Resenha: A canção da célula, de Siddhartha Mukherjee

Desde que li O Gene, me tornei fã do trabalho de Mukherjee. Em seu terceiro livro, o oncologista vai falar de um grande (e pequeno) assunto: a célula, esta fascinante unidade fundamental da vida, além de oferecer uma reflexão sobre o que significa ser humano.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras

O livro
A célula é a unidade fundamental dos seres vivos e ela realiza todas as funções necessárias à vida, como, por exemplo, a obtenção de energia e a reprodução. Um indivíduo unicelular contém apenas uma célula, mas nos multicelulares, são necessárias várias células atuando de modo conjunto para que o corpo seja formado. Lembrou de suas aulas de biologia na escola? Porque essa é um assunto obrigatório nas aulas de biologia.

Resenha: A canção da célula, de Siddhartha Mukherjee

A célula é a unidade da vida (...) Talvez esse fato defina a importância da história da célula: precisamos compreender as células para compreender o corpo humano. Precisamos delas para compreender a medicina. Porém, mais essencialmente, precisamos da história da célula para contar a história da vida e de nós mesmos.

Usando exemplos de sua própria carreira médica para sublinhar a importância da compreensão celular, Mukherjee escreveu a biografia definitiva das células. E não é uma tarefa fácil, há diversos assuntos diferentes para tratar. Ainda que sejam pequenas demais para serem vistas a olho nu, elas também estão relacionadas com tudo o que se relaciona à medicina. Ele faz um excelente trabalho ao explicar em linguagem clara e acessível não apenas como as células funcionam, mas por que elas são a base de toda a vida.

Este livro nos ajuda a compreender a evolução da vida. Desde quando ela surgiu na Terra, ainda de maneira unicelular, até bilhões de anos depois, culminando no corpo humano, que abriga centenas de células altamente especializadas capazes de trabalhar em harmonia umas com as outras para nos ajudar a crescer e funcionar. O autor fala da história e o estado atual da terapia celular, que envolve retirar suas células, cultivar novas e depois colocá-las de volta, incluindo casos bem-sucedidos e outros nem tanto sobre pacientes e amigos.

Mukherjee faz um excelente trabalho explicando como cada disfunção – cada doença ou consequência do envelhecimento – eventualmente se resume a algo que está errado com uma dessas células. Embora já tenham passado quase dois séculos desde que dois cientistas alemães propuseram pela primeira vez a teoria celular, a ideia de que todos os organismos são constituídos por células, nossa compreensão de como manipular os blocos de construção da vida para tratar doenças ainda está relativamente numa fase inicial.

Mukherjee relata os primórdios da teoria celular entre os cientistas europeus do século XIX e o crescente consenso de que a célula é a unidade fundamental da vida em plantas e animais. Ele segue esta história com mais histórias relacionadas a intervenções médicas e retiros para cientistas históricos conforme necessário. Fala de antibióticos, fertilização in vitro, edição genética, anticorpos monoclonais, vacinas, estimulação cerebral profunda (um dispositivo implantado que mostrou algum sucesso com Parkinson e pacientes com depressão), imunoterapias para câncer, transplantes de medula óssea e pesquisas com células-tronco.

Umas das terapias mais bem-sucedidas da atualidade é justamente a que envolve células-tronco. Ao contrário da maioria das células do corpo humano, as células-tronco são uma tela em branco. São células em potencial, com a capacidade de se transformarem em quase qualquer célula do corpo. Quando um embrião se forma no útero, ele é quase inteiramente composto por células-tronco. Quando a gente cresce, temos muito menos delas, mas as células-tronco que temos desempenham um papel fundamental na substituição de células danificadas. À medida que a gente envelhece, porém, elas envelhecem junto.

O entusiasmo e paixão com que Mukherjee escreve nos cativa em cada página. Mesmo tratando de ciência de ponta e atual, falando de estruturas celulares que vimos no ensino médio, o livro é muito fácil de ler, pois tem uma narrativa amigável, que prende, como se fosse um thriller de suspense. O autor, apesar de seu otimismo característico, também é honesto em admitir que as terapias têm seus limites. Só existe uma forma de terapia com células-tronco bem-sucedida nos dias de hoje: o transplante de células-tronco hematopoiéticas, que envolve células sanguíneas.

Os mistérios permanecem, mesmo com os avanços atuais, como reconhece o próprio Mukherjee. Por exemplo, ele fala do fígado e do baço. Eles têm células muito semelhantes; são do mesmo tamanho; são vizinhos anatômicos; e possuem praticamente o mesmo fluxo de sangue. Mas o fígado está entre os locais mais frequentes de câncer, enquanto o outro, o baço, raramente apresenta tumores. Que distinção subtil separa estes dois conjuntos de células e explica a diferença extrema nos seus comportamentos?

É difícil imaginar a vida sem células, assim como é impossível imaginar células sem vida.

O livro conta com seis partes e 22 capítulos. Ao invés de usar uma ordem cronológica, o autor optou por tratar em cada parte uma propriedade fundamental dos seres vivos e falar de sua história. Ele é uma soma de partes, tanto da narrativa quando de história pessoal. A tradução de Berilo Vargas está ótima e o livro não tem problemas de revisão ou diagramação.

Obra e realidade
Mukherjee é muito sincero sobre as falhas médicas, o desgosto de tratar pacientes que sofrem e morrem e os riscos morais que acompanham a inovação, admitindo que ainda há muito o que se descobrir na ciência celular. Um dos primeiros casos do livro é o de um grande amigo, repórter de esportes, que não tinha tempo para ir ao médico e viu uma pinta crescer em sua bochecha se tornar um tumor em metástase. Mesmo tentando a tecnologia de ponta da época, a terapia celular acabou atacando o fígado do repórter, causando uma hepatite autoimune.

O que fazer em casos assim? Diminuir a terapia e deixar o câncer correr livre pelo corpo, atingindo todos os órgãos, ou acabar danificando o fígado para continuar com a terapia? Dos males o menor? Como um médico se sente ao ter que tomar este tipo de decisão. A tristeza de Mukherjee pela perda do colega é palpável ao longo da leitura. O que ele poderia ter feito de diferente?

Siddhartha Mukherjee

Siddhartha Mukherjee é um médico, biólogo, oncologista e escritor indo-americano. Especialista em câncer, é professor assistente da Universidade Columbia, em Nova York.

PONTOS POSITIVOS
Bem escrito
Bem pesquisado
Reflexões sobre a humanidade
PONTOS NEGATIVOS

Preço

Título: A canção da célula: as descobertas da medicina e o novo humano
Título original em inglês: The Song of the Cell: An Exploration of Medicine and the New Human
Autor: Siddhartha Mukherjee
Tradutor: Berilo Vargas
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 552
Ano de lançamento: 2023
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Posso apontar que esta é uma das melhores leituras do ano! Houve momentos em que me vi de volta às aulas de biologia no colégio, onde a professora nos dava a tarefa de recriar uma célula para apresentar trabalho. Nossa célula, aliás, ficou com a maior nota da sala! Se você curte um livro recheado de informações, de ciência, mas de uma maneira acessível, então encontrou. Leitura essencial e uma forte recomendação para você ler também!

Até mais!

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