Incrível como um livro com um tema tão complexo possa ser tão divertido e de narrativa ágil e leve. O calhamaço que é A lógica do Cisne Negro pode enganar os mais incautos que acham que ele é escrito de forma enigmática, do qual não podemos extrair nada. O livro é bem-humorado, informativo, sério onde precisa ser e prático, ainda que o autor faça uns comentários que PELAMOR, sabe? Uma leitura importante em tempos tão complicados quanto os que vivemos.
O livro
Resumindo o tema do livro, ele se trata de um estudo sobre eventos totalmente imprevisíveis, com uma probabilidade ínfima de ocorrer, que são capazes de alterar completamente o cenário no qual são inseridos, trazendo consequências boas ou ruins. O título se refere à plumagem dos cisnes, que todo mundo na Europa tinha como certa: todos os cisnes observados eram brancos, afinal todos os cisnes observados eram brancos. Mas quando o primeiro cisne negro foi observado na Austrália, a crença inabalável de muitos caiu por terra. Ou seja, uma única observação é capaz de invalidar uma afirmação geral derivada de séculos de observação e avistamento de cisnes brancos.Este fenômeno, o do cisne negro, é uma questão filosófica chamada “problema de indução”, onde a gente tira uma conclusão com base na observação dos fatos. Se observei tantos fatos, só posso concluir que é este o padrão. O autor comenta que a ideia central do livro é a cegueira em relação à aleatoriedade e o impacto que ventos improváveis têm em nossas vidas. E o pior: não temos consciência da magnitude destes erros de previsão. Até porque não somos capazes de prever nada. É possível apontar tendências, mas prever? Esquece!
(...) ao contrário da sabedoria das ciências sociais, quase nenhuma descoberta, nenhuma tecnologia digna de nota, resultou de planejamento e projeto detalhado - foram simplesmente Cisnes Negros.
Página 16
Galera que mexe com livros já deve ter se deparado com a história da antibiblioteca de Umberto Eco. Eco valorizava muito mais os livros que ainda não tinha lido do que aqueles já lidos. Isso porque o que nós não sabemos é muito mais valioso do que o que já sabemos. Quando baseamos nossas opiniões apenas no que já sabemos, ignorando o não-saber, é provável que sejamos induzidos ao erro.
Conforme lia esse livro, lembrei de uma teoria que explica porque a CIA ignorou todos os sinais do iminente 11 de Setembro. A agência não era diversificada. Ela não contratava minorias e tinha um padrão bem óbvio de funcionários - homens brancos, cisgêneros, heterossexuais, protestantes. Se um grupo é todo composto por pessoas semelhantes, elas não apenas não enxergam pontos cegos e falhas num sistema, como acaba reforçando todos eles.
E foi o que aconteceu no 11 de Setembro. Bin Laden declarou guerra abertamente aos Estados Unidos, em fevereiro de 1996, em um famoso vídeo que a CIA descartou. Ele se encontrava em uma caverna no Afeganistão, agachado ao redor de uma fogueira, barba comprida, falando em versos. Os especialistas dentro da CIA não o viram como uma ameaça. Mas qualquer agente mais familiarizado com o Islã teria percebido o simbolismo da mensagem: inspirado em Maomé, ele adotou a mesma postura atribuída ao profeta. A caverna também tem simbolismo, já que Maomé se refugiou em uma para escapar de seus perseguidores em Meca. E a poesia, no Islã, tem uma conotação totalmente diferente daquela do mundo cristão-ocidental. Sinais mais que óbvios que os agentes da CIA deixaram passar, julgando-o como um "iletrado ignorante".
O autor narra o livro de uma maneira bem pessoal em alguns momentos. Nascido no Líbano, ele comenta sobre sua juventude, sobre o caldeirão cultura que era seu país e sobre como a guerra gerava previsões entre membros de sua família. E claro, todos achavam que tinham mais conhecimento do que realmente tinham e acabavam errando todas as previsões. Eventos muito complexos como guerras, epidemias, crises econômicas, nunca podem ser previstas de maneiras simplistas. Inclusive foi conduzindo a pandemia como uma "gripezinha" que chegamos aos mais de 600 mil mortos só no Brasil.
