Resenha: Arca de Clay, de Octavia Butler

Um dos livros da saga de O Padronista, Arca de Clay é um livro que pode ser lido de maneira praticamente independente, ainda que pertença a esse mesmo universo. Não há muita ligação entre ele e os outros e você pode ler como um livro agregado, que acrescenta mais camadas ao universo criado por Butler.

Parceria Momentum Saga e Editora Morro Branco

O livro
Arca de Clay é um livro com duas linhas do tempo. A linha do passado fala de um astronauta que retorna à Terra quando sua nave, a Arca de Clay do título, pousa em seu retorno a uma missão a outro planeta. Ele luta contra os microorganismos alienígenas que invadiram seu corpo como uma doença e o obrigam a infectar outros humanos. Agindo praticamente por instinto, com uma forte compulsão sexual, ele segue seu caminho, em busca de aglomerações de pessoas, de forma a se disseminar o máximo que puder.

Resenha: Arca de Clay, de Octavia Butler

Havia se acostumado a usar os sentidos de formas consideradas não humanas. Em sua mente, questionava sua própria humanidade há algum tempo.

Este é um futuro não determinado, mas as condições na Terra não estão boas. Nos Estados Unidos, a maioria das pessoas vive em condomínios fechados ou se movem constantemente, atacando pessoas que tentam viajar. Na estrada, o médico Blake Maslin leva suas filhas gêmeas Keira e Rane no carro quando são abordados por uma gangue violenta no meio de uma tempestade de areia. Uma das garotas está gravemente doente e Blake fica apreensivo que a situação toda seja ainda mais estressante para ela. O que fazer? Para onde ir?

A pequena colônia para onde são levados age de maneira estranha. Uma característica geral do livro e dos personagens é sua brutalidade. Talvez seja apenas uma consequência de viverem em um lugar tão difícil, onde muitas mudanças fizeram com que as condições de vida se degradassem o suficiente e tornaram as pessoas insensíveis e cruéis. Se essa era a ideia de Octavia, então ela conseguiu criar um livro bruto, cru, daqueles que incomoda ler. A autora precisou de um certo nível de sadismo em escrever algumas cenas e deixo aqui um alerta para abusos, tanto físicos quanto sexuais e tortura ao longo da leitura.

O que a família inicialmente não sabe é que as pessoas ali estão infectadas pelo tal patógeno alienígena. Por enquanto ela está isolada, mas quanto tempo até que ela se manifeste? Se Blake e suas filhas não escaparem daquele lugar, serão infectados por um vírus que os matará completamente ou os transformará em párias cuja própria existência é uma ameaça para o mundo ao seu redor.

Essa não foi uma das leituras mais fáceis que já fiz. Começa como uma história de uma família lutando para sobreviver, mas no final é violento, agressivo e teve alguns acontecimentos que se eu soubesse antes de começar a ler, teriam me afastado completamente da leitura. Butler era uma mestre em seu ofício. Era capaz de falar sobre temas tão difíceis de maneira a te segurar na leitura e de uma maneira que fazem sentido naquela narrativa. Você termina a leitura com raiva por ter passado por tudo aquilo, mas sabendo que precisava ler mesmo assim. Os eventos descritos não estão só pra chocar, estão lá por um propósito, ainda que seja cruel.

A narrativa ainda é muito parecida com Semente Originária, que me pareceu cru, ainda não tinha a voz de Octavia. A mesma coisa aconteceu com esse aqui. Talvez eu não o tenha lido no melhor momento pra isso, mas sei que terminei com um gosto amargo, como um café forte demais. Queria ter aproveitado melhor a leitura, ainda que tenha conseguido captar as críticas da autora e sua forma peculiar de olhar para a sociedade, sempre tão certeira.

O livro vem em capa comum, com papel pólen natural e está muito bem traduzido por Heci Regina Candiani. Não encontrei problemas de revisão e/ou diagramação nele.

Obra e realidade
Por mais que tenhamos um organismo alienígena no enredo, o que Butler nos mostra é que os verdadeiros monstros continuam sendo os seres humanos. Até onde vai a influência do organismo e a própria natureza humana? Diante de tudo o que já fizemos em guerras e conflitos, a presença do alien não seria só uma desculpa para sermos ainda mais cruéis?

A capacidade de Butler de extrapolar os problemas sociais para o futuro tem sido algo que me fascinou desde que li a Parábola do Semeador. Sua capacidade de observação era intensa e precisa, sabendo identificar na sociedade os pontos nevrálgicos que seriam cruciais décadas mais tarde. Mesmo para um livro escrito nos anos 1980, não nos sentimos lendo algo datado, até porque muita coisa não mudou desde então.

Octavia Butler
Octavia Butler

Octavia Butler é a grande dama da ficção científica e uma pioneira do afrofuturismo. Nos deixou cedo demais e foi publicada no Brasil apenas recentemente pela editora Morro Branco, um atraso absolutamente injustificável.

PONTOS POSITIVOS
Cenário
Alien
Bastante atual
PONTOS NEGATIVOS
Lento
Violência


Título: Arca de Clay
Título original em inglês: Clay's Ark
Série O Padronista
1. Patternmaster (1976)
2. Elos da Mente (1977)
3. Survivor (1978)
4. Semente originária (1980)
5. Arca de Clay (1984)
6. Seed to Harvest (2007)
Autora: Octavia Butler
Tradutora: Heci Regina Candiani
Editora: Morro Branco
Páginas: 384
Ano de lançamento: 2021
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Não é um livro ruim, longe disso. Apenas sua narrativa não funcionou muito bem comigo. Passar pelas cenas brutais foi um exercício de paciência que nem todo mundo pode ter. As críticas e discussões que Butler traz para este livro são de extrema importância ainda hoje. Pretendo ler os próximos livros, espero continuar essa jornada. Três aliens para o livro.


Até mais!

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