Figo, a testemunha da história

A figueira e seus frutos estão presentes em muitos mitos e histórias pelo mundo. Suas folhas cobriram Adão e Eva; suas raízes foram usadas pelo deus do povo Maasai para transportar o primeiro gado do céu para a Terra; e de acordo com uma história indonésia, dois deuses esculpiram o primeiro casal com sua madeira. A presença de figueiras em numerosos mitos de origem é mais do que simples coincidência. Eles moldaram nosso mundo muito antes do surgimento da humanidade e alimentaram a nós e nossa imaginação por milênios.

Figo, o néctar dos deuses

Existem mais de 750 espécies de Ficus, cada uma das quais depende de sua própria espécie de vespa para polinizar suas flores, uma simbiose que existe desde a Era dos Dinossauros. Por sua vez, as vespas só podem procriar dentro dos figos da árvore parceira. Estudos genéticos sugerem que essa notável codependência tem pelo menos 80 milhões de anos e o inseto tem menos de 48 horas para completar sua missão.

Um efeito colateral de depender de vespas polinizadoras de vida curta é que figos maduros são encontrados o ano todo nos trópicos. Eles sustentam animais selvagens quando outras frutas são escassas, alimentando pelo menos 1.270 espécies de aves e mamíferos, muito mais do que qualquer outra fruta. Isso os torna pilares ecológicos: sem eles, muitos animais da floresta tropical teriam dificuldades ou morreriam de fome, com efeitos indiretos para milhares de outras plantas cujas sementes eles dispersam. E agora há sinais de que plantar figueiras pode nos ajudar a combater o desmatamento, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas em países tão diferentes quanto Austrália, Costa Rica, Indonésia, Ruanda, África do Sul e Tailândia.

Tal capacidade regenerativa vem sendo usada na Tailândia, onde várias espécies de Ficus estão restaurando a mata nativa do Parque Nacional Doi Suthep-Pui. Na Costa Rica, os pesquisadores cortaram galhos de 4 metros de figueiras e os plantaram como “árvores instantâneas” que brotam raízes e galhos frescos. O objetivo é regenerar a floresta tropical mais rápido do que é possível com o plantio de mudas. Os primeiros resultados mostram que as árvores sobrevivem bem e podem produzir figos em menos de um ano.

A domesticação do figo remonta provavelmente a 5.000-6.000 AEC, sendo que pode haver uma origem ainda mais antiga, datando de 11 mil anos atrás. Nesse caso, a domesticação do figo coincidiu com o início da agricultura. Muito provavelmente a domesticação da figueira ocorreu no Mediterrâneo oriental e de lá formas selecionadas e levadas para outras regiões, especialmente as áreas do Mediterrâneo ocidental. Durante a era clássica, as figueiras juntamente com as oliveiras, videiras e tamareiras constituíam os principais elementos hortícolas da agricultura dependente da chuva na bacia do Mediterrâneo.

Simbolismo
Os seres humanos e as figueiras têm uma longa história conjunta: madeira de figueira fossilizada foi encontrada ao lado de Ardipithecus ramidus, um hominídeo de 4,6 milhões de anos atrás; quando os primeiros humanos modernos surgiram na África, cerca de 200 mil anos atrás, o continente tinha mais de 100 espécies de figos; e quando seus descendentes migraram da África, encontraram novos tipos de figueiras que ofereciam presentes semelhantes. Hoje em dia, culturas distantes – dos maias na América Central aos Kikuyu no Quênia – têm tabus contra o corte de figueiras.

Figos
É possível que as figueiras tenham auxiliado os ancestrais humanos a se estabelecer em aldeias. No antigo Egito, os faraós acreditavam que, quando morressem, suas almas encontrariam uma figueira no deserto e que a deusa Hathor sairia das folhas para saudá-los no céu. Na religião tradicional Kikuyu do Quênia, fazer votos em figueiras sagradas é uma forma de se comunicar com Deus. Para os budistas, nenhuma planta é mais importante do que a figueira sob a qual o Buda alcançou a iluminação.

O figo tem sido um símbolo de abundância desde os tempos antigos e tem recebido muita atenção em termos de propriedades nutricionais e medicinais. Mitrídates, o rei grego do Ponto, declarou os figos como antídoto para todas as doenças e instruiu seus médicos a considerarem seu uso como remédio. “Os figos curam”, diz Plínio de Roma. Os figos eram muito preciosos, nos antigos Jogos Olímpicos, os atletas vencedores comiam figos para melhorar sua força e velocidade.

