Resenha: A pandemia no Emílio Ribas, de Adriana Matiuzo

Por décadas, os infectologistas avisaram que uma nova pandemia, como aquela vista em 1918, estava por vir. Muita coisa aconteceu desde então, mas o aviso permaneceu. Tomamos vários sustos com a SARS, a gripe aviária, a gripe suína, mas tudo tinha sido controlado de maneira rápida. Quando começaram a surgir relatos sobre um novo vírus na China, pensou-se que este seria mais um caso de rápido controle e contenção da doença. Mas não foi bem assim, como a gente sabe.

Parceria Momentum Saga e editora Contexto

O livro
No último dia do ano de 2019, a Organização Mundial da Saúde foi avisada pelas autoridades chinesas de que um vírus desconhecido tinha eclodido na cidade de Wuhan, a sétima cidade mais populosa da China, com mais de 10 milhões de habitantes. O vírus causava uma doença pulmonar grave e a atenção internacional se voltou para a China, enquanto aguardava por mais informações.

Resenha: A pandemia no Emílio Ribas, de Adriana Matiuzo

No Brasil, os 1500 profissionais do Hospital Emílio Ribas, na capital paulista, acompanhavam as notícias. Ninguém tinha ideia do que ia acontecer, ainda que soubessem que qualquer novo microrganismo que cause danos às pessoas seja uma incógnita até para os mais brilhantes especialistas. Tendo recebido um ofício da OMS logo no começo de janeiro de 2020, havia uma corrida na China para identificar qual era o novo vírus. Mas houve um certo alívio ao ver a China tomando tantas decisões drásticas para conter a doença, fechando a província e impondo uma quarentena em toda Wuhan. Para muitos, aquele era o começo do fim de um problema localizado, como tinha sido a SARS em 2003.

A história logo começou a mostrar que a gente estava totalmente enganado.

Página 14

O Emílio Ribas começou a se preparar mesmo assim, como padrão para qualquer doença infectocontagiosa. Acostumados a trabalhar em ambientes de alto risco, os funcionários começaram a ser treinados logo em 2020 e o fato de a doença ter atingido primeiro os países da Ásia e da Europa deu ao hospital o tempo necessário para criar novas diretrizes, atualizar antigas e a treinar sua equipe. Se não fosse pela desastrosa atuação do governo federal em sabotar todas as medidas de contenção da doença, o país não teria sofrido as perdas de vida que sofreu e só não foi maior pela presença de profissionais tão dedicados quanto os do Emílio Ribas.

Mas nem mesmo toda a estrutura e preparo do hospital conseguia lidar com o medo das equipes. É natural temer o desconhecido, ainda mais um vírus que somos incapazes de ver. Eles tinham medo, mas também não quiseram abandonar as dependências do hospital, nem mesmo nos piores momentos da pandemia. Muitos funcionários com comorbidades foram realocados, colocados longe do pronto-socorro ou das enfermarias. Médicos e enfermeiros relatam a tristeza de atender colegas infectados e internados na UTI da instituição, relatam seus sintomas, o convívio diário com o medo.

Os profissionais foram entrevistados por Adriana Matiuzo, jornalista que foi convidada pelo próprio hospital para apoiar e organizar o atendimento à imprensa. Acompanhando as notícias na mídia e conversando com funcionários do hospital, Adriana constrói uma história sobre o enfrentamento à Covid assim como dá voz àqueles que estavam na linha de frente da pandemia, ocultos por camadas de EPIs. Por baixo da proteção toda estavam pessoas assustadas, mas determinadas a lutar por seus pacientes, às vezes até por suas vidas.

O texto de Adriana também dá importância às medidas tomadas pelo governo estadual, como a formação de um comitê de especialistas para auxiliar o governador nas decisões vindouras. No mesmo dia em que era anunciado o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, o médico infectologista David Uip recebeu uma ligação do então governador João Dória pedindo para que ele criasse um grupo de especialistas que pudesse dar suporte científico ao governo a fim de tentar controlar a doença. E Uip disse algo muito importante ao governador: o povo jamais vai perdoar se não for atendido.

