Você tem que dar uma nova chance a Star Trek: The Motion Picture

Galera que me conhece já sabe: sou uma grande fã do primeiro filme de Star Trek. Muita gente considera A Ira de Khan como sendo o primeiro longa da famosa série de televisão, ignorando a existência desse aqui. Para mim, The Motion Picture é uma ficção científica por excelência, um dos melhores filmes de Star Trek e um que respeita o legado da série original.

Você tem que dar uma nova chance a Star Trek: The Motion Picture

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Desde o cancelamento da série clássica que Gene Roddenberry queria fazer um filme de Star Trek. Foi apenas seis anos depois que a Paramount decidiu começar a desenvolver a ideia. Com muitas idas e vindas e problemas que iam de roteiro reescrito no meio das gravações e diferenças criativas de Roddenberry com os produtores, o longa finalmente saiu em dezembro de 1979.

O sucesso nas bilheterias foi modesto, mas o filme recebeu críticas ácidas não apenas de críticos como também dos fãs de longa data de Star Trek devido ao ritmo lento, que muitos associaram imediatamente a 2001: Uma odisseia no espaço. Por conta dessas críticas, Roddenberry foi afastado (à força) da produção de A Ira de Khan, que adotou um tom de ação que agradou muito mais aos fãs e aos críticos ao trazer de volta o icônico vilão da série clássica. A Ira de Khan também estabeleceu um padrão para os filmes seguintes, deixando o primeiro filme com um ar de anomalia entre tantos longas de ação que estrearam nos cinemas. E se compararmos com os filmes de JJ Abrams, a diferença é ainda mais gritante.

Mas não é porque o filme é mais devagar que não apresenta uma boa história. Para quem curte uma ficção científica por excelência, um filme com um desafio científico a ser desvendado ao invés de um vilão sedento de vingança, então tem muita coisa aqui para se admirar. O enredo é enganosamente simples: um objeto de proporções colossais se aproxima da Terra, destruindo tudo em seu caminho. A nova Enterprise é despachada para investigar e, se possível, se comunicar com essa entidade de maneira a impedi-la de causar mais destruição.

Lembrando um episódio de qualquer uma das séries de Star Trek, o enredo minimalista é compensado pelas dinâmicas de seus personagens e pelas cenas grandiosas do espaço. Essa grandiosidade pode ser vista em outras cenas do longo do filme, como a chegada de Scooty e Kirk à nova Enterprise, que nos dão uma ideia da vastidão do espaço que a ponte da nave não consegue mostrar. Comparando com filmes mais recentes, onde é possível percorrer a galáxia em minutos, The Motion Picture passa essa sensação de grandeza, de que o espaço é vasto, capaz de nos apresentar coisas que escapam à nossa compreensão.

A escolha de dar uma desacelerada para que a gente possa de fato ver o filme e o crescimento de seus personagens contribui muito para sua sensação de estranhamento. Mas vamos pensar do ponto de vista da tripulação. Eles não se viam já fazia alguns anos. Kirk era agora almirante, tendo que lidar com trabalho burocrático. Spock retornou para Vulcano, Dr. McCoy nem mesmo está de serviço. Dez anos se passaram desde o cancelamento da série original. Ao invés de retornar à ponte como se tempo algum tivesse passado, optou-se por mostrar que, sim, anos se passaram desde a última temporada, que essa tripulação está tendo dificuldades de encontrar seu espaço na nova nave, mas que precisam encontrar um ritmo de trabalho se quiserem salvar a Terra.

Kirk é um dos personagens que mais tem dificuldades em aceitar que esse tempo passou. Ele remove o capitão Decker (Stephen Collins) de seu posto para novamente poder assumir uma nave estelar, mas sua impaciência por comandar quase destrói a nave ao acionar o motor de dobra. O ensinamento aqui é importante: sozinho ele não vai a lugar algum. Uma nave é sua tripulação, não seu capitão. Kirk parece um capitão mais comedido, porque é necessário que seja, já que ser precipitado no espaço é perigoso.

Com efeitos especiais deslumbrantes nas mãos de um dos mestres do assunto, Douglas Trumbull, responsável pelos efeitos de 2001 e Blade Runner, só para citar alguns, um dos pontos altos do enredo é a ausência de vilão. Pense a respeito, quantos enredos você lembra de cabeça em que não há um vilão sedento por vingança? Mesmo em Star Trek tem vários! O V'Ger pode até ser um antagonista por boa parte do enredo, mas quando compreendemos suas motivações, percebemos que ele é muito mais próximo de nós, seres humanos, de que estávamos dispostos a acreditar. Assim como nossa espécie sempre se questiona sobre seu lugar no universo, o V'Ger também faz a mesma coisa. Ele está em busca de uma conexão, em busca de um sentido. Em busca de algo que justifique sua existência.

V'Ger

Entendo que muita gente prefira filmes de ação, tiro-porrada-e-bomba, mas isso não quer dizer que filmes mais introspectivos não possam ser apreciados. Muitos consideram 2001 uma obra-prima, mas desclassificam The Motion Picture por trazer o mesmo tipo de enredo. E já temos muitos filmes de ação, inclusive dentro da própria franquia de Star Trek. Desacelerar e apreciar enredos mais contemplativos pode ser uma mudança interessante.

Vida longa e próspera! 🖖

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Comentários

  1. Eu revi recentemente, quando zapeando no catálogo de um streaming da vida, encontrei o The Motion Picture e sem pensar muito, comecei a assistir e me espantei com a quantidade de coisas que eu não tinha percebido ou até esquecido, desde a primeira vez que assisti (ainda no cinema). Algo que me espantou em especial foi a sequência em que V'Ger invade a ponte de comando da Enterprise com uma "sonda" de energia, uma espécie de fogo-fátuo ultratecnológico que sequestra a tenente deltana. Toda a cena tem todos os elementos narrativos de um filme de horror, quebrando a cena no meio de forma brutal e deixando um rastro de tensão duradoura por onde passou.

    Na hora, me veio aos lábios, "ok, ISSO é cinema".

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