No começo do século XX, a cidade costeira de Florence, no Oregon, costa oeste dos Estados Unidos, estava sendo engolida por montes de areia. Estradas, ferrovias, casas, lojas, depósitos, tudo estava desaparecendo sob a areia. Na década de 1920, o Departamento de Agricultura do governo federal vinha tentando estabilizar as dunas da costa com vegetação, principalmente pelo plantio das amófilas ou a erva-marrom, comum em praias na Europa. Em 1957, um jornalista chegou à região para escrever sobre as dunas e os problemas na costa do Oregon. Esse jornalista era Frank Herbert, o autor da saga Duna.
O Oregon é um estado bastante conhecido por suas florestas, mas no litoral existe um campo de dunas formadas pela ação da água e do vento. Formadas a 100 mil anos atrás, elas se estendem por cerca de 64km no litoral. No verão, o vento sopra do norte e noroeste a 19 a 26 km/h. Montanhas na costa desviam as correntes de vento, formando a areia. No inverno os ventos são muito mais lentos (exceto durante as tempestades, quando os ventos podem chegar a 160 km/h), vindos do sul e sudoeste.
Os ventos movem grandes quantidades de areia, remodelando a estrutura das dunas que também sofrem com a ação das marés, que dragam o fundo do oceano e depositam mais areia nas praias. As correntes de maré também criam áreas pantanosas, bem semelhantes aos nossos manguezais. A pressão faz com que os grãos de areia se saturem e flutuem, criando bancos de areia movediça.
Praias e dunas são a primeira linha de defesa contra as duras condições oceânicas. Eles dissipam a energia das ondas do mar, preservando assim as áreas localizadas atrás destas feições. Mas as regiões costeiras são muito sensíveis a mudanças nas condições climáticas e oceânicas. Quando as pessoas criam infraestrutura permanente nesse ambiente instável, os processos naturais rapidamente se tornam perigosos. A erosão de dunas e praias é um problema atual de várias regiões, inclusive no Brasil, e a costa do Oregon começou a sofrer com uma acentuada erosão após loteamentos e propriedades privadas se espalharem pela região no começo do século XX.
Em 1957, Frank Herbert chegou a Florence para investigar a situação das dunas e escrever um artigo. Ele andou pelas areias, tirou fotos, fez sobrevoos e documentou tudo o que conseguiu. Ele ficou espantado com a força das dunas e a capacidade de cobrir estruturas em tão pouco tempo. Se nada fosse feito, a cidade poderia desaparecer sob montes de areia.
Curiosamente, o artigo de Herbert nunca foi publicado, apesar de ter sido escrito, porque nenhuma revista comprou. Ao invés de apenas lançar o texto e partir para o próximo, ele mergulhou nos ecossistemas desérticos e na interação humana com a natureza. O que ele viu, a forma como as pessoas lidavam com a areia, o ambiente que encontrou, formaram a ideia central em torno de Arrakis, o planeta desértico de Duna.
A Biblioteca Pública Siuslaw, em Florence, tem um arquivo com os muitos materiais usados por Herbert enquanto ele estudava as dunas e depois, enquanto pesquisava para escrever Duna. Livros como The Sociology of Nature (1952) e The Changing Nature of Man (1951) foram alguns dos materiais consultados por Herbert naquele ano de 1957. Outras obras incluem temas como poesia, ética, hipnose e marxismo.
Acervo da Biblioteca Pública Siuslaw sobre a pesquisa de Frank Herbert para Duna |
Segundo a filha de Herbert, Penny, quando seu pai sobrevoou as dunas do Oregon, ele imaginou pessoas andando pelas areias, gente do deserto atravessando as longas extensões de areia. Mas mais do que isso, Herbert viu como a interação das pessoas com seu meio ambiente pode levar ao caos e a consequências inesperadas, principalmente se essa interação for feita de qualquer maneira, pois foi exatamente isso o que ele viu em Florence. Os esforços das autoridades para plantar uma planta europeia de fato ajudou a conter as dunas que avançavam sobre a cidade, mas elas também descobriram que a gramínea era uma espécie invasiva e prejudicial para a flora local.
Além disso, a gramínea diminuiu a movimentação das dunas e a quantidade de areia está diminuindo. Agora há uma corrida para arrancar as gramíneas na esperança de restaurar o aporte original de areia e equilibrar a equação. Herbert, sem dúvida, notou que as pessoas poderiam acabar transformando tanto um meio ambiente a ponto de destruí-lo, mesmo que tenha a melhor das intenções.
Herbert leu cerca de 200 livros em sua pesquisa para Duna. Quando esteve em Florence, o ex-correspondente da Marinha estava desempregado e esperava poder ganhar uma grana ao vender seu artigo sobre as dunas do Oregon para alguma revista ou jornal. O artigo nunca foi publicado, mas o que ele viu sobre aquelas areias marcou a escrita de Herbert e a cultura pop para sempre.
Até mais!
UAU Sybylla, fiquei fascinada por essa história, impressionante demais. Uma pena o artigo nunca ter sido publicado, mas o que foi gerado a partir dessa mega pesquisa já valeu todo o trabalho. Incrível!
ResponderExcluirNão Me Mande Flores ♥