Se tem algo que ouvi com uma frequência irritante ao longo dos anos é que a ficção científica é pessimista. Até entendo como o pensamento se formou em parte do público porque tudo o que eles viram ou leram por muito tempo foram distopias aterrorizantes, mundos destruídos e invasões alienígenas devastadoras. Mas nada poderia estar mais longe da verdade. É possível fazer uma ficção científica que foque no que o ser humano tem de melhor, construindo narrativas que desafiem o padrão. E Becky Chambers é uma das melhores representantes deste tipo de produção.
Em 2015, topei com o livro de Becky Chambers, The Long Way To a Small, Angry Planet, por acaso. Deve ter sido alguma indicação pelo Twitter. O fato de ser uma escritora e por falar de ficção científica logo me atraíram. Fiquei completamente apaixonada pela narrativa e pela criatividade de Becky e logo estava indicando para todo mundo que podia ler em inglês, torcendo para que um dia ele chegasse por aqui. A versão traduzida, pela editora DarkSide, chegaria dois anos depois, arrebatando corações das leitoras.
Desde então Becky se tornou um fenômeno na ficção científica. Nos últimos anos, seu nome vem sendo associado ao subgênero do hopepunk. Ele não pensa em mundos idealizados, mas pensa em uma forma de se contrapor aos universos distópicos, apocalípticos, onde os universos sombrios se sobressaem, em um subgênero normalmente chamado de grimdark. O hopepunk enfatiza aquilo que o grimdark rejeita: a importância da esperança e a noção de que há ideais pelos quais podemos lutar, não importa o quão difícil seja. É uma afirmação para resistir e lutar pelo que é importante, é acreditar na mudança, é fazer uma escolha política consciente de lutar pelo que é correto.
Neste mundo violento, cínico e dilapidado por quem lucra mais em que vivemos, bondade, gentileza, fraternidade, são vistos como coisas de gente tola, de gente boba que vive sendo enganada pelos espertos. No Brasil isso é ainda mais exacerbado com a política do "jeitinho", de molhar a mão de alguém, de conseguir as coisas por baixo dos panos, de roubar a vaga entrando pela contramão no estacionamento só para sair ganhando. Quem firma o pé e diz não compactuar com isso é visto como um tonto.
O hopepunk diz que devemos nos importar com algo e que isso requer força, bravura. A questão aqui não é se submeter, nem aceitar as coisas como estão, mas sobre se levantar e lutar pelo que você acredita. É defender outras pessoas, especialmente aquelas que não têm com quem contar, é exigir um mundo melhor, mais amável e tolerante e acreditar que podemos chegar lá se dermos as mãos e lutarmos juntos. A gente pode nem mesmo vencer a guerra, mas se lutarmos pelo que é melhor isso já prova o ponto do hopepunk. Sem heróis ou vilões, apenas gente. E essa gente pode ser falha, pode errar, mas não quer dizer que devemos desistir delas.
Ao olharmos para o trabalho de Becky, vemos essas características em seus livros. Histórias sobre pessoas que encontram pontos de convergência e focam neles e não nos conflitos. Entendo que gosto é gosto, mas também me pergunto por que algumas pessoas consideram seus livros "chatos". Será que sua visão está tão habituada aos universos sombrios e distópicos que você não consegue aceitar que as pessoas possam contar histórias sem esses traços? Por que a gentileza ofende tanto algumas pessoas?
Para Becky, que não pediu para ser rotulada no hopepunk, mas que gosta muito do termo, o simples ato de ser gentil em sua escrita, de imaginar futuros em que a decência triunfe, onde as pessoas possam chorar lágrimas de alegria, se qualifica como um ato rebelde em pleno século XXI. “Você está olhando para o mundo exatamente como ele é, com toda a sua severidade e toda a sua tragédia, e diz: Não, eu acredito que isso pode ser melhor.”, diz Becky. “Isso para mim é punk pra caramba”.
Como todas as variantes, o hopepunk tem sua própria estética, com ênfase nas sensações. Poucas coisas explodem; poucos tiros são disparados; os sentimentos são privilegiados em relação aos eventos explosivos da trama. Os personagens vêm de todas as origens e/ou planetas e geralmente acabam mais felizes e sábios, pensativos, ou com um novo rumo a seguir. Seus personagens não são colonizadores, generais ou grandes heróis, mergulhando virilmente no abismo do desconhecido e conquistando tudo o que encontram. Eles são escavadores de túneis, zeladores, cozinheiros, profissionais do sexo, monges do chá e, principalmente, só querem falar sobre seus sentimentos. Esteticamente, é a definição de literatura aconchegante. Você quer relaxar e se divertir e se perder para sempre nos mundos brilhantes e reluzentes do hopepunk.
No Brasil, você encontra disponíveis pela DarkSide os três primeiros livros da saga da Andarilha (e aqui no blog tem resenha de todos!). O quarto volume, Uma Galáxia Multicor e os Confins do Universo, já está em pré-venda!
Pela editora Morro Branco, você encontra sua novela Salmo para um robô peregrino!
Até mais! 🌻
Conheci o trabalho da Becky por recomendação da Sybylla e só tenho a agradecer.
ResponderExcluirAdorei, não conhecia esse termo hopepunk. Vou procurar outras obras parecidas. O primeiro livro da Becky me impactou bastante.
ResponderExcluir