A sinopse desse livro me fisgou imediatamente. A única funcionária negra em uma editora precisa aguentar a babaquice dos colegas brancos, que adoram discursar sobre raça, como se soubessem alguma coisa a respeito. A autora levantou uma importante discussão no livro, mas outras questões o deixaram bastante confuso, como se faltasse uma edição mais primorosa antes da publicação.
O livro
Nella Rogers é editora assistente na badalada editora Wagner Books. Só que ela é a única funcionária negra do escritório. As microagressões racistas são diárias e ela até tentou levantar a discussão em encontros internos, mas eles acabaram com bem menos gente do que ela gostaria. Ela gosta do emprego, gosta dos livros, mas se sente só e deslocada, além da sensação de não se sentir negra o suficiente e de questionar seu relacionamento com um namorado branco. Quando uma nova colega começa a trabalhar na editora, uma moça negra chamada Hazel, as coisas parecem que, finalmente, mudarão.Nella se sente no sétimo céu por ter agora uma colega com quem contar. Hazel chama a atenção por onde passa, é extrovertida, animada, usa belos lenços nos cabelos, conhece todos os livros que Nella ama. A identificação é rápida. Aquela Nella insegura começa a se sentir, nem que seja um pouquinho, mais à vontade e segura no trabalho. Mas as coisas logo começam a ficar estranhas. Não apenas Hazel se torna amiga da editora que é chefe de Nella, como começa a fazer parte do trabalho de Nella também, como ler manuscritos.
Um dos autores mais lucrativos da Wagner Books está com um livro em análise pela chefe de Nella, que leu o livro e odiou a personagem negra do enredo sobre a crise dos opioides nos Estados Unidos. A única personagem negra é carregada de estereótipos negativos e Nella teme que o livro seja lançado e as críticas acabem com ele, se perguntando onde estavam os editores que não viram aquilo. Assim, em uma reunião, incentivada por Hazel, Nella falou abertamente sobre o problema. E o autor se ofendeu, ficando todo magoadinho, imaginando porque ele fora chamado de racista (o que ele foi). A coisa piora muito quando a editora chefe de Nella fala para ela se desculpar com o cara.
Os brancos nunca precisam ser tão superconscientes de si mesmos como nós precisamos. Quando entram em uma sala, não têm que analisar as pessoas presentes, procurar semelhantes. Não precisam se preocupar em ter que representar as não sei quantas milhões de perspectivas negras que existem neste país só porque os responsáveis pelas contratações tiveram preguiça de trazer outras.
A autora começa o livro com uma história do passado que demora a retornar na leitura. Você fica pensando o que aquele evento pode ter a ver com o restante, mas a autora mal menciona aqueles acontecimentos, ela não diz como eles se encaixam na história de Nella. Só diz que houve alguma coisa no passado da editora e é isso aí. Nada é explicado, nem mesmo nas entrelinhas. Fiquei pensando se estavam faltando páginas.
E aliado a isso, tem o fato de Nella receber bilhetes estranhos em sua mesa, que dizem que ela corre perigo e que ela deve sair da Wagner Books. De novo, a autora não explica direito como eles estão aparecendo nem porque estão sendo entregues. E assim, eu gosto quando o autor deixa pistas sobre os acontecimentos para elucidar tudo no final. Mas Zakiya não faz isso. O ritmo lento que algumas resenhas reclamaram não é nem de longe o problema, mas sim uma misteriosa conspiração envolvendo cremes de cabelo batizados que a autora coloca lá pelo meio. Se eu falar mais a respeito vou entregar os spoilers, mas acredite, ficou tão solto e aleatório que acabou com a excelente discussão que a autora levantou sobre ambientes de trabalho predominantemente brancos e as microagressões diárias e constantes que funcionários negros recebem. Faltou trabalhar mais a questão se ela queria fazer uma sátira, faltou trabalhar mais se o que ela queria era um thriller.
