Resenha: Golias, de Tom Gauld

Galera já sabe, mas sou fã do trabalho de Tom Gauld já de longa data. Seus quadrinhos literários e científicos são alguns dos melhores do gênero. Com seu traço minimalista e humor ácido para coisas cotidianas, Tom já tem duas publicações no Brasil, sendo que Golias é a primeira e depois Guarda Lunar, que já tem resenha aqui no blog. Em Golias, o autor reconta de uma maneira inusitada a história do famoso adversário de Davi!

O quadrinho
Golias é basicamente a história contada pelo lado que foi vencido. Praticamente todo mundo conhece a história, certo? De que Davi, pequeno e franzino garoto judeu, conseguiu derrotar um imenso filistey com uma pedrinha. Mas e a história de Golias? Quem era esse cidadão? Por que ele acabou encontrando Davi em seu caminho? É aí que entra o trabalho de Tom Gauld, que decidiu mostrar o pobre Golias como um burocrata tranquilão que acabou envolvido nos planos dos outros sem querer.

Resenha: Golias, de Tom Gauld

O bruto guerreiro da história bíblica é visto aqui como um burocrata pacífico que lida com as tarefas administrativas do reino. Mas um dia algum oficial do exército do rei teve uma ideia e ele precisava de um cara grande e intimidante para que desse certo. Reza a lenda que Golias tinha 2,50m de altura (convenhamos que no máximo devia ser 1,80m se considerarmos a alimentação, etnia, estilo de vida, etc.) e assim ele foi escolhido para o plano. Deram-lhe uma armadura, uma lança, uma espada e um escudo, além de um garoto para servir de escudeiro e o mandaram para o outro lado do vale.

Golias tinha que repetir diariamente uma frase que explicita as intenções dos filisteus:

Eu sou Golias de Gate, herói dos filisteus. Desafio-vos: escolhei um homem que venha até mim e que lutemos. Se ele for capaz de me ferir, então seremos vossos servos. Mas se eu o ferir, então vós deveis ser nossos servos.

Página 40

Com seu humor ácido, Tom teve uma narrativa tragicômica porque nós sabemos qual vai ser o fim de Golias, certo? Ainda assim você não consegue deixar de virar as páginas. Fiquei com pena do coitado do Golias, porque ele estava na dele, trabalhando, quando um oficial tem uma ideia imbecil que precisa de um cara imenso como ele para funcionar. E não funciona! Mas Golias só vai saber disso da pior maneira. Até lá ele é um sujeito pacato, que vê sua tarefa com tédio, muitas vezes acompanhado de seu escudeiro que ouviu vários mitos sobre ele.

Golias e escudeiro

Dia após dia, ele vai até o vale, fala sua frase de efeito e fica lá esperando alguma coisa acontecer ao lado do escudeiro. O oficial apenas garante que está funcionando, afinal ninguém veio até o vale confrontar Golias. A vitória só pode estar se aproximando. E os dias passam, passam, passam, até que um chamado quebra o marasmo dos dias e Golias se vê na companhia de um garoto pequeno, munido de uma pedra...

Golias e o escudeiro

Tom Gauld mostra neste quadrinho que além do símbolo, Golias era uma pessoa. Na verdade, o relato bíblico apenas faz menção de suas medidas, sem nunca se aprofundar em sua pessoa. Golias é só um obstáculo na fé de Davi. Ele é apenas um instrumento para mostrar que a inteligência sempre vence a força bruta. E Tom faz isso com seu traço simples e singelo, com cores monótonas que lembram um deserto contínuo onde muitos sofrem com os comandos de uns poucos.

Quem conhece o trabalho do autor reconhece fácil os longos quadros parados e minimalistas, totalmente reflexivos para seus personagens ou momentos de tédio, onde nada acontece. Mas mesmo o nada tem um propósito, afinal a vida tem dessas e elas precisam ser mostradas. De grande vilão Golias passa a ser um herói tragicômico com quem é muito fácil simpatizar. E o escudeiro também, afinal está lá ao lado do coitado do Golias o tempo todo em todo esse imbróglio.

Com capa simples e papel branco, o quadrinho é curtinho, com menos de 100 páginas. A tradução é de Hermano Freitas e está excelente. Não há erros de revisão ou diagramação.

Obra e realidade
Mudar a perspectiva de uma história que é de conhecimento de todos é um recurso narrativo criativo. Vemos isso em Malévola e em Star Wars: A Ameaça Fantasma, onde vilões que não possuíam um passado passaram a ter uma história pregressa que explique um pouco de seus atos futuros. Tom Gauld percebeu que Golias era uma figura sobre a qual pouco se fala na própria Bíblia, além de ser um instrumento para atestar a fé de Davi.

Outra coisa bem evidente no quadrinho é o fato de Golias pagar o preço por ser algo que não é. Ele não é um soldado de elite, não é um especialista, é só um burocrata que calhou de ter altura. Essa foi a deixa para o autor contradizer a história original e entregar um enredo leve, ainda que nós saibamos o final. Mas esse é mais um dos casos em que a jornada importa mais do que o desfecho.

É tam´bem um quadrinho sobre os absurdos da guerra, onde pessoas de competência duvidosa são colocadas no comando e acabam dando ordens que levam a fins trágicos. É possível ler Golias de maneiras diferentes e ainda assim se divertir bastante com o trabalho de Tom Gauld.

Tom Gauld

Tom Gauld é um cartunista e ilustrador escocês. Além dos livros, Tom ilustra tirinhas e capas para a revista The New Yorker, para o The New York Times, The Guardian e para a revista New Scientist.

Pontos positivos
É uma obra de Tom Gauld
Golias!
Traço e cores
Pontos negativos

Acaba logo!

Título: Golias
Título original em inglês: Goliath
Autor: Tom Gauld
Tradutor: Hermano Freitas
Editora: Todavia
Páginas: 96
Ano de lançamento: 2019
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura deliciosa, melancólica e hilária ao mesmo tempo. Uma leitura que fala sobre os absurdos da guerra, sobre a formação de mitos que se distanciam muito de sua origem, de como as pessoas podem acabar pagando um preço alto por estarem no lugar errado, na hora errada. Uma grande adição para a sua biblioteca. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

MARAVILHOSO!

Até mais!

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