Resenha: A loteria, de Shirley Jackson e Miles Hyman

O que me chamou a atenção sobre essa graphic novel foi a arte incrível de Miles Hyman. Em seguida, o fato de ser uma obra de Shirley Jackson, autora que admiro e que preciso inclusive ler mais. A única coisa que eu não sabia era que este é um de seus contos mais famosos e que na época de sua publicação ele gerou um zum-zum-zum entre leitores e editores!

Parceria Momentum Saga e editora DarkSide

A graphic novel
Em uma pequena e provinciana cidade norte-americana, seus cerca de 300 habitantes têm um humor sombrio e estranho. Percebe-se que paira sobre ela um certo ar de espera, um ar de que algo está para acontecer. A forma como Hyman desenhou esse contexto nos deixa cada mais ansiosas para descobrir o que se passa sob esse véu de estranha normalidade da cidade.

Resenha: A loteria, de Shirley Jackson e Miles Hyman

A manhã do dia 27 de junho estava clara e ensolarada com o calor fresco de um dia em pleno verão.

Página 37

As pessoas olham pela janela, observam o vai e vem de vizinhos, tomam banho, trocam de roupa, aguardando. Ficamos sabendo pela leitura que outras cidades também fazem a tal da loteria, mas como naquela cidade são apenas 300 habitantes, a contagem é feita em duas horas, no máximo. Crianças brincam, riem, correm, enquanto as pessoas chegam e observam os vizinhos, amigos e familiares para saber se todos vão comparecer.

Vários pedaços de papel já foram preparados, com apenas um onde se vê um círculo preto desenhado no meio. Os chefes das famílias se reúnem, cada um retirando um daqueles pedaços de papel, a ansiedade nos rostos enquanto esperam para ver quem pegará o papel "premiado". O que acontece a seguir é chocante, o plot twist que me pegou desprevenida, já que não conhecia nada da história.

O estilo noir de Miles Hyman combinou exatamente com o estilo do conto. E nada mais justo que o neto de Shirley Jackson ilustrar um de seus contos mais famosos. Hyman cresceu com essa presença invisível de vovó Shirley, cercado por livros e discos, além do peso da fama de uma escritora tão talentosa. A ideia de ilustrar o quadrinho surgiu enquanto Hyman trabalhava na adaptação do livro Dália Negra, de James Elroy.


Em um conto com uma estrutura direta e hermética, seu desafio era imenso. A graphic novel é uma representação fiel da história de Shirley, porém com o traço e estilo de Hyman que criou uma releitura visual primorosa e meticulosa. Hyman reconstruiu A Loteria com sua própria visão, sem alterar em nada a estrutura narrativa e ainda assim conseguiu criar algo inovador e um deleite para os olhos.


A loteria pode pegar muita gente desprevenida (assim como eu, sabe?). Quando começamos a ler, não temos ideia do que esse sorteio significa. É só quando chegamos ao final é que percebemos todo o horror capaz de ser destilado por pessoas normais e provincianas. A loteria é como uma tradição bizarra à qual as pessoas se agarram porque faz parte da história da cidade, porque a modernidade pode acabar estragando tal evento, mas não quer dizer que ela seja algo saudável.

A edição da DarkSide está lindíssima, em capa dura, papel branco encorpado e uma excelente introdução escrita por Hyman e sua relação com a avó e sua rica história literária. Encontrei um balão na página 98 que me pareceu estar faltando texto, então é preciso pescar o significado pelo restante da página. A arte de Hyman, com esse toque noir, trouxe a antiguidade do conto à vida, retratando um mundo do pós-guerra, típico do interior dos Estados Unidos. A tradução foi de Ana Cunha Vestergaard e está ótima.

Obra e realidade
A Loteria foi publicado em 26 de junho de 1948 num exemplar da revista norte-americana The New Yorker. Mas a reação foi inesperada, causando espanto tanto na revista como na própria Shirley. Os leitores mandaram cartas agressivas e decepcionadas durante todo aquele verão, ligaram na redação e muitos chegaram a cancelar a assinatura em protesto a um conto que parecia distorcer os "bons" valores norte-americanos. Ele chegou a ser banido na África do Sul.

Nenhum outro conto gerou tamanha indignação, fúria, nojo ou revolta intensa naquela revista quanto "A Loteria". E é até compreensível, pois nos anos pós-Segunda Guerra havia um certo otimismo no ar, as pessoas queriam reconstruir suas vidas e de repente esse conto apresentava as tradições e valores de uma pequena cidade interiorana com uma brutal violência.

Teve quem acreditasse que Shirley falava de uma cidade real, pois na década de 1940 era comum as pessoas se reunirem nos centros das cidades rurais pelos Estados Unidos participarem de loterias de prêmios em dinheiro, calculados pelos concelhos das cidades para estimular o comércio local. Alguns acreditavam que Shirley falaria desse tipo de loteria em um enredo ficcional e no fim, o conto acabou revoltando muita gente.

Shirley Jackson e Miles Hyman

Shirley Hardie Jackson foi uma escritora norte-americana, conhecida principalmente por suas obras de horror e mistério.

Miles Hyman é um roteirista e ilustrador norte-americano, especialista em graphic novels e em adaptações de literatura clássica.

PONTOS POSITIVOS
Arte incrível
A loteria
Trabalho gráfico impressionante
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Preço
Errinhos de revisão

Título: A loteria
Título original em inglês: The Lottery
Autora: Shirley Jackson
Ilustrador: Miles Hyman
Tradutora: Ana Cunha Vestergaard
Editora: DarkSide
Páginas: 160
Ano de lançamento: 2023
Onde comprar: na Amazon ou no site da DarkSide com um brinde exclusivo!

Avaliação do MS?
A edição é perfeita. Tudo nela ressalta as qualidades do conto original e dá vida às pessoas agarradas às suas tradições, acreditando que elas precisam continuar, não importa quem se machuque pelo caminho. A obra de Shirley Jackson ganhou a adaptação que precisava e uma obra da qual a própria autora ficaria orgulhosa. Cinco aliens para o quadrinho e uma forte recomendação para você ler também!

MARAVILHOSO!

Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Vi você falando desse livro no tt e fiquei na expectativa da resenha. Também gosto muito da Shirley Jackson, preciso ler mais dele, me deu uma saudade da narrativa peculiar dela e daquele olhar tão arguto para as pessoas e suas experiências. Amo colecionar graphic novels e essa foi para minha lista.

    P.S.: Para quem coleciona graphic novels o preço sempre é um calo no sapato! Misericordia!

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