Segundo romance da escritora moçambicana Paulina Chiziane, retrata de forma dilacerante os terrores e traumas de uma guerra civil. Escrito em 1999, aborda a brutalidade da guerra civil que assolou Moçambique após o movimento de independência e da situação de extrema miséria e violência dos sobreviventes nesse conflito. Este também é o primeiro romance publicado em Moçambique no pós-independência.
O livro
História que é inspirada em fatos reais, seu narrador é o fictício Karingana Wa Karingana. Ele conta a história de Sianga, ex-régulo, que arma um golpe para tomar o poder em sua região depois de se desencantar com a independência do país. Um régulo era um homem designado por Portugal. Era um tipo de chefe tribal que prestava contas aos colonizadores. Sianga perdeu diversos privilégios quando perde o posto. Tornou-se um homem comum, desprovido de dinheiro, de poder e até de suas esposas, motivos que o fazem se erguer em um levante.Quem escapa da fome não escapa da guerra; quem escapa da guerra é ameaçado pela fome. Os jovens arrumam a trouxa e partem. Os velhos, as mulheres e as crianças ficam.
Estruturado em três partes, no prólogo a autora invoca os mitos, a sabedoria ancestral, que acabam antecipando os acontecimentos do livro. Mito e história acabam se entrelaçando e retornando sucessivamente durante a leitura. Na primeira parte, temos os acontecimentos que acontecem nos territórios de Mananga, Macuácua e aldeia do Monte, uma região tomada pela fome, destruída pela seca e pelas lutas internas. Nesta parte, a figura da última esposa do régulo Sianga, Minosse, faz reflexões sobre sua situação. A figura da sociedade patriarcal opressiva é muito imponente, mas essa imponência acaba enfraquecida diante das mudanças que eles testemunham na região, como a destruição causada pela seca e pelas lutas armadas.
Na segunda parte, o narrador passa a olhar para a marcha dos sobreviventes Mananga. Eles marcham em busca da aldeia do Monte, enquanto os horrores que viveram, as incertezas, a morte sempre presente, são narradas com detalhes brutos, violentos, sem poupar palavras para destacar a difícil jornada que se apresenta a eles. Teria sido melhor morrer do que viver daquela forma? Quantas cenas de horror teriam que viver antes de poderem desfrutar da prometida liberdade?
Perderam o sonho, a esperança, e mesmo a realidade não lhes pertence. Até a roupa que lhes confortava o corpo, os ramos e os arbustos roeram. A pele que protege os ossos os espinhos rasgaram, sangraram.
Chiziane trabalha com diferentes personagens que seguem o mesmo caminho, rumo a Monte, buscando refúgio, buscando uma nova vida. Minosse segue este novo rumo, ainda buscando um lugar nesta nova configuração de mundo que se apresentou diante deles. Sianga se mostra uma figura complexa, que em alguns momentos despreza Minosse e em outros a considera como a melhor de suas esposas.
Sianga destila prepotência e amargura com a perda de seus privilégios, de suas riquezas, de suas nove esposas, tendo restado apenas Minosse. Sua brutalidade e ódio pela situação em que vive se confundem com a destruição deixada pela guerra e em como a população se vê às voltas com essa liberdade estranha onde eles nada têm para usufruir. Enquanto rumam a Monte, rumam também para um novo destino, uma nova existência, que Sianga não parece enxergar nem para si mesmo.
Além da figura amarga de Sianga, há a presença da guerra em si, onipresente em cada passo do caminho. Ela ressaltou as diferenças entre os povos e tribos e ressaltou a pobreza da região. Como manter tradições centenárias em um cenário em constante mutação? Por mostrar um cenário de guerra, quem lê pode pensar que o livro se trata sobretudo a seu respeito, mas este é um relato de sobreviventes, principalmente aqueles que são mais atingidos por ela, como as mulheres, os idosos e as crianças.
O livro está bem diagramado e revisado. A capa é texturizada e tem o péssimo hábito de entortar, então o livro precisa o tempo todo estar embaixo de algo pesado por causa disso.
Obra e realidade
A Luta Armada de Libertação Nacional, ou a Guerra da Independência de Moçambique, foi um conflito armado entre as forças da guerrilha da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e as Forças Armadas de Portugal. Oficialmente, a guerra teve início a 25 de setembro de 1964, terminando com um cessar-fogo em 8 de setembro de 1974, resultando numa independência negociada em 1975.A saída brusca do aparato colonial português deixou o país em uma situação precária, com bancos portugueses levando seus ativos embora e com uma população que, na época, beirava os 90% de analfabetismo. Dois anos depois da independência do país, Moçambique entrou em uma guerra civil, onde um milhão de pessoas morreram em decorrência dos combates e da fome, com cinco milhões de civis expulsos de seus lares, além de milhares de amputador por minas terrestres. Os conflitos terminaram apenas em 1992, com a assinatura do Acordo Geral de Paz pelo então presidente da república Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama, então presidente da Renamo.
Primeira mulher africana a ganhar o Prêmio Camões, Paulina Chiziane é uma escritora moçambicana.
PONTOS POSITIVOS
Baseado em histórias reais
Bem escrito
História de Moçambique
PONTOS NEGATIVOS
Estilo da escrita pode incomodar
Baseado em histórias reais
Bem escrito
História de Moçambique
PONTOS NEGATIVOS
Estilo da escrita pode incomodar
Avaliação do MS?
Terminei esse livro com uma sensação amarga que só livros muito poderosos deixam no fundo da boca. São muitas as considerações a se fazer a respeito deste livro e nem sei se consegui apreender tudo o que ele tem para dizer. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! 📖
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