TRON (1982) é um daqueles casos curiosos do cinema em que um longa fez pouco sucesso, mas acabou marcando a indústria para sempre. Hoje um grupo de pessoas vivendo dentro de um mundo virtual não é mais novidade alguma. Inclusive já temos o metaverso que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. Mas na década de 1980 o público não compreendeu a premissa e TRON, dirigido por Steven Lisberger, foi um fracasso comercial.
A premissa de TRON – pessoas vivendo dentro de um computador – descreve muitos filmes de ficção científica e séries de TV das duas últimas décadas. Matrix e Ready Player One são exemplos óbvios, enquanto Wreck-It Ralph e vários episódios de Black Mirror também têm uma grande dívida com TRON. Hoje em dia, a ideia de alguém entrando em um mundo virtual parece quase um clichê de ficção científica. Mas, em 1982, para um filme mainstream produzido pela Disney, a premissa de TRON foi inovadora.
Ainda mais inovador do que a ideia foi a abordagem única dos efeitos visuais. Enquanto O último guerreiro das estrelas ultrapassaria os limites dos efeitos especiais gerados por computador dois anos depois, o método de TRON de integrar atores humanos com um mundo virtual praticamente vazio era ao mesmo tempo impressionante e melancólico. Jeff Bridges, Cindy Morgan, Bruce Boxleitner e David Warner foram filmados com técnicas de luz de fundo da velha escola do cinema, enquanto os veículos e arredores eram todos digitais. Era um mundo praticamente novo.
Por sua vez, os computadores dos anos 1980 não conseguiam lidar com as velocidades de processamento que as máquinas de hoje podem fazer. Assim, o guru de efeitos visuais, Richard Taylor, sugeriu que várias partes deste mundo virtual fossem todas pretas, o que acabou dando a TRON uma estranha qualidade minimalista, ao mesmo tempo em que se parecia com nenhum outro longa antes feito, e até mesmo depois. O filme impulsionou a carreira de vários jovens animadores que se tornariam diretores de sucesso de longas-metragens de animação e live-action, incluindo Roger Allers (O Rei Leão), Chris Wedge (A Era do Gelo), Brad Bird (Os Incríveis) e Tim Burton.
Entretanto, quando o filme estreou nos cinemas em julho de 1982, as análises da crítica foram bem mistas, bem como as opiniões do público. Aliás, boa parte da crítica o considerou vazio, com excesso de efeitos especiais. Por mais estranho que pareça, foi o filme live-action da Disney mais bem-sucedido desde Meu Amigo o Dragão (1977), porém ele não se parecia em nada com um filme da Disney. Para o estúdio (que na época não era o grande monstro do entretenimento de hoje) foi um prejuízo, pois foi caro demais para fazer para ganhar pouco mais que o dobro do custo inicial. Também teve a infelicidade de tentar competir com outros dois grandes sucessos de ficção científica no verão de 1982: Star Trek II: A Ira de Khan e E.T. O Extraterrestre.
Subestimado e exagerado simultaneamente, o personagem título é um avatar virtual do personagem de Bruce Boxleitner, Alan Bradley, programador na ENCOM e amigo de Flynn, interpretado por Jeff Bridges, a estrela do filme, um tipo de anti-herói. Na verdade, com exceção de Jeff Bridges, todos os outros atores tendem a ter duas versões de si mesmos no filme; um 'eu' digital na Grade, e uma versão de carne e osso no mundo real.
Em 1982, não havia internet no sentido mainstream e a ideia de que uma pessoa poderia ter uma segunda identidade em um reino digital não era apenas ficção científica, beirava a fantasia total. Talvez seja esse o estranhamento que deixou tanto o público quanto a crítica confusos. Mas hoje quantos de nós têm seu próprio avatar na internet? Quantos de nós lidam com suas versões digitais em logins e sistemas diferentes? Quantos construíram uma autoimagem na rede totalmente dissonante de sua versão real? Eu mesma sou alguém diferente fora da internet. Meu nome nem é Sybylla. (surpresa!)
O mundo é estranhamente mais otimista dentro de TRON do que na maioria da ficção científica baseada em paranóia tecnológica que veio depois. No mundo de TRON existem programas bons e programas ruins (lembrando, inclusive, o enredo de Matrix Resurrections). Tudo o que fazemos no mundo virtual é apenas um reflexo do mundo real. É possível viver uma vida dentro e fora da Grade. Os computadores estavam se tornando eletrodomésticos, adentrando as casas como assistentes do mundo moderno. Ninguém ainda imaginava como seria viver dentro da máquina.
Por que o público estava relutante em abraçar TRON? O diretor, Steven Lisberger, disse em 2015 que, enquanto as crianças da geração dos videogames gostaram do longa, os adultos o achavam desorientador. "Foi como se tivéssemos colocado LSD no ponche no baile da escola e foi muito mais do que eles pudessem aguentar". Ele também reconheceu que o filme não era o tipo de entretenimento familiar reconfortante que os espectadores esperavam da Disney. "As pessoas não queriam ficar deslumbradas com um filme da Disney, elas querem ser tranquilizadas por ele", disse ele.
Tudo isso contribui para um filme interessante e meditativo que estava à frente de seu tempo não apenas tecnológica, mas também filosoficamente. Na edição de agosto de 1982 da revista Rolling Stone, o jornalista Jerry Stahl fez uma pergunta a Jeff Bridges: “Por que [você] colocaria em risco sua reputação como um ator sério para estrelar TRON?” Jeff Bridges respondeu: “Levei o filme a sério porque vi que estava abrindo novos caminhos”. Quarenta anos se passaram e Bridges continua certo.
Você pode assistir a TRON e TRON Legacy no Disney+!
Até mais!
Eu era muito criança quando Tron saiu nos cinemas, podendo assistir só mais tarde quando a Globo o exibiu e foi um divisor de aguas. Eu adorei o filme exatamente por misturar esses dois mundos, a ficção e a tecnologia. Hoje sou desenvolvedor de software e muito da influência que tive, veio deste filme. Curiosamente o segundo, de muitos anos depois nao me marcou tanto quanto o de 1982...
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