Resenha: A língua submersa, de Manoel Herzog

O que aconteceria à América Latina se as mudanças climáticas causassem o degelo das calotas polares? Quem sobreviveria? Como a sociedade se reorganizaria neste novo cenário? É o que este livro do brasileiro Manoel Herzog discute.

Parceria Momentum Saga e editora Alfaguara

O livro
As mudanças climáticas globais se estabelecem com força. As calotas polares derreteram, os níveis dos mares subiram e a vida na Terra fica ameaçada. Poucos lugares emersos escaparam das inundações. Apenas um lugar na América Latina sobreviveu, chamado Bolivana-Zumbi. Um “gigante dócil e inofensivo” cuja moeda se chama bênção e o poder dominante, um mero fantoche dos mandos e desmandos chineses, é a Eclésia, gerida pela igreja evangélica Bola de Fogo. Não parece assim tão distante do nosso mundo, parece?

Resenha: A língua submersa, de Manoel Herzog

Quem nos governa é o medo da morte.

Quem sobreviveu foi separado em castas, onde políticos e religiosos estão lá em cima, com comerciantes e trabalhadores específicos no meio e lá embaixo estão os pobres, escravizados, dependentes químicos e sem teto, já que a terra é um luxo que somente poucos podem arcar. De novo, não parece tão distante da realidade, onde já temos uma relação promíscua de religião e política e onde o acesso a terras e casas também é bastante restrito. E tem um detalhe que se relaciona com o título: a língua portuguesa foi proibida. O idioma falada nessa Bolivana-Zumbi é um tipo de portunhol que tornou os diálogos bem chatos de acompanhar.

O livro não tem uma trama única, são vários arcos narrativos que se relacionam uns com os outros, se entrelaçando, onde o autor tece várias críticas sociais e ambientais. O autor é de Santos, o que deve ter influenciado sua decisão de centralizar a ação no litoral paulista, em especial Cubatão e sua cidade natal, mais os arredores. Achei essa decisão estranha, considerando que estão no nível do mar em um mundo onde os mares subiram, mas OK.

A sociedade desse lugar Frankenstein é marcada pelo que há de pior do conservadorismo político e religioso. O autor, por sua vez, tece as críticas e fala desse lugar insano de maneira irônica, sarcástica, cáustica eu diria. Atravessando gerações de antepassados dos protagonistas, uma mulher, seu marido e seu amante, o verdadeiro protagonista da história é esse mundo pós-degelo que se reestruturou de uma maneira torta e excludente, com uma classe média que aspira chegar ao topo da pirâmide, sem nunca conseguir e sem ter consciência de que está bem mais perto da base.

Depois do colapso ambiental, a natureza é a principal preocupação dessa nova sociedade, assim é expressamente proibido desmatar e caçar animais silvestres, e os infratores pagam com a morte. É uma evolução do que hoje fazemos com os pets, onde os maus tratos causam indignação (correta, aliás), mas muitas vezes a morte de um trabalhador dentro de um supermercado não causa a mesma comoção daquela mesma classe média que fez passeatas pela morte de animais domésticos.

Apesar de ter curtido a ideia e de ter começado a leitura empolgada, sinto que ele não funcionou pra mim. Os personagens são muito caricatos, em nenhum momento me importei ou me conectei com eles. Entendo que essa caricatura talvez fosse a intenção original do autor em usar a ironia e o sarcasmos para falar da sociedade do livro como um reflexo da nossa, mas comigo não funcionou.

O livro vem em capa comum e papel pólen e não encontrei problemas de revisão ou diagramação.

Obra e realidade
O escritor indiano Amitav Ghosh em seu livro, O grande desatino: Mudanças climáticas e o impensável (editora Quina, 2022) afirma que a assim chamada “ficção séria” não teria condições de falar sobre certos temas, como as mudanças climáticas, devido às limitações do próprio gênero ainda preso ao realismo do século XIX.

O realismo ficou conhecido pela sobriedade e por ter expurgado de suas páginas tudo o que fosse visto como inverossímil, improvável. Na tentativa de refletir a vida burguesa e seus desatinos, ele se limitou a falar de eventos que são cotidianos, deixando de lado os extremos. Diferente das poesias épicas, que misturavam os universos dos deuses com o dos humanos, como A epopeia de Gilgamesh ou o Kalevala, o realismo delimitou o espaço e o tempo de seus fenômenos, excluindo elementos externos, vistos como "irreais". Para Gosh, um romance realista jamais conseguiria falar sobre um evento climático extremo, pois para ele o realismo resulta na ocultação do que é real.

O cli-fi é um sub-gênero da ficção científica que trabalha com as mudanças climáticas e como as pessoas tiveram que aprender a viver após seu estabelecimento. É o tipo de tema que não só é apenas atual, mas que mostra que ficção especulativa não é só tiro, porrada e bomba, não é um escapismo bobo. É resistência, é crítica, é um lugar da alteridade e do comum, audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve.

Manoel Herzog

Manoel Herzog é um escritor e poeta brasileiro, formado em direito.

PONTOS POSITIVOS
América do Sul
Tema ambiental
Cenário
PONTOS NEGATIVOS
Personagens rasos
Narrativa não engrena


Título: A língua submersa,
Autor: Manoel Herzog
Editora: Alfaguara
Ano: 2023
Páginas: 216
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Avaliação do MS?
Queria ter me ligado mais às histórias deste livro, pois sem dúvida ele é criativo, vibrante ao discutir esses cenários pós-aquecimento global, mas com relação a seus personagens principais e ao enredo, senti que faltou algo mais. É um bom livro. Três aliens.


Até mais!

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