P. Djèlí Clark é um fenômeno da literatura fantástica e já temos dois livros publicados no Brasil: Ring Shout saiu pela DarkSide Books, enquanto a Suma apostou no primeiro romance do autor, Mestre dos Djinns, ganhador de dois grandes prêmios do ramo, o Nebula e o Locus. Aqui temos uma Cairo mágica do começo do século XX onde um misterioso assassinato em massa aconteceu.
O livro
Estamos no Cairo, 1912. Fatma el-Sha’arawi é a mais jovem mulher a trabalhar para o Ministério de Alquimia, Encantamentos e Entidades Sobrenaturais. Ela não é nenhuma novata, ainda mais depois de ter impedido a destruição do universo no último verão. Este livro se passa num universo criado pelo autor e explorado em outras obras em contos e novelas, mas como ele não inseriu nenhum dado ou informação a respeito neste livro aqui, fiquei meio perdida sobre as ações e falas de Fatma em vários momentos.O coração de um tolo está sempre na ponta da língua.
Fatma é chamada para um caso bizarro. Todos os membros da Sociedade Hermética de Al-Jahiz, irmandade secreta dedicada ao homem mais famoso da história, são mortos de uma maneira violenta na sede da sociedade. Quem matou essas pessoas alega ser o próprio Al-Jahiz, mas Fatma sente que ele é um impostor. Mas quem é esse Al-Jahiz? Cerca de 40 anos antes, esta figura misteriosa abriu o véu que isolava o mundo mágico do mundo mortal e isso permitiu a entrada de djinns no mundo. Conhecidos no Ocidente como "gênios da lâmpada", eles são tão diversos e temperamentais quanto os humanos e devo dizer que são alguns dos personagens mais interessantes do livro.
Essa sociedade é a típica irmandade vitoriana, cheia de aristocratas britânicos que se sentiram atraídos pela magia do Cairo e criaram um clubinho para fofocarem juntos. Clark faz ótimas críticas e discussões sobre o colonialismo e o racismo dos britânicos em vários momentos ao comentar sobre a sociedade. Eles são caricatos, metidos a besta, com discursos prontos sobre sua suposta superioridade em uma terra "atrasada". Há várias passagens de profunda ironia e sarcasmo do autor, o que dá um sopro de frescor em um universo literário com tantas fantasias centradas na Europa e em figuras mágicas de povos nórdicos e celtas.
Fatma gosta de trabalhar sozinha, mas é obrigada a aceitar Hadia, uma das poucas mulheres do ministério, como sua nova parceira e o estranhamento é imediato. Mas Hadia se destaca como uma das melhores personagens do livro, melhor até mesmo que Fatma, que é uma chata. E não é por causa da personalidade, é porque senti que ela foi mal construída. Falta uma história, um pouco mais de conteúdo que o autor preferiu ignorar, preferindo descrever a cor da risca de giz dos ternos que Fatma usa. Talvez por existirem histórias anteriores, ele achou que Fatma não precisava de contexto, mas para os novos leitores do autor há muitos aspectos sobre a personagem que ficaram faltando.
Além disso, Fatma perde a competência nos momentos mais inconvenientes e se não fosse o trabalho de algumas testemunhas e informantes muito dispostos dando a ela o passo a passo, indicando para onde seguir, Fatma nem saberia para onde ir. Ela muitas vezes é desatenta e rápida em julgar, e uma péssima mentora para sua nova parceira novata e, apesar da suposta astúcia dela e de Hadia, a investigação muitas vezes parece estar alguns passos atrás, já que as agentes são um pouco lentas na compreensão das pistas, que estavam lá, mas Fatma não conseguiu reunir as informações em meio livro depois que elas se tornaram estupidamente óbvias. Sério, isso cansou muito.
O mundo mágico com djinns, marids, ifrites está fantástico, mas discordo da sinopse ao dizer que esta é uma fantasia steampunk. Não há vapor aqui, que é o principal elemento em um enredo steampunk. Há autômatos e máquinas movidas por magia, que também careceram de uma maior explicação, mas este não é um livro steampunk. Os seres mágicos estão muito bem descritos e participam da trama como personagens secundários interessantes e diversos, roubando a cena em várias oportunidades.
O Egito se vangloriava por sua modernidade. Mulheres iam para a escola e enchiam as prósperas fábricas. Eram professoras e advogadas. Alguns meses antes, às mulheres tinham até garantido o direito ao sufrágio. Falava-se sobre elas entrarem em cargos políticos. Mas a presença de mulheres na vida pública ainda irritava muitos. Alguém como ela aturdia completamente o juízo dos homens.
Fatma e Hadia precisam descobrir quem é esse impostor e como parar as mortes e os ataques. Contam ainda com a ajuda de Siti, namorada de Fatma, devota dos antigos deuses egípcios, que também careceu de mais contexto, já que ela aparece em outros enredos do autor. Fatma debate sobre o machismo estrutural da sociedade e se debate contra as convenções sociais que ainda querem impôr às mulheres. Tanto ela quanto Hadia mostram que as convenções são apenas baseadas em preconceitos, pois são tão capazes quanto qualquer agente do ministério.
Já o enredo e a forma como o caso é resolvido... tudo me pareceu uma grande aventura do Scooby-Doo. Existem pontas soltas, discussões inacabadas e momentos em que assuntos foram inseridos sem qualquer discussão na história. Chega um momento em que há um papo sobre a política mundial, mas o autor não trabalhou melhor o tema, chegando a apresentar goblins sem discutir melhor o que se passou em outros países após a chegada de Al-Jahiz. Até mesmo a descoberta sobre o assassino é caricata. Só faltou puxarem a máscara do assassino, tal como no desenho. Sinto que faltou uma melhor edição para deixar o livro mais redondinho, melhor arrematado, por mais que sua visão mágica do Cairo tenha sido bem feita.
Dividi a leitura entre a edição física o ebook fornecido pela editora, que estava com vários errinhos de revisão. Acredito que por ser uma edição avançada para parceiros, ela não tenha tido uma revisão final. A tradução de Solaine Chioro está ótima e não encontrei problemas durante a leitura.
A busca sem fim e eterna. Quærite veritatem. Busquem a verdade.
Obra e realidade
A história do Egito sob o domínio britânico se refere ao período depois de 1882, quando os ingleses conseguiram derrotar o exército egípcio em Tel El Kebir, em setembro daquele ano, e assumiram o controle do país até a Revolução Egípcia de 1952, que tornou o Egito uma república e resultou na expulsão dos funcionários britânicos. Um dos motivos para a ocupação foi o controle sobre o Canal de Suez e a outra foi o controle sobre a produção de algodão, já que o Egito era o maior produtor mundial e essa era uma matéria-prima fundamental para a industria têxtil inglesa.P. Djèlí Clark é um historiador e um premiado escritor de ficção especulativa norte-americano.
PONTOS POSITIVOS
Hadia
Djinns
Cenário
PONTOS NEGATIVOS
Personagens rasos
Não tem mapa
Caricato
Hadia
Djinns
Cenário
PONTOS NEGATIVOS
Personagens rasos
Não tem mapa
Caricato
Avaliação do MS?
Clark pinta um cenário de forma tão vívida, a ponto de eu poder facilmente ver, cheirar e ouvir a extensa metrópole de ruas antigas e sinuosas e elegantes torres de dirigíveis, templos antigos e modernos salões do ministério, suas favelas em cemitérios e arranha-céus elegantes. Ele é criativo, vibrante ao discutir esses cenários, mas com relação a seus personagens principais e ao enredo, senti que faltou algo mais. É um bom livro. Três aliens.Até mais! ⚔️
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