Resenha: Saros 136, de Alexey Dodsworth e Ioannis Fiore

Sou uma grande fã do trabalho de Alexey Dodsworth. Assim fiquei bem animada com Saros 136, quadrinho nacional de ficção científica que fala sobre a constante luta de nossa espécie para se reinventar e sobreviver enquanto atravessa o tempo e o espaço em momentos distintos da história. Saros 136 foi selecionado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo em 2020.

Este quadrinho foi uma cortesia do autor


O quadrinho
Em Saros 136, cinco histórias se conectam. Separados pelo tempo, eles terão suas vidas e o tempo mudados quando um eclipse surgir. Começamos no futuro, com uma mãe contando a seu filho a verdade sobre suas origens. Não os vemos em nenhum momento, apenas no final, mas é sua narrativa que nos conduz pelas páginas, conforme ela explica a um garoto impaciente sobre os ancestrais e suas obras.

Resenha: Saros 136, de Alexey Dodsworth e Ioannis Fiore

Retornaoms então ao passado escravocrata, no século XIX, onde um escravizado, chamado Antônio, é considerado de vital importância por seu "dono", já que ele é um feiticeiro poderoso, profundo conhecedor de ervas e o único capaz de ajudar a salvar uma pessoa gravemente doente. Desta forma, ele é visto como um recurso vital e precisa ser embarcado imediatamente. Mas Antônio não pretende passar seus dias acorrentado e trabalhando para os brancos que destruíram sua terra.

Saltamos de novo no tempo, agora para 1919, onde uma missão científica chega ao Ceará para estudar um eclipse solar que acontecerá em breve. Heinrich é um jovem cientista assolado por enxaquecas que acabam lhe trazendo estranhas visões. Cansado pelo calor e pela dor, o lugar o oprime e o deixa de mau humor e, por mais animado que esteja para o evento científico do século, ele não consegue relaxar.

Saltamos novamente. Estamos em 2045, onde a astronauta Julia trabalha em uma estação de pesquisas na Lua. Porém, um cometa está a caminho da Terra e a mandam sair de sua estação, abandonando tudo o que já fora feito antes. Julia está convencida de que tem um papel a cumprir e de que pode ser a única capaz de desviar o cometa de uma catastrófica colisão.

E, por fim, o último salto no tempo, em 2135, onde uma cientista indiana, chamada Radha, está lidando com uma epidemia, a praga vermelha. A doença pode acabar varrendo os habitantes da ilha de Sealand, os últimos remanescentes da raça humana. Interligados pelo tempo e espaço, estes personagens terão papel vital na história contada pela mãe a seu filho.


Com um roteiro criativo e uma arte impressionante, Saros 136 é uma ode à ciência, à sobrevivência e a uma celebração à vida, que se transforma, que perdura e se muta para se adaptar a um novo ambiente. Sinto até que o escopo tão amplo do enredo merecia mais exposição, mais quadros e mais texto para dar conta de explicar tanto a questão científica quanto a evolução dos personagens. Não é que não tenha. A edição conta com extras que ajudam a explanar vários pontos da história, mas eu gostaria de ver isso aplicado aos personagens.

A arte de Ioannis em nada deve para os artistas gringos de quadrinhos. Os personagens, os cenários, todos aquarelados, estão coloridos, expressivos, profundos, com quadros amplos que demandam uma contemplação mais prolongada. São cenas intensas, com interação de vários personagens e os detalhes nos entregam informações importantes para o andamento da leitura. Interessante apontar que cada linha narrativa conta com sua própria paleta de cores, o que nos ajuda a situar melhor cada momento.

O que nos faz humanos é a consciência, e ela não tem fim.

Página 110

Valorizando a cultura nacional Alex mesclou elementos tradicionais e futuristas, onde trabalhou com religião africana, de mitologia hindu e pesquisas astrofísicas europeias. Com críticas contundentes ao colonialismo, à escravidão, é preciso ser um autor muito habilidoso para lidar com polos tão diferentes entre si numa narrativa e ainda conseguir contar uma história. Felizmente, Alex é este autor e consegue de maneira muito satisfatória abraçar todos esses núcleos e finalizar o quadrinho de uma maneira inspiradora e otismista.

A edição da Draco está lindíssima, em capa dura e uma jaqueta de acetato que simula o eclipse, ponto central da história. Conta ainda com um prefácio de Renato Janine Ribeiro que conta sua experiência por ser um dos primeiros a ler este quadrinho e exalta a importância da ficção científica para pensarmos nos dilemas do presente. Nos extras do final temos também um posfácio de Alexey Dodsworth sobre as inspirações para o quadrinho, além de um diário de Heinrich, além de um texto de Lucas Fonseca, CEO da startup Airvantis.

Obra e realidade
Para quem não é versada em astronomia, fica a pergunta: o que é saros? A periodicidade e a recorrência dos eclipses é governada pelo Ciclo Saros, um período de aproximadamente 6.585,3 dias (18 ano, 11 dias e 8 horas), sendo aplicado tanto para eclipses lunares quanto solares. Com ele é possível prever quando os eclipses vão acontecer.

Um ciclo saros após um eclipse, o Sol, a Terra e a Lua retornam aproximadamente à mesma geometria relativa, uma linha quase reta e um eclipse quase idêntico ocorrerá, no que é chamado de ciclo de eclipse. O registro histórico mais antigo já descoberto sobre saros foi feito por astrônomos caldeus (neo-babilônicos) nos últimos séculos antes da era comum e já era conhecido, posteriormente, por Hiparco, Plínio e Ptolomeu.

O nome "saros" (em grego: σάρος) foi aplicado ao ciclo do eclipse por Edmond Halley em 1686, que o tirou do Suda, um léxico bizantino do século XI. A Suda assim diz:

[O saros é] uma medida e um número entre os caldeus. Pois 120 saroi perfazem 2220 anos (anos de 12 meses lunares) de acordo com o cálculo dos caldeus, se de fato o saros perfaz 222 meses lunares, que são 18 anos e 6 meses (isto é, anos de 12 meses lunares).

Mas parece que Halley estava errado, pois a palavra grega aparentemente vem da palavra babilônica "sāru" que significa o número 3600 ou do verbo grego "saro " (σαρῶ) que significa varrer (o céu com a série de eclipses). Mas por que o quadrinho se chama Saros 136? Ele se repete a cada 18 anos e 11 dias, contendo 71 eventos. A geometria é aproximadamente a mesma, o que os torna muito semelhantes.

Alexey Dodsworth e Ioannis Fiore

Alexey Dodsworth é um escritor e roteirista brasileiro de histórias em quadrinhos de ficção científica e fantasia, filósofo e acadêmico dedicado a pesquisas sobre futurismo e transumanismo.

Ioannis Fiore é um ilustrador e artista visual brasileiro.

Pontos positivos
Atravessa gerações
Ficção científica
Leitura rápida e tensa
Pontos negativos

Alguns arcos carecem de maior desenvolvimento


Título: Saros 136
Roteirista: Alexey Dodsworth
Ilustrador: Ioannis Fiore
Editora: Draco
Páginas: 130
Ano de lançamento: 2021
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Saros 136 é um quadrinho para se ler e reler e sempre encontrar coisas novas. Com um enredo sólido e uma arte incrível, é um dos melhores trabalhos de Alex e, aliado ao trabalho incrível de Fiore, já tornou a obra um novo clássico da produção nacional. Um enredo atual, crítico, que atravessa o tempo e o espaço para nos falar de sobrevivência e perseverança. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!



Até mais!

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