Sou uma grande fã de Blake Crouch desde que li Matéria Escura em inglês. E fiquei muito feliz de ver que a Intrínseca abraçou as histórias do autor e trouxe seus livros para o Brasil. Seu mais novo livro, Upgrade, lida com diversas questões sobre o melhoramento genético da raça humana e quais seriam as consequências para a sociedade e nossa espécie.
O livro
Em um futuro próximo ligeiramente distópico, a tecnologia de edição de genes avançou a um ponto em que quase tudo é possível. Você quer que todos os mosquitos transmissores da malária nasçam machos para que a espécie morra e a doença seja erradicada? Feito. Quer fazer um dragão a partir dos genomas do crocodilo e do dragão de Komodo? Tem um cara em Las Vegas trabalhando nisso, um pedido especial para um cliente, que vale milhões. Mas quando problemas sérios ocorreram e causaram a morte de milhões de pessoas, a pesquisa genética foi praticamente abolida do dia para a noite. Milhares de cientistas perderam seus empregos e a ciência estagnou. Até mesmo uma divisão policial foi criada para vigiar as tentativas de se fazer edição genética.Éramos primatas que se reuniram e que, contra todas as chances, construíram uma civilização formidável. Mas, de forma paradoxal e trágica, a complexidade da nossa criação havia ido muito além da habilidade do nosso cérebro de gerenciá-la.
Logan Ramsay é um cientista fracassado, empregado na Agência de Proteção Genética, o órgão federal que aplica as leis contra a edição genética e persegue cientistas desonestos, laboratórios ocultos e traficantes de material genético proibido. Sua mãe, Miriam Ramsey, é um nome que o mundo pretende esquecer, já que ela criou uma técnica pioneira de edição genética que levou à fome e a milhões de mortes. Logan, de certa forma, está tentando expiar os pecados da mãe ao trabalhar na agência e sabe o peso que esse sobrenome tem.
Logan é um sujeito normal, pai de família, casado, uma pessoa comum e ele mesmo afirma isso com certa tristeza, porque seu sonho era ser genial igual à mãe. Quando descobriu que não tinha nem metade do intelecto dela, ficou bastante desapontado por isso. Como passamos boa parte do enredo em sua cabeça, ficamos sabendo desses momentos de vergonha alheia, de como ele se ressente pelos feitos da mãe, ao mesmo tempo que a invejava e a admirava, sabendo que nunca poderia chegar perto do nível de inteligência dela.
Com a narrativa rápida que já conhecemos de outros de seus livros, Crouch logo nos joga no meio da ação. Quando Logan e sua parceira estouram um laboratório ilegal de edição genética, um acidente acontece. Uma bomba de gelo detona na frente de Logan e ele vai parar no hospital, cheio de arranhões. Como havia um vírus não identificado no gelo, ele é mantido por vários dias em observação e isolado da família e dos médicos, até que ele tem alta e vai para casa. E aí os problemas começam. Febre alta, dores pelo corpo intensas. Mas ele percebe mesmo que alguma coisa em seu corpo está mudando quando ganha da filha em uma partida de xadrez. Ela nunca perdia.
Obviamente Crouch aprendeu bastante sobre genética enquanto pesquisava os detalhes do Upgrade e nunca perde a chance de falar sobre isso em vários momentos, detalhando o que genes específicos fazem pelo corpo. Mas a forma como ele faz isso é legal, não é chato. É necessário que ele conte porque faz parte do upgrade que Logan recebeu e agora ele precisa descobrir o que fazer com isso e quem fez isso. Sua memória, sua visão, sua velocidade, sua fala, tudo isso passa por melhoramentos intensos e ele fica assustado ao mesmo tempo que fica animado com tudo o que vem acontecendo com ele.
Acho que seria interessante poder lembrar com precisão de tudo o que li na faculdade para poder citar ou quem sabe preparar uma aula um dia, mas deve ser um tormento ter que lembrar de tudo porque seu cérebro virou uma máquina poderosa capaz de ter acesso a eventos, fatos, ações e pessoas que você mal se lembra. Já pensou lembrar em detalhes aquele fora doloroso que você levou em 2008 e que te deixou mal por semanas? Ou quem sabe lembrar de todos os detalhes da morte de alguém? Cada melhoria que Logan percebe em seu corpo também tem suas desvantagens e você logo se pega pensando se esse upgrade foi tão bom assim.
