A eterna vigilância do Silo

Silo estreou na Apple TV+ com a força de uma marreta cultural, conquistando fãs ansiosos pela segunda temporada. Adaptação do livro de mesmo nome, de Hugh Howey, a série investe em personagens tridimensionais, complicados, vivendo em um mundo hermético e vigiado do Silo, uma estrutura subterrânea colossal construída no passado, que garante a sobrevivência de todos.

Silo

Já considerada uma das melhores séries dramáticas de 2023, Silo vem arrancando elogios por quem a assiste. Seja pelos cenários e seu ambiente sufocante, seja pelas atuações competentes, principalmente de Rebecca Ferguson, que interpreta a protagonista, Juliette Nichols. A história da publicação em si já é bem curiosa. O autor, Hugh Howey, trabalhava em uma livraria e em seu tempo livre escrevia Silo. A publicação foi inserida no KDP da Amazon e bombou entre os leitores de ficção científica. Pouco tempo depois, a história teve os direitos comprados para uma adaptação no cinema ou na TV.

O silo
Uma das primeiras coisas a se reparar na série é o silo em si. Tanto ambiente quanto protagonista da história, o silo é uma estrutura cilíndrica gigantesca feita em concreto, enterrada na terra, que protege seus habitantes, cuja população é rigidamente controlada, do ambiente externo, muito tóxico para se sobreviver. Os cenários, os equipamentos, até mesmo os computadores, tudo foi pensado de maneira a parecer antiquado, como uma construção dos anos 1960 ou 70 que foi ocupada décadas depois de sua construção, sem nunca ser atualizada.

Um tubo de concreto enfiado no chão não parece ser um cenário visualmente interessante, mas o silo da série parece um lugar real habitado por pessoas reais. Escritórios e residências são pintados em cores diferentes para dar um toque humano e, como no silo não existem fotos, todos têm lindos desenhos de suas famílias por perto. As coisas parecem desgastadas e usadas, o que faz sentido, já que o lugar tem mais de um século, mas não parece nojento e sujo como muitos programas e filmes semelhantes. Os visuais ajudam muito a vender o lugar como um lugar que existe de fato.

Do topo até a base do silo, as pessoas vivem suas vidas, trabalham, se divertem, deslocando-se pelo sistema de escadas no centro da estrutura. Não há telefones, nem sistema eletrônico de mensagens. Se você precisar mandar um recado para alguém, pode usar os mensageiros, que passam o dia subindo e descendo os degraus. Aqui já entra uma particularidade do silo: quem mora no topo se acha melhor do que aqueles que moram na base do silo, os que de fato mantém a estrutura inteira funcionando. É uma metáfora perfeita para ilustrar nossa própria sociedade, onde a população da base não tem noção da força que tem, enquanto sustenta os poderosos lá no alto.

Personagens
Seguindo bem de perto os eventos do livro, a história começa com o xerife Holston Becker, que perdeu a esposa, Allison, três anos antes, quando o casal lutava para ter um filho, depois de serem sorteados. Allison é alguém que constantemente questiona seu universo e se vê abalada por não conseguir engravidar depois que o médico remove o implante contraceptivo. Nesse meio tempo, ela conhece George Wilkins, que tenta abrir um HD antigo, de antes da rebelião que praticamente apagou a história e confiscou todos os itens antigos. Exceto esse HD, que Allison consegue abrir. Seu conteúdo já seria suficiente para mandar todos eles para o lado de fora, a pena capital mais rígida que existe no Silo.

Allison tenta avisar, alertar as pessoas de que o que todos vivem é uma mentira, mas é tomada como uma louca. Depois que ela pede para sair e ver se o mundo deles é real ou não, Holston se vê na obrigação de seguir o pacto do Silo e enviar a própria esposa para fora. O caminho de Holston cruza o caminho de Juliette dois anos depois, quando ela alega que George Wilkins não morreu por suicídio, mas que fora um assassinato e pede que o xerife investigue. É aqui que o protagonismo de Juliette começa.

Rebecca Ferguson está muito bem no papel da fechada, determinada e forte personagem da Mecânica. Ninguém entende quando Holston a escolhe para ser xerife, mas a prefeita opta por seguir seu conselho e a nomeia mesmo com protestos de praticamente todo mundo nas esferas de poder. Juliette não ganharia nenhum concurso de popularidade, então muitos ali dentro não gostam dela e deixam isso bem claro. Rebecca conseguiu dar contornos para esta mulher que não estão presentes no livro e gostei muito mais de sua Juliette do que aquela que Hugh Howey escreveu, ainda que a Juliette dos livros seja uma das minhas personagens favoritas da ficção científica.

