Minha intenção não é a de contar histórias, mas vidas

Este título não me pertence. Ele, na verdade, é de autoria de Plutarco, historiador, biógrafo, ensaísta e filósofo grego. Não sei bem como me deparei com ele; provavelmente em alguma epígrafe de algum livro que acabei anotando porque gostei da frase. Ela nos diz muita coisa, muito além do significado original usado por Plutarco.

Minha intenção não é a de contar histórias, mas vidas

Tendo-me proposto escrever neste livro as vidas do rei Alexandre, o Grande, e de Júlio César, que derrotou Pompeu, pelo número infinito de coisas que se apresentam diante de mim, não usarei de outro prólogo senão o de pedir aos leitores que não me repreendam por não expor tudo amplamente e por miúdo, mas sumariamente, abreviando muitas coisas, mesmo nos seus principais atos e feitos mais memoráveis; pois é preciso que se lembrem de que não me pus a escrever histórias, mas vidas somente; e as mais altas e gloriosas proezas nem sempre são aquelas que mostram melhor o vício e a virtude do homem; ao contrário, muitas vezes uma ligeira coisa, uma palavra ou uma brincadeira põem com mais clareza em evidência o natural das pessoas do que derrotas onde tenham morrido dez mil homens, ou grandes batalhas, ou tomadas de cidades por sítio ou assalto.

Vidas Paralelas: Alexandre o Grande, de Plutarco

Nunca existiu uma cultura na história da humanidade que não tivesse música, artes visuais e narrativas. Aquelas pessoas que lutavam dia a dia para sobreviver ao ambiente hostil e aos perigos da natureza se reuniam ao redor de fogueiras e contavam histórias. Como diz Janet Murray, a narrativa é um de nossos mecanismos cognitivos primários para a compreensão do mundo. É um dos modos fundamentais pelos quais construímos comunidades, desde aqueles povos ao redor de fogueiras até as comunidades globais em volta do streaming.

Contamos e recontamos histórias sobre traição, amor, ódio, perda, triunfo, heroísmo. Nós nos compreendemos mutuamente através dessas histórias e, muitas vezes, vivemos ou morremos pela força que elas possuem. Desde que o mundo é mundo os seres humanos começaram a contar histórias e ainda as contam ao longo de milênios, porque as histórias importam. Shakespeare era um profundo observador da natureza humana e sabia que trabalhava com temas que já tinham sido usados outras vezes.

Algumas histórias são primitivas. Alguns chamam a atenção dos leitores há séculos ou mesmo milênios – podem ser épicos nacionais, textos sagrados ou mitos que explicam alguma qualidade do mundo. Dependendo do leitor, eles podem ser todas essas coisas. Mas, assim como certas histórias mantêm a capacidade de manter o público extasiado, elas também inspiram um determinado grupo de escritores a recontá-las.

As histórias nos permitem ver como os outros pensam e sentem por meio dos personagem. Em outras palavras, eles podem nos permitir ter empatia com as pessoas ao nosso redor ao usar pessoas fictícias. Estudos sugerem que quanto mais convincente a história, quanto mais bem escrita ela for, mais empáticas as pessoas se tornam na vida real. As histórias também nos permitem compartilhar informações de maneira memorável, o que pode ter ajudado nossos ancestrais a cooperar e sobreviver. Ao contar uma história em vez de apenas recitar fatos secos, lembramos os detalhes com mais clareza.

Quando Plutarco diz que ele não quer contar histórias, mas sim vidas, isso ressoa fortemente na ficção. Podemos pegar o centésimo livro de romance lançado no ano, mas é a história daquele novo grupo de personagem que nos prende, não exatamente o romance; é a vida fictícia deles que nos cativa. Tanto é que a leitura pode ser satisfatória ou não. Se o livro não for bem escrito, se os personagens não forem cativantes, o livro pode acabar esquecido na prateleira. O que nos segura não é por ser uma história de amor, mas por seus personagens estarem envolvidos num bom romance.

E isso vale para qualquer enredo ficcional. Se eu tiro um livro de ficção científica da prateleira, mas seus personagens não forem bons e bem escritos, não forem críveis e me convencerem a continuar a jornada com eles, meu gênero favorito não vai ser suficiente para me segurar até o final da leitura. Já me decepcionei muito com livros de FC que geraram um hype no público e quando li ele acabou não me agradando.

Pense a respeito. Quantos personagens memoráveis temos na literatura sem que as pessoas conheçam seus enredos a fundo? Dom Quixote, Pinóquio, Drácula, Frankenstein, Cthulhu, Darth Vader? Todo mundo ouviu falar dos deuses gregos, mas quantos conhecem suas histórias? Certas figuras histórias ainda nos fascinam e ainda servem de arquétipo para todo tipo de novas histórias. George R.R. Martin está recontando a Guerra das Rosas usando um elenco brilhante de personagens que nos prende até mesmo em um livro que nem sequer foi publicado. As pessoas discutem se Capitu traiu Bentinho sem nem saber qual é o nome do livro original.

Acompanhamos as histórias para saber da vida dos personagens, para acompanhar suas jornadas, para sofrer com eles ou vê-los sofrer, parar amar e rir. É isso o que nos motiva, que nos impele para frente num enredo. Contamos as mesmas histórias com personagens diferentes porque as histórias importam e sempre importarão.

Até mais!

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