Os humanos têm necessidade de categorizar, mas isso se torna patológico quando a categoria é vista como definitiva, impedindo as pessoas de levar em consideração a imprecisão de seus limites, muito menos de reavaliar suas categorias.
Página 44
Taleb nos apresenta dois tipos de Cisne Negro: o positivo e o negativo. Nos casos positivos, há transformações para melhor em nossas vidas, como por exemplo o computador pessoal. Ninguém conseguiu prever o surgimento do computador, sendo que hoje ninguém mais trabalha sem ele. Décadas atrás, alguns investidores achavam que era um absurdo a ideia de uma pessoa ter um computador pessoal. Já nos casos negativos, temos pandemias, guerras, crises financeiras e humanitárias, causando impacto na sociedade que podem ser bastante duradouros.
O livro é um calhamaço de mais de 560 páginas, mas a escrita de Taleb é amigável o bastante para que você leia sem tropeços. É fácil compreender os conceitos por ele explicados, ainda que por vezes ele se alongue demais em alguns momentos. Taleb aborda os conceitos do livro usando-se de filosofia, criticando a generalização de preconceitos e até o racionalismo de Platão.
Mas, ao mesmo tempo que o autor critica a generalização, ele também as faz. Por exemplo, quando fala sobre o aborto, ele diz que quem é a favor da prática é contra a pena de morte. Taleb então acha que os dois procedimentos são semelhantes? Que o aborto "mata" alguém? Percebe a discrepância do que ele mesmo defende no livro? Ele não está fazendo uma generalização com base em seu conhecimento limitado? Parece que o autor caiu na própria armadilha aqui?
Em capa comum e papel amarelo, esta é uma edição revista e ampliada pelo autor. Este livro já foi publicado no Brasil em 2008. As atualizações se referem a uma adição de algumas notas de rodapé e a um ensaio pós-escrito onde ele aprofunda algumas discussões filosóficas e empíricas. Ele é dividido em quatro partes, mais o ensaio no final. O autor define o evento do Cisne Negro a partir de suas três principais características: imprevisível, impactante e passível de explicações apenas após acontecer. A partir de tais características ele constrói o livro, usando exemplos que vão de Casanova a Locke.
A edição é em capa comum, o que é uma pena porque ela tende a dar uma deformada. A tradução é de Renato Marques de Oliveira e está ótima. Não há problemas de revisão ou diagramação no livro. Há ainda um glossário, uma extensa bibliografia e um índice remissivo.
Ninguém sabia coisa nenhuma, mas os pensadores da elite julgavam saber mais do que o resto porque eram pensadores da elite, e se você é um membro da elite, automaticamente sabe mais do que quem não faz parte da elite.
Página 43
Obra e realidade
O livro faz pensar muito sobre as dinâmicas das redes sociais. Pensei na galera anti-vacina que "fez sua própria pesquisa" e decidiu não tomar vacina. É um ótimo exemplo dessa perspectiva que se vale de seu conhecimento parcial e equivocado, baseado em preconceito e desinformação, para decidir arriscar a vida dos outros em meio a uma pandemia. De repente o público leigo vira especialista no assunto, ignorando aqueles que de fato são especialistas.E não é só no caso da pandemia. Todo mundo já caiu na falácia da indução em algum momento e é capaz que caía de novo porque fazemos isso de maneira quase instintiva. A expectativa de sair da nossa área confortável, onde baseamos nosso próprio passado como referência, assusta muita gente. Por isso que mesmo estando erradas muita gente se mantém irredutível de suas posições.
Nassim Nicholas Taleb é um escritor libanês, formado em matemática, com mestrado e doutorado em estatística e análise de riscos nos Estados Unidos e na França. Dedica ou seu tempo livre a estudar os problemas relacionados à sorte e à incerteza, e também ao conhecimento e suas fontes.
Pontos positivos
Bem escritoCisne negro
Leitura amigável
Pontos negativos
Generalizações do próprio autorPode ser lento em algumas partes
Avaliação do MS?
Não vou dizer que este livro vai agradar a todo mundo. Mesmo não concordando com todos os comentários do autor, acredito que foi uma leitura proveitosa. Deu nome a muitos fenômenos que observamos no dia a dia, principalmente nas redes sociais, onde brotam especialistas em vários assuntos, validados apenas por suas experiências pessoais. Nesse sentido, acredito que a leitura é mais do que válida. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais!
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