A sinopse desse livro me atraiu logo de cara porque me lembrou muito de um outro livro que li há muito tempo, O Círculo, que até virou filme uns anos atrás. A premissa até lembra um pouco, mas Rob Hart tece uma trama realista sobre o sistema capitalista e discute se há alguma coisa que podemos fazer para combatê-lo.
O livro
A Nuvem tem três personagens principais: Gibson, Paxton e Zinnia. Gibson é o gênio milionário que criou a Nuvem, uma mega empresa de varejo que revolucionou o sistema entregando os produtos por meio de drones. Não só isso, a empresa se tornou tão poderosa que conseguiu derrubar ou aprovar leis (que sempre a beneficiam) e acabou emergindo dos destroços da América do Norte como a melhor (e única empresa para se trabalhar). Nós já começamos nossa jornada vendo o que sobrou de cidades abandonadas, falidas, com seus negócios fechados, a falta constante de água, segurança, abrigo.Ônibus com candidatos a trabalhar na nuvem atravessam essas paisagens desérticas e abandonadas. E é bem fácil entender porque a Nuvem seduz: ela oferece moradia, lazer, atendimento médico, alimentação, tudo em um só lugar. É isso aí, se a pessoa é admitida na empresa, ela vai morar lá mesmo no emprego. O salário é convertido em crédito da própria Nuvem em uma conversão bem cretina onde 1 dólar vale quase 1 crédito. O alojamento é minúsculo, sem banheiro - tem um coletivo no final do corredor, feminino, masculino e neutro. Quem narra todas essas benesses da Nuvem é o próprio Gibson, que escreve em seu blog antes que o câncer o vença. E ele encarna aquele bilionário neoliberal que acha que os sindicatos são ruins, que avalia o desempenho dos funcionários com cinco estrelas, que defende outros bilionários...
A questão é... um emprego é algo que você deve conquistar. Não uma coisa que lhe deve ser dada de bandeja. É a doutrina americana: lutar pela grandeza. E não: chorar por algo que outra pessoa tem.
Os outros dois personagens são empregados recém-contratados da Nuvem. Paxton é, numa definição bem precisa, um pobre coitado. Ele perdeu tudo o que tinha por causa da Nuvem, inclusive sua empresa, mas se vê forçado a buscar emprego na empresa para poder sobreviver. Mas também é fácil simpatizar com ele, afinal quantos por aí não estão se submetendo a subempregos que odeiam por que precisam sobreviver, por que tem boletos vencendo? Ainda mais nos dias atuais, convenhamos... E acompanhar seus pensamentos, suas decepções, seu dia a dia reforçam essa sensação de inevitabilidade, de que não tinha outro jeito. Se a Nuvem é a maior empresa do mundo quem pode contra ela?
E aí entra Zinnia, uma espiã industrial contratada para descobrir os segredos da Nuvem para derrubá-la. Sua mente é muito lógica, ela não faz as coisas sem ter um motivo. Quando ela conhece e se envolve com Paxton há um motivo. Qualquer coisa capaz de aproximá-la de seu objetivo será feita, dita ou pensada. Há momentos em que é possível achar que ela é fria demais, dissimulada demais, mas nem ela é imune ao que a Nuvem faz e em como as pessoas gerenciam as crises lá dentro, como no caso de abuso sexual. Aliás, partes que incomodam, mas nada gráfico. E isso só reforça seu desejo de derrubá-la.
As inspirações de Rob Hart para o livro são bem óbvias e acho que isso é um ponto forte do enredo. As pessoas acham que bilionários são criaturas iluminadas, mas na verdade são só pessoas com muito dinheiro, pessoas com todos os defeitos que qualquer mortal, pobre ou rico terá. Assim, o autor usou a Amazon e Steve Jobs como óbvias fontes e extrapolou o papel da empresa de Bezos para um Megazord empresarial que está se tornando mais que um simples negócio de vendas de produtos. Com lobby no Congresso, ela é capaz derrubar direitos trabalhistas e Gibson vai explicar para quem está lendo que isso é muito bom sim, que ele está fazendo algo muito bom pras pessoas.
