Resenha: O gene, de Siddhartha Mukherjee

O tanto que eu amei esse livro... Mais que um livro sobre divulgação científica, sobre a longa jornada até a descoberta do DNA e dos genes, sobre os percalços na descoberta da estrutura da dupla hélice e a herança maldita da eugenia, é também um relato pessoal e familiar do autor, médico e pesquisador especialista em câncer proveniente da Índia, ganhador do Prêmio Pulitzer por seu livro O imperador de todos os males.

O livro
Começamos a leitura com um prólogo bastante pessoal de Mukherjee. Ele nos conta sobre sua viagem a Calcutá, em 2012, para visitar seu primo Moni. Seu pai estava junto, com guia e companheiro de viagem. Moni é filho do irmão mais velho do pai de Siddhartha em uma família marcada por problemas mentais e desde 2004 está confinado a um hospital psiquiátrico, vivendo à base de medicações fortes sob a guarda de um enfermeiro. Siddhartha nota como seu pai está pensativo, mergulhado nas memórias de uma família com vários episódios de pessoas com problemas psiquiátricos. Estariam todos os seus parentes fadados ao mesmo destino?

Resenha: O gene, de Siddhartha Mukherjee

O histórico da família sempre assombrou seu pai e depois o próprio Siddhartha. Se a causa da doença fosse genética, estaria ele fadado ao mesmo destino de seus parentes? Ou a genética tinha pouco a ver com isso? Esse é o ponto de partida para o estudo de um dos blocos primordiais da construção da vida no nosso planeta, algo que faz parte de nós, mas que não pode nos definir por completo: o gene. O próprio autor nomeia o gene como sendo uma das ideias mais poderosas e perigosas na história da ciência.

Um organismo é muito mais do que seus genes, é óbvio, mas para entender um organismo precisamos entender seus genes.

Página 21

Dividido em seis partes, o livro começa com um dos temas que eu mais gostava nas aulas de biologia, as ervilhas de Mendel. Resgatando as antigas ideias gregas sobre a forma como características eram passadas adiante, o autor reconstrói os experimentos de Gregor Mendel e conta como uma feliz sequência de eventos o levou a estudar as ervilhas e como seu trabalho caiu no esquecimento, rendendo até uns olhares blasé de pesquisadores que não levaram a sério as confabulações de um simplório monge. Curioso notar que Mendel foi reprovado nas provas que prestou para ser professor.

Desde muito cedo a questão da "semelhança" entre pais e filhos assombrava os naturalistas. Diversas ideias foram usadas para explicar porque uma criança se tornava parecida com seus pais, mas a resposta demorou a aparecer. Aristóteles captou a mensagem importante de que a transmissão da hereditariedade era a transmissão de informações. Mas como informação se tornava matéria? Onde estava esse código?

A genética é uma ciência nova quando pensamos em outras áreas do pensamento científico. A partir da redescoberta dos trabalhos de Mendel em 1900 sobre as ervilhas, a nomeação do "gene", em 1909, a descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA em 1953, há muita coisa nova acontecendo a todo momento na genética e nem por isso essa nova ciência não foi mal utilizada. Valendo-se das teorias de Darwin, o legado do trabalho de Mendel e as implicações sobre poder selecionar características hereditárias, surgia também a eugenia.

Os capítulos que falam sobre a eugenia são bastante elucidativos. A maioria das pessoas vai acabar mencionando o nazismo e sua tentativa de criar a "raça superior", mas o que muita gente não sabe ou ignora (ou ambos) é os Estados Unidos foram entusiastas da eugenia e foi esse movimento o inspirador do nazismo. Muitas pessoas proeminentes eram entusiastas da eugenia e Mukherjee traz exemplos de como médicos, juristas, advogados lá na suposta terra da liberdade mandaram pessoas para asilos e manicômios, onde elas passaram por esterilização compulsória com base em preconceito e pseudociência. Depois do desastre humanitário causado pelo nazismo, as organizações que fomentavam a eugenia foram fechando uma a uma.

