Resenha: How High We Go in the Dark, de Sequoia Nagamatsu

Um dos livros mais densos que li esse ano, ele me deixou com um sabor amargo depois de concluída a leitura. Gostei de muitos aspectos dele, mas ao mesmo tempo senti que faltou algo. Ainda assim acho que ele aborda temas muito importantes, bastante relevantes para nosso mundo pós-pandemia. Por isso mesmo, se você é bastante sensível com tudo o que aconteceu durante a pandemia, o isolamento, tome cuidado ao ler, pois ele aborda luto, morte e perda de parentes.


O livro
Se há uma palavra que define esse livro é morte. É um livro sobre a morte e sobre como lidamos (ou não) com ela. Tudo começa com um pai indo até o local de pesquisas no Círculo Ártico onde sua filha sofrera um acidente e morreu. Sua filha era uma idealista que queria salvar o mundo das mudanças climáticas, que queria deixar um lugar melhor para a filha viver e para isso se embrenhava nas vastidões do planeta, trabalhando sem parar. Uma de suas últimas descobertas fora uma múmia de uma garotinha perfeitamente preservada no permafrost. A menininha tinha morrido de um vírus bastante antigo e assim medidas de quarentena foram impostas nas instalações de pesquisa.

Resenha: How High We Go in the Dark, de Sequoia Nagamatsu

Mas as medidas de contingência não foram suficientes e logo o vírus escapa do Ártico e começa a se espalhar pela Ásia, chegando rapidamente aos outros continentes. É necessário apontar que o autor escreveu o livro antes da Covid-19, mas suas observações são extremamente atuais porque ele soube analisar uma situação que era hipotética na época para extrapolar ao máximo em seu enredo. Por isso que eu disse acima que o livro pode incomodar aqueles que perderam parentes, que sofreram na pandemia. Os sentimentos dos personagens são muito atuais, muito reais, porque é o que se esperaria das pessoas em uma situação limite.

É difícil compreender o quão longe você chegou, e me pergunto se, além de nosso minúsculo planeta azul, ainda temos tanto em comum.

(tradução livre)

A partir daí acompanhamos a chegada do vírus e como as pessoas e, principalmente, o mercado começa a se adaptar à morte. Sim, um mercado surge para lidar com as milhares de mortes, principalmente de crianças e surgem coisas bizarras como parques de diversão para eutanásia pacífica e "alegre" de crianças que não têm mais salvação. Elas se divertem durante um dia inteiro e embarcam em uma montanha-russa onde morrerão sem qualquer dor, se divertindo. É, esquisito pra caramba, mas é preciso entender a intenção real do autor ao falar disso. Ninguém queria ver seus filhos sofrendo e o mercado achou uma brecha para se infiltrar.

A ciência corre contra o tempo para encontrar maneiras de lidar com esse vírus tão estranho que cria neurônios nos pulmões, células cardíacas no cérebro. Cientistas começam a usar porcos geneticamente modificados para gerar órgãos para transplantes, o que acaba ganhando algum tempo extra para os pacientes, mas a morte será inevitável. Cada capítulo trata de um personagem diferente, em momentos diferentes do tempo, sendo que alguns deles estão interligados ou voltam a ser mencionados capítulos mais a frente.

Em geral, não curto este tipo de estrutura em um livro, sou sincera de admitir. Tive experiências ruins de leitura com essa estrutura. Se os personagens não forem bem construídos, acabo me importando muito pouco com eles e a leitura fica uma chatice. Mas Nagamatsu criou um elenco interessante, em situações limítrofes, alguns sendo até bem babacas, o que me segurou até o final. O fim não chega a encerrar tudo, tenho que dizer. Você fica com a sensação de que passou por tudo isso para nada, entretanto acho que a intenção do autor foi de nos levar a analisar a maneira como lidamos (ou não) com a morte e não necessariamente fechar aqueles eventos para tanta gente.

