A leitura como rebelião

Se tem uma coisa que todo mundo que lê sabe é que o poder da palavra escrita é transferido para seus leitores. Assim, não surpreende que figuras de autoridade, em variados momentos da história humana, tenham tentado impedir que os oprimidos tivessem acesso a materiais escritos, até mesmo à alfabetização. Para esses grupos, a leitura em si já era um ato de rebelião e de resistência contra o sistema.

A leitura como rebelião

O poder da palavra escrita pode (e é) mal utilizado, e ainda vem sendo mal utilizado, principalmente para espalhar informações falsas e ódio. Vimos no meio de uma pandemia, a maior crise sanitária do século, como mentiras a respeito de remédios sem qualquer eficácia foram espalhadas até mesmo por médicos enquanto eles combatiam as vacinas, que de fato podem salvar vidas.

Mas a palavra escrita foi o principal vetor de informações para movimentos de resistência, tanto é que nos domínios do Império Britânico e nas Américas, povos escravizados tiveram negado o acesso à leitura durante séculos. Ainda assim, arriscando suas vidas, eles conseguiam aprender a ler e a escrever, fugindo da vigilância de seus opressores, o que se tornou uma arma poderosa em sua batalha contra a escravidão e a opressão.

O mesmo podemos dizer sobre as mulheres, cuja leitura e ambição intelectual foram desencorajadas, muitas vezes de forma violenta, em sociedades de todo o mundo, apesar de alguns dos primeiros poetas e escritores da história terem sido mulheres, como Enheduana. No entanto, em grande parte isoladas do mundo exterior e forçadas às rotinas da domesticidade, gerações de mulheres aprenderam sozinhas a ler e escrever. Escreveram sobre suas próprias experiências, seus pensamentos e opiniões a respeito de uma sociedade que tentava silenciar suas vozes.

Mulheres na China e no Japão inventaram seus próprios dialetos usados especificamente para a comunicação entre mulheres. Na Índia, Rashsundari Devi, autora da primeira autobiografia em bengali, aprendeu sozinha a escrever rabiscando letras na fuligem que sobrava em seu forno a lenha após mais um árduo dia na cozinha. Clubes de leitura só para mulheres, que discutiam literatura do ponto de vista feminino, já eram mencionados no século XV, no livro francês sobre as crenças das mulheres medievais, Os Evangelhos de Distaff. O tiro que Malala levou na cabeça apenas por querer estudar e por querer que outras meninas também estudassem foi em 2012, o que mostra que o ódio à educação feminina permanece no mundo moderno.

Livro cheio de flores
Regimes totalitários sempre reconheceram a importância da ignorância para manter as pessoas subservientes aos regimes exploradores e têm banido livros que vão contra a versão da realidade que desejam projetar, com um entusiasmo que não foi diminuiu. As obras de Protágoras foram queimadas na antiga Atenas; o imperador chinês Shih-Huang Ti queria queimar tudo o que foi escrito antes de seu tempo para que a história começasse com ele. Em 1559, a Igreja Católica Romana começou a manter um Índice de Livros Proibidos. Na Alemanha nazista, a máquina de propaganda do governo fez um espetáculo de queima de livros, com cada livro queimado recebendo seu próprio epigrama individual. Os governantes coloniais tentaram proibir e impedir a circulação de material impresso que questionasse a legitimidade de seu governo em suas colônias. Em pleno século XXI, vários estados nos Estados Unidos estão banindo livros em uma suposta defesa das crianças. Parece que isso nunca terá um fim...

Há uma desvantagem na leitura revolucionária e rebelde: ela vai te expôr à tristeza do mundo, às falhas da humanidade, aos danos que causamos uns aos outros e ao nosso planeta. Às vezes, o conhecimento e a compreensão podem ser dolorosos. À medida que você abre os olhos para coisas novas ao seu redor e expande sua capacidade de empatia, a gama de emoções que você experimenta em resposta aos eventos do mundo e às coisas que lê também aumenta.

Uma das melhores maneiras de realmente experimentar o mundo através dos olhos de outra pessoa é ler um livro escrito a partir de sua perspectiva. A exposição a uma variedade de experiências e pontos de vista aumenta nossa empatia, cultiva a busca pela verdade e nos força a questionar o status quo da sociedade, bem como nossos próprios paradigmas. Esses atos são de fato rebeldes e revolucionários.

E você, o que está lendo agora??

Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Estou lendo "Os Sete Maridos de Evelyn Hugo". Antes dele, "A Empregada". Gosto muito de variar os gêneros e não ficar preso a nenhum. Parabéns pelo ótimo texto.

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