O que Indiana Jones acerta - e erra - sobre a arqueologia

O arqueólogo mais famoso da cultura pop, Indiana “Indy” Jones, foi um dos responsáveis pelo crescente interesse em arqueologia nos anos 1980 e por definir a percepção do público sobre a área. Porém, alguém já se perguntou como os arqueólogos da vida real se sentem sobre o personagem? Muitos lamentam a representação irreal da arqueologia e a mistificação dos fatos históricos. Alguns precisam aguentar perguntas bobas de leigos sobre a ciência da arqueologia.

O que Indiana Jones acerta - e erra - sobre a arqueologia

Mas, ao mesmo tempo, muitos arqueólogos apreciam como Jones elevou o perfil da arqueologia no imaginário popular. Porém, vale destacar outro mérito da franquia: a expressão cinematográfica de questões éticas no cerne do pensamento antropológico. Por mais que os filmes lidem com cenários imaginários, eles também refletem desafios fundamentais no campo – preocupações reais de arqueólogos reais.

Arqueologia pode ser destrutiva
É preciso entender que a arqueologia pode destruir o objeto que estuda. Obviamente que não chega a ser como nos filmes de Indy, com armadilhas explosivas ou gigantescas bolas rolantes de pedras. O que a arqueologia faz é uma destruição sistemática, uma escavação controlada. Arqueólogos contemporâneos documentam sítios meticulosamente e usam técnicas menos invasivas, como o radar de penetração no solo, que sonda o solo sem cavar e até imagens de satélite. Com tais tecnologias, eles criam descrições escritas detalhadas, acompanhadas de desenhos, fotografias e escaneamento 3D.

A natureza destrutiva da arqueologia não se limita a restos abaixo da superfície. Por exemplo, desde o século XIX, os conservadores tentaram reconstruir a Acrópole ateniense em seu estilo grego clássico. No processo, eles removeram estruturas medievais e otomanas, incluindo casas, fortificações como a chamada Torre Franca e uma mesquita dentro do Partenon. A figura soberana da acrópole sobre a metrópole grega não corresponde ao que ela era 200 anos atrás.

Arqueologia como ferramenta política
No terceiro filme, A Última Cruzada, Indy procura seu pai sequestrado, um excêntrico medievalista interpretado por Sean Connery. Jones pai desapareceu enquanto procurava o Santo Graal, a taça que Cristo teria usado na Última Ceia. Durante a jornada, ambientada em 1938, Indy descobre um covil nazista em um castelo e sussurra: “Nazistas. Odeio esses caras”.

Na realidade, os locais e artefatos históricos são muitas vezes mal utilizados para fins políticos. As representações do passado foram manipuladas por líderes em todos os espectros políticos e ideológicos e não é de hoje. Quando Cleópatra navegou com Júlio César pelo Nilo, ela lhe mostrou as magníficas pirâmides, em uma tentativa de mostrar o poder do Egito por meio de suas antigas construções e assim afastar os romanos. As ideologias nacionalistas e de extrema direita, por sua vez, têm sido especialmente ativas nesse sentido devido à sua tendência de idealizar um passado imaginado.

O aparato de treinamento intelectual e ideológico do Partido Nazista continha um grupo especializado em pré-história alemã. Posteriormente, foi incorporado ao Ministério do Interior. A notória SS também tinha uma unidade de pesquisa e ensino da herança alemã sob a supervisão direta de Heinrich Himmler, o homem que mais tarde supervisionou o Holocausto. O objetivo da unidade era subjugar a pesquisa e a política cultural. O próprio Adolf Hitler não estava preocupado com a destruição de monumentos durante a guerra porque, em sua opinião, isso abria uma oportunidade para erguer novos.

Nem tudo pertence a um museu
Em O Templo da Perdição, de 1984, Indy se encontra em busca de uma pedra sagrada roubada do santuário de uma vila na Índia. O trio de Indy; seu interesse romântico, Wilhelmina “Willie” Scott; e seu autoproclamado assistente, Short Round, deve enfrentar o malvado culto Thuggee para recuperar o valioso item. Eventualmente, Indiana devolve a pedra Sivalinga aos residentes da vila. O líder religioso deles diz: “Agora você vê o mérito da rocha que trouxe de volta”. O protagonista concorda: “Sim. Eu entendo seu poder agora”. Um minuto depois, Willie pergunta por que ele não levou a pedra embora, ao que Indiana responde: “Para quê? Eles apenas o colocariam em um museu, e seria outra pedra juntando poeira”.

Isso pode parecer um grande passo para um personagem que disse que outros itens considerados antiguidades pertencem a museus. Sua postura aparentemente inconsistente reflete o relacionamento muitas vezes tenso entre arqueólogos, coleções de museus e comunidades. Sim, museus são instituições fundamentais para a gestão e proteção do patrimônio histórico, natural e cultural. Mas proteger e promover o patrimônio requer a inclusão de comunidades mais amplas.

Esta não é uma ideia nova na arqueologia acadêmica. Na década de 1950, o arqueólogo Mortimer Wheeler expressou “a necessidade moral e acadêmica de compartilhar o trabalho científico ao máximo possível com o homem na rua e no campo”. Considerando as origens problemáticas de muitas coleções de museus e os pedidos de repatriação em andamento feitos por várias nações e grupos indígenas, o feito de Indy reflete as preocupações fundamentais da arqueologia pública. Coleções controversas armazenam objetos sagrados, como as estátuas Kigango, do povo Mijikenda, da costa sudeste do Quênia, e os restos humanos de ancestrais indígenas.

A fictícia aldeia indiana apresenta uma situação muito real. A comunidade local detém o conhecimento para a proteção de sua cultura. Arqueólogos e antropólogos, sendo comunicadores interculturais por ofício, têm um papel a desempenhar e podem apoiar tais esforços comunitários. Indy parece entender isso quando ele retorna a pedra Sivalinga. É possível discutir o estereótipo danoso do salvador branco, mas em princípio a postura de Dr. Jones está correta.

Existem muitas nuances na história de Indiana Jones. A meu ver, os filmes expressam o importante papel e as responsabilidades atribuídas à arqueologia pelo público. Apesar de algumas deturpações, os filmes mostram que, na melhor das hipóteses, a arqueologia pode ser um trabalho voltado para a comunidade que une as pessoas e o patrimônio.

Que venham mais filmes de Dr. Jones e seus amigos!

Até mais!

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