Resenha: Contágio, de David Koepp

Sabe aquele livro que tem toda a pinta de ser um roteiro de cinema? Pois Contágio tem essa pegada. Com a febre que se tornou The Last of Us, livros com fungos estão chamando a atenção e com esse aqui não é diferente. Cientistas precisam correr contra o relógio para investigar um fungo perigoso antes que se espalhe.

O livro
Em 1987, uma equipe de especialistas é enviada para o deserto australiano para investigar o estranho surgimento de um novo tipo de fungo que adoeceu toda a uma vila no meio do nada. No avião estão Roberto Diaz, especialista em bioterrorismo do Pentágono, sua parceira mais velha e de um nível superior, Trini Romano, e uma especialista em fungos, Dra. Hero Martins. Um lixo espacial acabou trazendo de volta à Terra um fungo comum que ataca as formigas, porém de uma maneira muito mais mortal e contagiosa.

Resenha: Contágio, de David Koepp

Mas a situação que o grupo encontra na Austrália é tão brutal que a única maneira de conter um contágio é bombardeando o lugar. O grupo retorna com uma amostra, porém quem vai ter coragem de pesquisar um fungo tão perigoso como o Cordyceps novus? A melhor maneira é isolar o fungo em uma base secreta, profunda e controlada e torcer para que fique lá para sempre.

Entretanto, as coisas vão dar muito errado vários anos depois por duas razões. A primeira é o aquecimento do planeta, o que acaba sabotando a quarentena e os equipamentos que mantém o fungo isolado e impossibilitado de crescer. A segunda é que uma parte das instalações onde o fungo está armazenado foi vendida e se tornou um depósito onde as pessoas alugam espaços para guardar suas tralhas. Os níveis mais profundos, por sua vez, foram lacrados, ou é o que pensavam os militares. Dois vigias que trabalham no depósito, Travis e Naomi, percebem que um barulho estranho está vindo de trás de uma parede de compensado e vão investigar.

Tenho que admitir que desde o lançamento desse livro que ele me interessou, ainda lá em 2019. Mas toda vez que eu pensava em comprar, lia uma resenha negativa sobre ele e desanimava. Com o sucesso de The Last of Us, o interesse pelo livro reacendeu e decidi de uma vez pegar para ler. O tema me interessa, pois adoro enredos como esse e ter uma história sobre um fungo e não um vírus é bem interessante. Com uma clara inspiração em Michael Crichton, o livro se destaca por trazer mais desenvolvimento de personagens, porém não da melhor forma.

Comentei lá em cima no começo da resenha que o livro tem uma estrutura de roteiro de cinema. Isso porque David Koepp é roteirista e cineasta e talvez por isso não tenha conseguido escapar da estrutura de um filme na hora de escrever. É fácil perceber que ele deve ter escrito o livro para isso mesmo, ser adaptado para o cinema, pois como livro ele funciona muito mal.

A forma como os personagens são descritos é deplorável. Koepp entrega tudo de uma vez só, sem nenhuma pausa para o desenvolvimento. Em longos parágrafos sem qualquer pausa ficamos sabendo de toda a vida sexual dos personagens, o quanto são patéticos, perdedores, medíocres e são pegos pelas circunstâncias ao se depararem com o fungo se libertando de suas restrições. Sério, quando eu percebia que ele levaria blocos inteiros de parágrafos para apresentar um personagem, eu já fazia leitura dinâmica, porque não estava interessada naquilo.

Uma boa construção de personagens deve ser feita aos poucos, dosando as informações para quem está lendo de maneira a não encher a cabeça das leitoras de informações que são boas para a base do enredo, mas não para sua solução. Ao invés de fazer isso, Koepp entrega tudo de uma vez para focar na ação, no perigo que os personagens sofrem e aí eu já não estava muito interessada neles e sim se conseguiriam impedir o fungo de escapar da contenção.

Foi interessante ver que a burocracia fez com que o fungo quase se perdesse e se tornasse um grave problema de saúde pública. Achei essa parte acertada e muito real. Também gostei de ver que o mundo estava nas mãos de um Diaz bem mais velho e aposentado, e de Travis e Naomi, dois civis sem qualquer treinamento, mas o autor deixou de fora uma das melhores personagens, não sei bem porque.