Passando por todos os estádios da pandemia, da preparação dos hospitais públicos, à engenharia do Emílio Ribas, abordando as descobertas feitas no tratamento dos pacientes, os dilemas enfrentados pelas equipes, até mesmo falando da mudança nutricional no perfil dos pacientes, o livro é bem completo. Muito centrado, sem recorrer a sensacionalismo, é um livro que atesta a seriedade da pandemia, mas também a seriedade com que os profissionais do hospital a enfrentaram. Estávamos todos assustados, acompanhando a evolução de uma doença mortal, mas estas equipes também estavam, e ainda assim eles iam trabalhar, às vezes dormindo no próprio carro para não contaminar os parentes em casa.

Houve maus médicos trabalhando na pandemia? Sem dúvida. Vimos médicos picaretas receitando remédios ineficazes, defendendo o indefensável, mas não consigo vê-los como maioria. A situação só não foi pior porque tivemos centros de referência como o Emílio Ribas, o Hospital das Clínicas, a Fiocruz, agindo em nome dos brasileiros e defendendo a bandeira do SUS.

O livro vem em capa comum e papel amarelo. No final de cada capítulo, há uma seção chamada Crônicas de uma pandemia, contando uma história individual, seja de paciente, seja de membro da equipe do hospital. É difícil não se emocionar com os relatos, pois eles dão voz a pessoas que não conhecemos, mas que sofreram com a doença de formas diferentes. No final também há uma breve biografia do sanitarista Emílio Ribas, um dos mais importantes do país.

Obra e realidade
Sempre soube que o Emílio Ribas era um hospital de referência, mas não imaginava que sua engenharia era tão avançada. Por ser especializado em infectologia, ele foi pensado e planejado com itens de biossegurança em sua infraestrutura que são raros no SUS, bem como na rede particular. Por exemplo, todos os quartos da internação têm isolamento por paredes ou divisórias. Cada quarto tem uma antessala com pia onde os profissionais se paramentavam antes de entrar e um sistema de pressão negativa que limpa o ar lá dentro. Essa infraestrutura oferece maior segurança tanto para o paciente quanto para a equipe médica.

Adriana Matiuzo

Adriana Matiuzo é jornalista formada pela Unesp-Bauru, com passagem por redações de veículos de comunicação de porte nacional como a rádio CBN e os jornais Folha de S.Paulo e Correio Braziliense. Possui experiência com assessorias de comunicação na área de ciência e saúde.

A última crônica do livro é dela e de como surgiu a ideia de escrever o livro. Contou como foi difícil acompanhar os relatos, sem conseguir conter as lágrimas, conforme via famílias recebendo notícias terríveis, via a equipe médica cansada, esgotada, com saudades da família. Este livro talvez seja um daqueles clássicos dentro da literatura que auxiliarão pesquisadores no futuro a entender como foi a pandemia de Covid-19.

PONTOS POSITIVOS
Emílio Ribas
Bem escrito
Didático
PONTOS NEGATIVOS

Nenhum


Título: A pandemia no Emílio Ribas: sobre bastidores e vidas, um relato histórico singular da linha de frente de um dos mais importantes hospitais de referência para a covid-19 da América Latina
Autora: Adriana Matiuzo
Fotos: Marcos Alonso
Editora: Contexto
Páginas: 320
Ano de lançamento: 2022
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi muito difícil passar por algumas passagens, foi difícil lembrar do medo, das restrições da pandemia, lembrar daqueles que a gente perdeu. Não vou dizer que seja uma leitura fácil, pois nada que se relacione à Covid foi. Mas é uma leitura essencial para compreender como ela foi encarada por um dos maiores hospitais do país, um bastião do SUS e patrimônio brasileiro. Diante de tantas perdas de vidas, tivemos o trabalho silencioso de profissionais que nem iam para casa. É um livro essencial, daquelas obras pra gente refletir e guardar e agradecer por existir.

Viva o SUS! ⚕️

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