É provável que os figos tenham sido uma das primeiras frutas a serem secas e armazenadas pela humanidade. Havia uma figueira no Jardim do Éden e, de fato, a figueira é a árvore mais falada na Bíblia. Se um figo era o fruto proibido é discutível, mas é certo que uma figueira forneceu a primeira vestimenta de Adão e Eva. Os figos foram mencionados em um livro de hinos da Babilônia por volta de 2000 AEC. Diz a lenda que a deusa grega Deméter revelou pela primeira vez aos mortais o fruto do outono, que eles chamavam de figo. A figueira era considerada sagrada em todos os países do sudoeste da Ásia e no Egito, Grécia e Itália.

Eles também são mencionados na Ilíada de Homero, bem como na Odisseia; por Aristófanes, Heródoto e Catão; e dizem que o figo era a fruta favorita de Cleópatra, sendo que a áspide que acabou com sua vida fora trazida a ela em uma cesta de figos. Aliás, é bem interessante o relacionamento dos Antigos Egípcios com as árvores, que eram raras no território egípcio. Havia várias divindades associadas a árvores. Hórus estava associado à acácia, enquanto Osíris e Rá estavam ligados ao salgueiro e ao sicômoro (também conhecido como figueira-do-faraó), respectivamente. Osíris foi protegido por um salgueiro depois de morto e, por exemplo, o Livro dos Mortos descreve dois "plátanos de turquesa" crescendo no ponto no horizonte oriental onde o deus-sol nasce todas as manhãs. Além disso, Upuaut (deus da guerra) foi associado com o tamarisco, e o símbolo do deus Heh era um ramo de palmeira. Thoth e Seshat, as duas divindades associadas à escrita, inscreveram em folhas de vinhático os Títulos Reais e os anos de reinado dos faraós.

Figo dançando
Os antigos egípcios dominaram o cultivo do Ficus sycomorus, o sicômoro, cujas vespas polinizadoras estavam extintas ou nunca haviam chegado ali, o que os impedia de produzir figos maduros. Por sorte ou por observação, os egípcios desenvolveram um método para enganar a árvore e amadurecer seus figos: tirar um pedaço delas com uma faca. Em pouco tempo, os figos se tornaram a base da agricultura egípcia e eles até treinaram macacos para subir nas árvores e cortá-los. Figos estavam presentes nas tumbas para alimentar suas almas durante a viagem à outra vida.

No Brasil, os figos chegaram no século XVI trazidos pelos colonos portugueses. O cultivo mais comum no Brasil é conhecido como Roxo de Valinhos (sp. Adriático). Lino Busatto, imigrante italiano, que chegou a Valinhos (na época distrito de Campinas) em 1898 teve a ideia de importar as primeiras mudas de figo de uma região italiana próxima ao mar Adriático. As primeiras mudas chegaram em 1901 e tiveram fácil adaptação. Em 1910 os figos já eram produzidos à escala comercial, conferindo a Valinhos o estatuto de capital nacional do figo roxo ("Valinhos - Capital do Figo Roxo").

As espécies de Ficus podem impulsionar a regeneração de florestas ricas, cujas árvores e solos retêm o carbono e, assim, limitam o aquecimento global. Seus figos sustentam centenas de espécies animais, suas raízes estabilizam o solo, limitando deslizamentos e erosão. A ciência moderna está aprendendo uma lição que foi uma das primeiras que nossa espécie apreendeu: as figueiras são nossas amigas, e coisas boas vêm para aqueles que as protegem.

Até mais!

Leia também:
The Fig Tree Fed Ancient Civilizations and Feeds Modern Gardeners Today - Ty Ty Plant Nursery
The Millenary History of the Fig Tree (Ficus carica L.) - Egizia Falistocco
The Persea Tree of Ancient Egypt - Ancient Foods
How Fig Trees Restore Forests and Biodiversity - FoodUnfolded
A árvore que guiou a história humana e sustenta vida de milhares de espécies - BBC

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Comentários

  1. Nossa, que post interessante. Nunca tinha lido sobre a história dessa fruta tão, diferente podemos dizer... Adorei saber mais.

    www.vivendosentimentos.com.br

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