A descrição do fungo, como ele evolui, infecta e se espalha é morbidamente fascinante, e a pesquisa feita pelo autor é incrível, pois ele explica as vias químicas e biológicas com que o Cordyceps se desenvolve, fazendo dele um dos protagonistas do livro. No entanto, os personagens são insípidos, os diálogos são pouco inspiradores e o enredo segue o suficiente para levantar suas sobrancelhas a cada poucos parágrafos. Algumas resenhas comentaram sobre o bom humor do livro e das altas risadas e acho que isso não funcionou comigo porque não achei a menor graça nele.

Essa era uma das coisas boas de ser velho, como era agradável a ideia de conservação de energia, de prudência, de estilo. A juventude era toda feita de desperdício de movimentos e produção de barulho, um pensamento de que quanto mais a pessoa parecia que estava fazendo uma coisa, mais ela era, quando, na realidade, o contrário era verdadeiro.

Li o ebook e não o livro físico, mas não encontrei problemas de revisão ou de diagramação nele.

Obra e realidade
Se tem uma coisa que The Last of Us fez foi despertar o medo do público com relação aos fungos. E o que buga a cabeça de muita gente é que o gênero de fungos deste livro e em The Last of Us de fato existe. O Cordyceps é um gênero de fungos que se destaca pela grande quantidade de espécies parasitas de artrópodes, utilizando esses animais para completar seu ciclo de vida.

Ao infectar uma formiga, o fungo se desenvolve dentro do corpo do animal, mantendo-o vivo e utilizando-o para desenvolver mais esporos. Ele basicamente assume o controle do cérebro da formiga e comanda suas ações a partir daí. No jogo (e na série) o Cordyceps acaba evoluindo de maneira a infectar seres humanos, levando ao apocalipse, com pessoas sendo controladas por ele, tal como as formigas.

Mas a boa notícia para nós é que o fungo não tem condições de infectar seres humanos. Aliás, ele não faz isso com nenhum vertebrado. Um inseto é um organismo muito mais simples, com um metabolismo menos complexo. Um vertebrado tem complicadas vias químicas, além de um sistema imunológico robusto e temperatura superior àquela que o fungo precisa para se desenvolver. O aquecimento do planeta devido às mudanças climáticas poderiam forçar uma mutação no fungo? Poderia, mas dificilmente isso o faria infectar humanos.

David Koepp

David Koepp é um cineasta e roteirista norte-americano. Assinou o roteiro de filmes como Jurassic Park (1993), Missão Impossível (1996), Homem-Aranha (2002) e o novo Indiana Jones and the Dial of Destiny (2023).

Em 2020, a Paramount anunciou que estava desenvolvendo a adaptação de Contágio para o cinema (para a supresa de zero pessoas).

Pontos positivos
Fungos
Tema interessante

Pontos negativos
Personagens rasos
Desenvolvimento ruim
Final apressado

Título: Contágio
Título original em inglês: Cold Storage
Autor: David Koepp
Tradutor: André Gordirro
Editora: HarperCollins
Páginas: 304
Ano de lançamento: 2019
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
É uma pena que a execução de uma ótima ideia tenha sido tão ruim. Sinto que o autor não teve a habilidade necessária para desenvolver em livro uma coisa que ele faz tão bem em filme. São duas mídias diferentes, então a forma de escrever também deve ser diferente. Tem coisas legais, mas não são suficientes. Três aliens para o livro.



Até mais! 🍄

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Comentários

  1. Nossa, que decepção Sybylla. A estrutura da trama realmente me lembrou um pouquinho Jurassic Park, uma pena o desenvolvimento ter sido tão pobre. Realmente uma coisa é escrever um livro, outra coisa BEM diferente é escrever um roteiro. :/

    Beijos

    Não Me Mande Flores

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    Respostas
    1. Pois é, uma pena mesmo. Tinha tanto potencial, um tema tão atual. Infelizmente foi pensado para o cinema mesmo. Bjs! 💗

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