Mas as coisas se complicam para Logan. Logo nos pegamos pensando quem teria feito isso com ele e quais suas reais intenções. Infelizmente toda a ciência envolvida na pesquisa genética foi afetada com as leis muitas vezes arbitrárias e movidas pelo pânico que foram aprovadas. Então se tem alguém fazendo edição de genes naquele nível, o que mais a pessoa pode fazer? Quanto mal ela pode causar? Logan logo percebe que se ele não fizer nada, uma catástrofe em escala global pode acontecer e que há pessoas poderosas que podem tentar tirar vantagem disso.
Esse mundo do futuro é muito próximo, ainda que apresente certas modernidades como voo orbital, trens de altíssima velocidade, ao mesmo tempo em que apresenta o resultado das mudanças climáticas globais, aumento nos níveis dos mares e boa parte de Nova York, principalmente Manhattan, embaixo d'água. Senti que o livro poderia ter sido mais extenso, pois há momentos em que Crouch explica de menos e acho que carecia de um pouquinho mais de contexto certas coisas que aconteceram. Mas quem busca uma história rápida, certamente vai se deliciar com este livro aqui.
A tradução foi de Ulisses Teixeira e está muito boa. Não encontrei grandes problemas de revisão ou diagramação.
Obra e realidade
Desde que o mundo é mundo e que o Homo sapiens começou a modificar seu mundo, que escolhas genéticas vem sendo feitas. A agricultura e o tratamento com animais na pecuária fizeram os antigos fazendeiros escolherem qualidades que pudessem produzir mais. Era tudo na base da tentativa e erro, selecionando o que ajudava e tentando descartar o que não se queria sem qualquer conhecimento avançado de genética. Com intuição e observação, era possível selecionar as melhores linhagens de trigo, de cevada, de milho e aumentar a produtividade.Agora a edição genética está ainda mais refinada e há quem queria utilizar as ferramentas de edição de maneira polêmica, como o cientista chinês que alegou ter feito edição genética em um embrião. Os primeiros eugenistas, impressionados com a teoria da evolução (e com o racismo) queriam criar "raças superiores" com base na escolha das melhores características de um grupo para melhorar a raça humana. Crouch discute no livro o que a tecnologia de edição pode fazer nas mãos de pessoas inescrupulosas, mas não discute eugenia, o que é uma pena.
Seria interessante a edição genética ser utilizada para fortalecer o corpo humano? Seria. Poderíamos criar imunidade contra vários tipos de doenças, quem sabe curar males genéticos, impedir que doenças se desenvolvessem, melhorar nossa resistência física, retardar o envelhecimento e adoecimento da população, mas e a idoneidade de quem trabalha com isso? Quem garante que as edições favorecerão a todos? O próprio Crouch discute no livro o perigo de se fazer um upgrade em toda uma população sem saber de verdade sobre os riscos e o que o futuro pode reservar aos geneticamente melhorados.
Blake Crouch é um escritor e roteirista norte-americano, famoso por sua série de livros Wayward Pines, adaptada para uma série de TV exibida pela Fox.
As vítimas da queda do Homo sapiens ainda nem nasceram. Que incentivos emocionais temos para fazer os sacrifícios que vão salvar as futuras gerações, se os nossos cérebros não são capazes de se importar o bastante com elas?
PONTOS POSITIVOS
Genética e ciência
Leitura rápida
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Termos técnicos
Preço
Genética e ciência
Leitura rápida
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Termos técnicos
Preço
Avaliação do MS?
Foi uma leitura rápida e divertida. O bom dos livros de Crouch é como eles são gostosos de ler e como perdemos a noção do tempo ao fazer isso. Me vi imersa e curiosa para saber o que Logan faria com suas melhorias e que fim os dilemas com os quais ele se depara teriam. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! 🧬
Olá. Upgrade diverte mas tem muitos defeitos, achei o mais fraco dele até agora. O pior defeito é quando o personagem principal fica em pé em um barquinho (difícil hein?) e depois, evidentemente molhado, sobe no prédio de trocentos andares se agarrando apenas em uma estreita coluna de metal! É suspensão de descrença demais para mim! ;)
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