Um ponto alto da narrativa é que todos os personagens são asiáticos, mesmo aqueles morando nos Estados Unidos. Há alguns momentos em que o preconceito é debatido, com alfinetadas cirúrgicas sobre como o mundo passou a ver o vírus quando inicialmente ele atingiu a Ásia. Nagamatsu também discute o choque entre gerações, como pais e filhos adolescentes que não se dão ou então a expectativa dos pais que acaba não se concretizando quando os filhos resolvem caminhar com as próprias pernas. Acredito que essas dinâmicas são a alma do livro, as diversas formas como as pessoas lidam com perdas, com dor, com luto, com morte.

Existe um componente forte de ficção científica no enredo quando naves são enviadas para ocupar o espaço longe do vírus, longe da pandemia. Mas sinto que isso poderia até mesmo ter ficado de fora, pois é um daqueles capítulos que não chegam a ter uma conclusão satisfatória. Achei que faltou mais contexto, pois essa parte tão interessante foi pouco explorada. A parte sobre a reação dos tripulantes e como lidaram com a jornada aparece bem caracterizada, mas depois termina abruptamente e eu gostaria de ter tido mais respostas.

Esperança, amor, engenhosidade. Possibilidade é mais do que corre em nossas veias, pequenino.

(tradução livre)

Ainda que seja um livro sobre a morte, ele não apresenta uma representação simplista ou redutora. Na verdade, é até mesmo uma versão cínica dela, mostrando o crescente mercado de hotéis onde os clientes podem passar os momentos finais com seus entes queridos para ter um encerramento, é a existência de perfis nas redes sociais com avatares que combinam suicídios, parques de diversão capazes de dar alegria a uma criança antes de matá-la. É a mercantilização da morte que Caitlin Doughty sempre criticou em seus livros.

Li o ebook, não o livro físico, mas a edição está bem diagramada e não há problemas de revisão. O título faz referência a um dos capítulos, onde várias pessoas estão em um espaço escuro, sem noção de tempo e espaço, onde revivem algumas memórias.


Obra e realidade
Estamos vivendo em um mundo pós-pandêmico. Talvez pós não seja a melhor palavra, já que a Organização Mundial da Saúde ainda não decretou seu fim e temos acompanhado a escalada do vírus na China, por exemplo. Muitas pessoas ainda estão tentando lidar com a perda de entes queridos, tentando lidar com o luto e ainda ter que trabalhar e sobreviver dia a dia com a escalada da pobreza, da fome, da ignorância, das mentiras.

Acho que a mensagem mais óbvia que Nagamatsu tentou passar em seu livro é que mesmo diante da morte e tantas situações difíceis ainda há esperança e que mesmo a mais mortal das doenças eventualmente terá seu fim, seu controle, sua vacina. Quando vivemos no meio da tormenta temos a impressão de que ela vai durar para sempre. Mas uma hora o vento cessa, a chuva para, as águas se acalmam e o sol vai aparecer no céu.

Sequoia Nagamatsu


Sequoia Nagamatsu é um escritor e professor norte-americano.

Pontos positivos
Atravessa gerações
Personagens bem construídos
Leitura rápida e tensa
Pontos negativos

Fala sobre a morte numa pandemia
Final em aberto


Título: How High We Go in the Dark
Autor: Sequoia Nagamatsu
Editora: HarperCollins
Páginas: 304
Ano de lançamento: 2022
Onde comprar: na Amazon!


Avaliação do MS?
Não vou dizer que o livro é de fácil digestão. Teve momentos em que eu achei que não ia conseguir prosseguir com a leitura. Há momentos em que você vai querer largar a leitura porque vai achar tudo aquilo um absurdo, mas então pega pra ler novamente porque não consegue ficar sem saber o que acontece. Relutei muito em atribuir uma nota para ele, pensando que estaria sendo injusta. De qualquer forma, não é um livro para todos os gostos e leitores. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!



Até mais!


Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Oi Sybylla, achei tão interessante essa sinopse. E mais curioso ainda ele ter escrito antes da pandemia, imagino que dê para fazer muitos paralelos entre o vírus do livro e a Covid19. Quero ler!

    Não Me Mande Flores

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    Respostas
    1. Dá até a impressão de que foi escrito durante a pandemia, pois é possível traçar vários paralelos. Mas não é o tipo de livro que muitos curtiriam, não só pelo tema, mas pela estrutura. Só sei que fiquei digerindo a leitura por vários dias. Se eu fosse você apostava nele!

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