Rusty Brown é apenas o segundo livro do quadrinista norte-americano Chris Ware publicado no Brasil. Um calhamaço de mais de 350 páginas, aqui não temos apenas um enredo, mas quatro deles, começando com o personagem título Rusty Brown, desenrolando-se para pessoas ao seu redor e de seu convívio, como seu pai, um valentão que pratica bullying com ele e sua professora negra em uma escola majoritariamente branca.
O quadrinho
Com um traço incrível e original, o autor nos conduz por quatro histórias de vida distintas. Começando pelo personagem título, Rusty Brown, um garoto solitário, que sofre bullying na escola em Omaha, no Nebraska, nos anos 1970. Muito sensível a tudo e a todos, Rusty tem como companhia a Super Moça, com quem conversa constantemente, mas se sente desligado dos colegas, isolado e imerso em seu príprio mundo de super-heróis e superpoderes. Paralelamente à sua história conhecemos os irmãos Alice e Chalky White, que vão começar em uma escola nova e estão igualmente assustados, cada um à sua maneira. O traço único de Chris Ware faz com que as duas histórias corram juntas pela página, inclusive no rodapé.
O segundo ato é com o pai de Rusty, o professor Woody Brown, talvez o personagem mais triste e patético de todo o livro. Escritor de ficção científica de pouco sucesso, ele passa seus dias lamentando o passado e o presente. É só quando chegamos ao seu capítulo que entendemos que ele lamenta a perda de uma amante que o iniciou no sexo. A forma como Chris Ware desenha as cenas é interessante, porque conduz muito mais à uma imaginação da nossa parte do que em realmente mostrar o que está acontecendo. As tramas se desenrolam de maneira conjunta nas páginas, o que às vezes é difícil de ler e compreender porque a letra é minúscula. Houve momentos em que tive que usar a câmera do celular para ler e eu nem tenho problema de vista.
O terceiro ato é com o valentão Jordan Lint, o terror de Rusty na escola, mostrando desde o seu nascimento, sua adolescência e maturidade e como os problemas de casa produziram o garoto que batia nos colegas. Esse é um dos arcos mais tristes, que mostra como um valentão se forma, com abusos e repressão desde tenra infância e reproduzindo o que ele via em casa. O traço de Chris Ware é brilhante nessa parte, pois ele mostra a perspectiva limitada de um bebê e vai evoluindo conforme Jordan cresce.
O último ato é com a professora Joanna Cole, uma professora negra numa escola predominantemente branca, onde o autor teve muita sensibilidade e foi bastante direto e mordaz em suas críticas ao racismo que a personagem sofre, como comentários pejorativos na rua. Mas Joanna esconde um segredo que, aos poucos, vai se revelando. É um dos momentos mais emocionantes do livro e um dos arcos que mais gostei de ler.
Com um traço meticuloso e original, Chris Ware criou personagens complicados, que não são conhecidos por seu poder, riqueza ou luta contra o crime. São pessoas tentando se livrar de uma realidade que os anestesia, uma realidade mundana que não os contempla, que os oprime, que os quebra internamente. Mas o quadrinho vai além disso. Todo o volume contém informações para as tramas, desde os desenhos na contracapa até a forma como a jaqueta sobre a capa dura se dobra em várias capas diferentes. O nível de detalhamento a que o autor chegou neste volume é simplesmente brilhante.
Ao mesmo tempo, o nível de detalhamento é um problema para ler e acompanhar os quadros que podem parecer desconectados. São tantas informações por página que é muito difícil ter uma linearidade, ainda mais para quem prefere um enredo assim. Houve momentos em que me perdi e tive que reler a página para entender todo o contexto. Há outros em que o autor vai e volta no tempo ou coloca duas narrativas juntas e fica tudo bagunçado. Sinto que isso poderia ter sido sanado de outra maneira, como uma paleta de cores diferente, por exemplo.
E a letra do quadrinho... Precisei ligar a câmera para ler e compreender os quadrinhos minúsculos da beirada da página. Como Rusty Brown é um tijolão, às vezes era difícil de segurar e fazer as duas coisas. Fica aí o aviso, principalmente para você que usa óculos. A meticulosidade do autor nessa hora meio que atrapalhou um pouco a experiência.
Obra e realidade
O autor faz uma reflexão sobre empatia, trauma, preconceito e o impacto cósmico das nossas ações cotidianas na vida dos outros. Por exemplo, há uma cena em que o valentão Jordan já é um homem adulto e encontra com Rusty Brown no mercado. Quando ele vai lá para cumprimentar, perguntar como vai, quanto tempo, Rusty se apavora e sai correndo. Jordan não tinha consciência que seu bullying deixou uma marca duradoura no garoto e depois homem adulto Rusty.Chris trabalhou em Rusty Brown por 18 anos. Assim que terminou seu livro Jimmy Corrigan, ele começou a rascunhar a primeira página de Rusty e já sabia que seria um livro grande. Tendo sido ele mesmo um aluno tímido, que gostava de viajar na imaginação durante as aulas, fiquei pensando o quanto dele tem no personagem título do livro...
(...) essa coisa de ❝permanecer o mesmo enquanto muda❞ não é diferente da maneira como todos vivemos, tentando consertar o que consideramos momentos importantes em nossas cabeças, mas inevitavelmente mudando e reescrevendo eles, enquanto fazemos planos que sempre mudam ou desmoronam em face da boa ou má sorte.
Chris Ware Talks About ‘Rusty Brown’
PONTOS POSITIVOS
Bem escrito
Traço meticuloso
Personagens cativantes
PONTOS NEGATIVOS
Letra miúda
O preço
Bem escrito
Traço meticuloso
Personagens cativantes
PONTOS NEGATIVOS
Letra miúda
O preço
Avaliação do MS?
Não vou dizer que este quadrinho vai agradar a todo mundo. Além do preço alto, há também as letrinhas minúsculas, quase impossíveis de acompanhar sem forçar a vista. Mas os quatro enredos valem à pena a leitura e o esforço. Há muito o que se pensar na leitura de Rusty Brown. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!
Até mais!
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