Resenha: Como organizar uma biblioteca, de Roberto Calasso

Quem tem muitos livros sabe: organizar a biblioteca pode ser um trabalho exaustivo, mas é algo que fazemos pelo amor aos livros e ao seu conteúdo. Longe de ser um livro que vai te ajudar nessa tarefa, essa pequena coletânea de ensaios Calasso fala sobre a história pessoal e coletiva da leitura, passando por nomes da literatura, lugares e publicações que conversam diretamente com todo mundo que adora ler.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras

O livro
Composto por apenas quatro ensaios de um dos maiores intelectuais italianos, o livro mais nos confunde do que nos ajuda a organizar qualquer coisa. Mas não entenda isso de maneira negativa. O que Calasso faz é mostrar que mesmo a mais nobre tentativa de organizar uma biblioteca acaba por se tornar uma tarefa inglória, porque a bagunça faz parte da vida.

Resenha: Como organizar uma biblioteca, de Roberto Calasso

Uma ordem perfeita é impossível, simplesmente porque existe a entropia. Mas não se vive sem ordem. Com os livros, como também para as outras coisas, é preciso encontrar uma via entre essas duas frases

Página 11

O ensaio-título que abre a obra o autor fala sobre a impossibilidade e até a incapacidade de uma organização em uma biblioteca. Com notas muito pessoais, Calasso aponta que é saudável, às vezes até desejável, que a biblioteca seja orgânica, onde possamos buscar livros conforme os encontramos pelas prateleiras, tal como uma criança que cata conchas na praia. Às vezes, o livro que queremos é justamente aquele que está ao lado daquele que fomos procurar em primeiro lugar.

O segundo ensaio fala sobre a época de ouro das revistas literárias europeias, no período entre as duas guerras mundiais. Algo que senti dessa coletânea no geral é que a bagagem literária (e europeia) do autor pode tornar a leitura um tanto distante da realidade de meros leitores mortais como nós. Houve momentos em que senti que não conheço o suficiente sobre literatura conforme lia os textos do autor. Este texto aqui é bem específico sobre o assunto e apesar de ter trazido informações interessantes, acredito que foi um dos mais fracos.

O terceiro é sobre um artigo jornalístico de 1665 que seria a primeira resenha literária da história e que, ao contrário dos outros gêneros literários dos quais não sabemos a origem, teria data de nascimento bem documentada. Este é o ensaio mais curto de todos, praticamente uma orelha de livro, mas é interessante abordar a resenha como gênero e ainda analisar o tempo em que ela surgiu. Poderia ser um ensaio maior.

E o último ensaio é sobre como organizar uma livraria e aborda o tema não apenas do ponto de vista de um romântico dono de uma pequena livraria de rua, mas como elas podem competir com gigantes do varejo. Se a livraria deve ser um lugar onde queremos entrar e onde queremos encontrar algo para ler, ela também deve ser um lugar para se sentar e assim poder saborear as obras para escolher o que levar. E ele faz críticas interessantes sobre o fato de grandes redes se apoiarem no livro para venderem de tudo, desde que relacionados com a literatura, como canecas e camisetas.

O livro, como a colher, pertence àqueles objetos que são inventados de uma vez por todas (...).

Página 19

O autor faz grandes observações sobre o mundo literário, sobre a importância da leitura e do livro e de como se relaciona com eles. Em alguns momentos vibrei ao ver exatamente o que penso a respeito refletido no texto, enquanto em outras eu escrevia nas margens "Porra, Calasso!". Podemos achar, durante a leitura, que ele poderia ser blasé com ebooks, mas não, ele inclusive os defende ao falar sobre o assunto.

O livro físico é pequeno, até porque são ensaios curtos e talvez não valesse à pena fazer um livro no formato padrão, mas o formato pocket, curiosamente, é desconfortável e ruim de ler, o que contraria o conforto que todo leitor deve ter no momento da leitura, algo que Calasso defende no ensaio final. Mas, apesar disso, o livro está bem revisado e diagramado, com uma excelente tradução de Patrícia Peterle.

(...) uma biblioteca é um organismo em perene movimento. É um terreno vulcânico onde sempre está acontecendo algo (...)

Página 63

Obra e realidade
Apesar de não concordar com tudo, um dos meus temores ao ler os ensaios de Calasso é que ele fosse daqueles intelectuais que desfiam a falar dos livros clássicos, para desclassificar a literatura atual. Aliás eu estava preparada para isso assim que comecei. Mas é interessante ver que Calasso chama de “muito entediante estirpe” aqueles que só admitem ler tomos canônicos e descartam os “livrecos”. Livreco aqui pode ser um sinônimo para aqueles livros baratos de banca, com damas em vestidos esvoaçantes na capa, bem como uma ficção científica das mais tradicionais. Toda leitura tem seu objetivo, mesmo que seja apenas para se divertir.

Mas ele também comenta sobre uma certa incontinência literária de nossos tempos, onde um leitor se vê inundado por livros novos todos os dias, sem ter tempo nem cérebro para ler todos eles. O que escolher? Como escolher? Entra aí a importância dos livreiros, capazes de nos ajudar a escolher livros e a definir melhor nossas leituras.

Roberto Calasso

Roberto Calasso foi um escritor e editor italiano, fluente em vários idiomas.

PONTOS POSITIVOS
Bem pesquisado
Bem escrito
Literatura
PONTOS NEGATIVOS

Curtinho
Segundo ensaio é chatinho

Título: Como organizar uma biblioteca
Título original em italiano: Come ordinare una biblioteca
Autor: Roberto Calasso
Tradutora: Patrícia Peterle
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2023
Páginas: 137
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Terminei esse livro com a sensação de ter tido uma conversa com um apaixonado por livros como eu. Alguém que entende tanto do assunto que às vezes pode soar ininteligível ao falar sobre o assunto, mas que consegue mostrar erudição sem ser arrogante, defendendo a literatura e o livro como só os apaixonados fazem. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 📖

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