Resenha: Salmo para um robô peregrino, de Becky Chambers

Quem conhece o blog já sabe o quanto eu sou fã do trabalho de Becky Chambers. Uma das minhas escritoras favoritas, Becky tem um jeito único de escrever, tocante, sensível, otimista, fazendo de sua ficção científica não apenas atual como extremamente humana. Aqui temos uma novela cativante sobre personagens em busca de um sentido para a vida.

Parceria Momentum Saga e Editora Morro Branco


O livro
Panga é uma lua habitável com um clima e natureza muito semelhantes ao da Terra. Nesta lua a inteligência artificial e os robôs são um mito distante, algo que aconteceu num passado turbulento comandado por fábricas e pelo uso de robôs nas linhas de montagem. Porém, um dia, esses robôs adquiriram consciência. Ninguém sabe bem como, afinal ninguém estudou o caso a fundo, mas eles largaram seus postos e foram para a vastidão selvagem da natureza. Se inicialmente os robôs foram criados para auxiliarem os seres humanos, eles se tornaram substitutos para uma série de funções. Quando eles decidiram ir embora, essa sociedade precisou se reorganizar e encontrar uma nova forma de viver.

Resenha: Salmo para um robô peregrino, de Becky Chambers


Era uma divisão louca, se você parasse e refletisse sobre isso. Metade da terra para uma única espécie, metade para as centenas de milhares de outras. Mas os humanos tinham o dom de desequilibrar as coisas. Encontrar um limite ao qual eles obedecessem já era vitória suficiente.

Página 29

Gerações depois deste evento conhecemos Dex, monge de chá de uma ordem religiosa local. A função de um monge de chá é bem semelhante a de um terapeuta. Uma pessoa com problemas chega em sua carroça, conta seus problemas, enquanto um monge prepara uma bebida quentinha que possa confortar esse coração tão sofrido. Dex, pessoa sem gênero, decide mudar radicalmente de área um dia. As razões não estão bem claras, mas elu decide mudar assim mesmo. Comenta sobre sua decisão com irmã Mara, sua superior e decide se tornar monge de chá.

O livro abre com uma nota do tradutor, Fábio Fernandes, falando dos desafios da tradução da novela. Dex é uma pessoa sem gênero. Em inglês não tem tanto problema, já que é um idioma que praticamente não denota gênero e é possível usar they\them no lugar de she\he. No português a coisa muda de figura e foi preciso ajustar a tradução para caber nas características de tal personagem. Pode até rolar um estranhamento no começo com a mudança para elu ou usando o e no lugar de o\a em outras palavras, mas isso passa rápido. Aliás, a tradução está ótima e a leitura flui super bem.

Dex encontra alguma felicidade neste novo ofício, ainda que o começo tenha tido seus percalços. Mas logo o desânimo bate. De novo aquela sensação angustiante de não ter um propósito, aquela inquietação que impede de dormir. Deixando seus compromissos de lado na próxima cidade, Dex decide pegar uma estrada abandonada e seguir rumo a um eremitério abandonado, além das terras selvagens para onde os robôs foram. E é nessa estrada que ele conhece Chapéu de Musgo, um robô que resolveu partiu para o lado humano de Panga para saber o que as pessoas precisam.

Este encontro totalmente improvável é um dos melhores que a ficção científica já produziu. Dex e Chapéu de Musgo percorrerão estradas mal tratadas e quase destruídas pela ação do tempo compartilhando histórias de vida, informações sobre suas respectivas espécies, cada lado aproveitando a troca e a companhia. Como só Becky consegue criar, temos uma história de amizade e companheirismo entremeada com filosofia e buscas pelo real sentido de nossa existência. Por que estamos aqui? Por que fazemos o que fazemos? Tem algum propósito para isso tudo?

Admito que ler algo tão curto e tão bem criado foi frustrante porque eu queria mais! Mais informações sobre Panga, sobre os deuses desta lua, sobre como os humanos se reorganizaram após a Transição de mão de obra, como as coisas chegaram ao estado que encontramos quando começamos a leitura. Mas isso sou eu, gosto pessoal por mais informações e por gostar muito do trabalho da Becky. Quem quiser uma história curtinha e deliciosa vai encontrar, quem quiser uma história de Becky também vai.

A edição da Morro Branco é em capa dura e papel pólen. Encontrei bem poucos problemas de revisão que não chegam a atrapalhar a leitura. Mas admito que o final em aberto pode incomodar aqueles que procuram por um fechamento. É preciso lembrar que esta é uma duologia, portanto um segundo volume já foi publicado na gringa e em breve a Morro Branco deve lançar por aqui também.


Obra e realidade
Salmo para um robô peregrino é uma obra solarpunk. Os dois volumes da série foram uma encomenda da Tor Books que pediram especificamente por uma história dentro deste subgênero. Em um mundo distópico como o nosso, principalmente para as minorias, ler algo tão emotivo e benevolente, que não apresenta vilões sedentos por sangue ou distopias opressoras é revigorante. É um lembrete de que novos mundos são sempre possíveis e que nem sempre é necessário pensar o pior. O melhor também precisa de imaginação.

Dex e Chapéu de Musgo são grandes personagens, que se completam, mas também são indivíduos distintos, que nos representam mais do que parece em um primeiro momento. Afinal quem nunca se sentiu perdida, sem saber qual rumo seguir, sem saber exatamente qual seu propósito? Dex pode estar em Panga, mas está incrivelmente perto de todas nós.

Becky Chambers

Becky Chambers é uma premiada escritora norte-americana de ficção científica.


Pontos positivos
Ficção científica
Bem escrito
Dex e Chapéu de Musgo
Pontos negativos

Final em aberto


Título: Salmo para um robô peregrino
Título original em inglês: A Psalm for the Wild-Built
Série Monge e o robô
1. Salmo para um robô peregrino
2. A Prayer for the Crown-Shy (2022)
Autora: Becky Chambers
Tradutor: Fábio Fernandes
Editora: Morro Branco
Páginas: 176
Ano de lançamento: 2022
Onde comprar: na Amazon!


Avaliação do MS?
Sou muito suspeita para falar de qualquer coisa que Becky escreve. Amo toda a saga da Andarilha, publicada pela DarkSide Books. Lembro de ler o livro em inglês e passar anos implorando para uma editora publicar (obrigada, caveirinha!). Salmo para um robô peregrino é uma história cativante, singela, sincera e muito bonita sobre os velhos dilemas humanos. Cinco aliens para o livro e uma forte indicação para você ler também!


MARAVILHOSO!


Até mais!


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