Uma das coisas mais fascinantes da leitura bastante fluída do texto é como os cientistas começaram a desvendar a genética sem nem ao menos ver um gene. É bem interessante, não? Todas as evidências apontavam para essa unidade fundamental da vida, ainda que ninguém a visse diretamente, assim como o átomo. Mas ao se confiar nas evidências, uma das grandes descobertas científicas foram feitas. Discorrendo sobre os altos e baixos da genética, Mukherjee passa por todas as etapas que levaram à descoberta dos genes, da dupla hélice, a codificação e recombinação de genes, o futuro da ciência.

Gostei muito do fato de Rosalind Franklin ser devidamente apontada no texto como aquela que fez as primeiras chapas da dupla hélice. Suas imagens foram fundamentais para que Watson e Crick desvendassem a estrutura, bem como o trabalho de Wilkins, mas adivinha quem nunca foi indicada a um Prêmio Nobel? O autor lhe dá a importância devida e mais que merecida na descoberta da dupla hélice.

Porém, senti falta de mais informações sobre outra pioneira da genética, Nettie Stevens que, inexplicavelmente saiu como um homem na tradução. Na página 119 está escrito que "o biólogo Nettie Stevens"... Pelamor, né, Companhia das Letras? É mais que óbvio que ninguém revisou essa parte, seja na tradução, seja depois na preparação da obra para a publicação. Na página 421 está correto, mas na 119 não está.

Acredito que o maior mérito do livro é pegar algo que para a maioria das pessoas é um assunto bastante complicado e torná-lo simples, agradável e até divertido em vários momentos, triste e enfurecedor em outros, e ainda assim se fazer entender e levar conhecimento para um público leigo. É um prato cheio de informações para quem quer mergulhar no assunto, quer preparar uma aula, é alguém começando a estudar genética, ou apenas uma pessoa curiosa que quer ler e saber mais sobre esse assunto fascinante.

Memórias aguçam o passado; é a realidade que decai.

Página 117

O livro é um calhamaço em capa comum e papel amarelo. Tem problemas pontuais de revisão, como Nettie Stevens sair como homem no começo do texto, mas no geral ele está bem revisado e traduzido por Laura Teixeira Motta. Ele contém algumas imagens em preto e branco no miolo, além de glossário, notas e índice remissivo no final.

Obra e realidade
O gene não é apenas uma celebração ao progresso, ao conhecimento científico, às descobertas revolucionárias que levaram ao que hoje chamamos de genética, mas é também um manifesto sobre a preocupante escalada de uso da genética de maneira banal, seja para clonar animais de estimação mortos, seja nos testes rápidos que estão se popularizando e ficando cada vez mais baratos. A que tipo de uso esses testes serão submetidos? A quem essas empresas venderão os dados genéticos da população?

Mais do que apenas resgatar a história da ciência, o autor também nos convida a pensar sobre as limitações que deveríamos ou não impôr à genética. Ele mesmo não dá respostas para uma série de perguntas, mas quer que pensemos a respeito, que usemos o livro como ponto de partida para um debate sobre o assunto, porque essas perguntas vão precisar de respostas e toda a humanidade vai precisar opinar, pois é sobre nossa própria sobrevivência.

O livro foi adaptado e se tornou uma série de TV exibida no canal Curta!.

Siddhartha Mukherjee

Siddhartha Mukherjee é um médico, biólogo, oncologista e escritor indo-americano. Especialista em câncer, é professor assistente da Universidade Columbia, em Nova York.

PONTOS POSITIVOS
Bem escrito
Bem pesquisado
Reflexões sobre a humanidade
PONTOS NEGATIVOS

Errinhos de revisão

Título: O gene: uma história íntima
Título original em inglês: The Gene: An Intimate History
Autor: Siddhartha Mukherjee
Tradutora: Laura Teixeira Motta
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 680
Ano de lançamento: 2016
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Posso apontar que O gene é uma das melhores leituras do ano! Houve momentos em que me vi de volta às aulas de biologia no colégio, onde a professora falava entusiasmada sobre as ervilhas de Mendel e sua meticulosidade com o plantio e catalogação das características que via nas plantas. Se você curte um livro recheado de informações, de ciência, mas de uma maneira acessível, então encontrou. Leitura essencial e uma forte recomendação para você ler também!

Até mais! 🧬

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