Juliette Nichols

O mistério sobre as origens do Silo e o que existe, de fato, do lado de fora não se sustentariam sem um bom roteiro e felizmente os roteiros estão bem escritos e seguram os espectadores até o final de cada episódio. Mesmo sabendo de tudo o que acontece, já que li a trilogia, era de se esperar que eu não criasse expectativas, mas me via presa à tela em cada novo capítulo, tensa, torcendo e temendo pelos personagens tão bem construídos, interpretados e orientados em cena. Mesmo os coadjuvantes são bem construídos e com suas características únicas. Não há espaço para personagens unidimensionais no silo, que espera deixar a população homogênea para poder melhor controlá-la.

Distopia
Em uma rápida passada de olhos, Silo se parece com qualquer distopia pós-apocalíptica, com seus cenários desgastados, cinzentos, miseráveis, com o que restou da humanidade, cerca de dez mil sobreviventes, tentando sobreviver em um mundo destruído. Mas o que segura essa distopia no lugar não é o cenário destruído e sim o mistério e são vários: o mistério sobre a incapacidade de Allison engravidar, o mistério da morte de Wilkins, o mistério sobre o que guarda aquele HD, o mistério sobre as pessoas que saem para limpar a lente da câmera, que transmite o mundo exterior para dentro do Silo. Se não fosse esse conjunto de boas histórias, apenas a distopia não seguraria ninguém na frente da TV.

Quando a primeira temporada termina, alguns mistérios inquietantes continuam para a próxima. Por exemplo, o que vai ser de Juliette? Por que a história humana foi apagada e ninguém no Silo pode manter uma relíquia histórica? Qual é a verdadeira extensão do poder do TI, onde seu principal representante, Bernard Holland (Tim Robbins) é um dos personagens mais detestáveis? Curioso apontar que, na maioria das produções de ficção científica, os caras que cuidam dos computadores e sistemas são sempre os mocinhos, enquanto aqui o TI é uma poderosa e intimidante força que aterroriza e vigia o Silo, em um estado de permanente vigilância semelhante a 1984, de George Orwell.

O silo é basicamente uma cidadezinha do interior: tem um prefeito e um xerife, um mercado e uma fazenda, e todos ali têm algum tipo de trabalho para manter as coisas funcionando. As dinâmicas internas ocorrem de maneira muito próxima, afinal todo mundo se conhece. E a temporada lida muito com essa dinâmica interiorana, com os policiais batendo de porta em porta para resolver crimes. Então conforme as coisas vão se revelando, percebemos que há muito mais em jogo do que pensamos lá no começo e no final acabamos ansiosas para saber o que virá por aí porque as perguntas principais não foram respondidas.

Silo pode ser lido de muitas formas. Funciona como uma crítica a uma sociedade estratificada (aqueles que vivem e trabalham na base da estrutura são desprezados por aqueles em níveis superiores, apesar de suas habilidades serem as únicas das quais depende a sobrevivência de todos) e como um estudo sobre apagamento e quem escreve e reescreve a história. É também sobre as vantagens e desvantagens de se saber a verdade e de viver em negação, tanto para os indivíduos quanto para o coletivo. Mas acima de tudo, é uma história humana muito bem conduzida que abraça tropos clássicos da ficção com entusiasmo e caracterizações delicadas e gratificantes.

E você, já assistiu Silo??

Até mais!

THE TRUTH WILL SURFACE

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Comentários

  1. Faz tempo que li o livro, então não lembrava muito, mas também amei a série! Achei incrível o cenário do Silo em si, gostei demais dos personagens e o clima de mistério. Achei que a série aprofundou as questões tratadas no livro a respeito desse mundo. Foi uma boa escolha adaptar só metade do livro na primeira temporada. Já estou ansiosa pela próxima.

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    1. Também li o livro já faz um tempinho, mas quando li a resenha, percebi que os eventos da primeira parte da obra foram bem adaptados na série! Estou bem ansiosa para a próxima temporada. 😀

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  2. A Apple tem boas séries, poucas mas boas. Infelizmente ficaram um bom tempo sem lançar novas séries de sci fi, agora com a segunda temporada de fundação e essa silo, espero retornar a assinar o streaming. Confesso que não me empolgou, pois o livro não foi um favorito, mas com sua resenha e por ser da Apple vou conferir. Estou curioso para saber se vc está assistindo star trek, strange new words? Estou amando!

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    1. Poxa, você não gostou de Silo??

      Sobre Strange New Worlds, assisti à primeira temporada e curti bastante. Muito melhor que Discovery, inclusive.

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  3. Voltei aqui só para dizer como as segunda temporada de Fundação está incrível, e Silo também é muito bom!

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