Revisão deixa bastante a desejar e confunde quem está lendo
Tem imagens
Bem escrito e pesquisado
Análise sobre a evolução e o feminino
PONTOS NEGATIVOS
Revisão deixa bastante a desejar e confunde quem está lendo
Avaliação do MS?
A nota desse livro só não foi maior devido à revisão. Se a pessoa não tiver um conhecimento prévio sobre paleontologia e antropologia para conhecer as datas certas, o texto traduzido vai confundir ao invés de educar os leitores, o que é justamente o que Cat Bohannon não gostaria que acontecesse. Sua intenção foi louvável e seu livro é educativo e divertido, apesar desses problemas. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! 👱♀️
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