Essas partes em que Gibson dá sua versão da história, de como começou a Nuvem, de como já era um empreendedor ainda criança, são de enfurecer. Ele explica com muita calma e lógica os motivos que tornam os sindicatos ruins, como o governo mantém gente ineficiente empregada por meio de concursos, como as parábolas que falam mal de homens ricos são péssimas, afinal qual foi o crime que uma pessoa rica cometeu, coitada?? Percebe o discurso? Percebe o que o autor quis mostrar? São várias falas de Gibson, o bilionário bonzinho, mostrando como as leis são ruins, como as pessoas são enganadas pelos sindicalistas que querem o fim do livre mercado. Esse tipo de bilionário ganha fãs no mundo todo e enquanto isso seus funcionários têm apenas 15 minutos de almoço.
Aprovação era uma coisa engraçada. Era como uma pequena pílula que se coloca na boca para fazer você se sentir melhor.
Acredito que o final possa irritar algumas pessoas que esperariam algo mais apoteótico, algo que resolvesse tudo, mas acredito que o autor foi muito realista em suas resoluções, o que nem sempre quer dizer algo bom. Ele se vale da distopia para contar sua história, mas ela não está tão distante assim, afinal bilionários pensam do mesmo jeito que Gibson pensa e provavelmente têm o poder de construir uma Nuvem, de mudar as leis, de tornar a vida do trabalhador miserável, o que já tornam. Paxton, por sua vez, será aquele personagem com quem muitos vão simpatizar e até se verão em seu lugar, pois com a rotina se acomodando ele começa a ver que no fim a Nuvem não é tão ruim. Afinal ela dá emprego pras pessoas, certo?
Li o ebook e não o livro físico, que está bem diagramado, mas encontrei alguns problemas de revisão. A tradução foi de Adriana Fidalgo e está muito boa.
Obra e realidade
O autor dedicou o livro a uma mulher chamada Maria Fernandes. Maria trabalhava meio período em três lojas da rede Dunkin Donuts de Nova Jersey. Começava às 6 da manhã e ia ao longo do dia e da madrugada, dormindo dentro do carro quando podia. Duas horas ali, uma hora e meia aqui, e então levantava, desamassava a roupa e entrava no trabalho. Nunca reclamava das horas em pé servindo rosquinhas e café, nunca reclamava de não ter ido à faculdade, suando para juntar 550 dólares para pagar pelo aluguel de um apartamento num porão onde raramente dormia.Em 2014, Maria parou o carro no estacionamento de uma loja para dormir um pouco antes de seu próximo turno. Um amigo que já a conhecia viu seu carro e entrou para trabalhar, mas quando saiu notou que Maria ainda estava lá e resolveu olhar pelo vidro. Ele a encontrou espumando pela boca, inconsciente e chamou uma ambulância. Maria morreu devido a uma ingestão acidental de monóxido de carbono, aos 32 anos. Naquele mesmo ano, o presidente da empresa, Nigel Travis, faturou em bônus mais de 10 milhões de dólares.
Maria ainda usava seu uniforme da Dunkin Donuts quando os legistas tiraram seu corpo de dentro do carro.
Rob Hart é um ex-jornalista e escritor norte-americano, autor de vários livros.
PONTOS POSITIVOS
Zinnia
Tema atual
Leitura rápida e tensa
PONTOS NEGATIVOS
Algumas questões não resolvidas
Final em aberto
Zinnia
Tema atual
Leitura rápida e tensa
PONTOS NEGATIVOS
Algumas questões não resolvidas
Final em aberto
Avaliação do MS?
Pensei que não fosse gostar tanto do livro como gostei. Chegou uma hora que eu precisava urgentemente terminar para saber como seria o fim daquelas pessoas. E admito que, ainda que as resoluções não tenham vindo como muita gente espera, o livro foi bastante satisfatório. De alguma maneira, no meio de toda aquela manipulação e exploração, o autor conseguiu deixar uma centelha de esperança. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! ☁️
Muito boa a resenha
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