Você pode achar que eles aceitam você, e eles farão você pensar isso. Mas na verdade não aceitam. Nunca aceitarão. Sua presença apenas faz com que temam a própria ausência deles.
Se ela tivesse se focado nos problemas do mercado de trabalho, se tivesse se aprofundado na luta de Nella, até mesmo melhor elucidado o que aconteceu no passado da editora e qual é o papel do dono e fundador nisso tudo, o livro teria se saído melhor. Gostei de toda a discussão sobre Nella se sentir solitária no trabalho, sobre ela pensar a respeito de sua educação de classe média, sobre como ela passou a se aceitar melhor ao fazer a transição capilar. Achei Nella bem construída, bem como Hazel, mas questiono o motivo de a autora ter colocado tantas antagonistas negras. Nem é uma questão de que todas sejam amigas e simpáticas, porque ninguém deve ser assim o tempo todo, mas por que ela colocou TODAS assim?
E o final... ah, bem, o que dizer do final que não resolve nada? Nem a conspiração que a autora tentou colocar no livro funciona, porque as explicações são insuficientes. Eles vão colocar um conspirador em cada escritório do país que tenha funcionários negros? Quem financia isso? Como eles chegam nas pessoas? Tem um número que as pessoas ligam e chamam um conspirador para infernizar a vida de um funcionário negro? Percebe como nada disso faz sentido?
Li o ebook, não o livro físico, mas o ebook não tem problemas de diagramação ou revisão. A tradução foi de Flávia Rössler e Maria Carmelita Dias e está ótima.
Obra e realidade
Conforme os caminhos de Nella e Hazel começam a divergir, uma discussão muito pertinente surge. Uma jovem negra no mercado de trabalho altamente competitivo terá que escolher um entre dois caminhos: o do Sucesso, onde ela terá que sublimar sua identidade, seu estilo, seus gostos, seus ideais e princípios para caber nos moldes que o mercado majoritariamente branco quer que ela caiba. Se ela escolher o caminho da Autenticidade, ela será dona de si, de sua identidade, princípios e gostos, mas não vai crescer na carreira, será sempre subalterna de alguém, aquela funcionária que reclama de tudo e nunca cede em nome do conforto dos racistas do escritório.Outra questão importante: a solidão da mulher negra. Nella se sente sozinha na Wagner Books, sempre pisando em ovos, sem nunca poder contar com ninguém do ambiente de trabalho, sem poder falar a real para um escritor que perpetua estereótipos racistas nem para o capista que fez o mesmo. E isso tudo em meio às discussões dos seus chefes, todos brancos, sobre como adicionar mais "diversidade" na empresa. A forma como a autora os representou está perfeita: eles são patéticos e se acham os cultos da história toda.
Zakiya Dalila Harris é uma escritora norte-americana conhecida por seu romance de estreia, A Outra Garota Negra.
PONTOS POSITIVOS
Nella
Narrativa instigante
Discussão sobre racismo
PONTOS NEGATIVOS
Elementos soltos na narrativa
Final em aberto
Nella
Narrativa instigante
Discussão sobre racismo
PONTOS NEGATIVOS
Elementos soltos na narrativa
Final em aberto
Avaliação do MS?
É um bom livro, ele me fisgou e não conseguia parar a leitura porque eu precisava saber o que aconteceria com Nella. Mas admito que o final é decepcionante e aquela conspiração que a autora coloca não funcionou para mim. São tantas pontas soltas que acredito que isso incomodará aqueles que precisam de mais respostas do enredo. Três aliens para o livro.Até mais!
Você sabe como os brancos ficam quando acham que estão sendo chamados de racistas.
Excelente resenha. Realmente, as lacunas no enredo incomodam. Pra mim, faltam 50 páginas, mas acho que vou largar... Entendo que a proposta é ótima; a discussão, muito necessária. Porém, há muitas pontas soltas mesmo, o que faz me questionar por que a Intrínseca o elegeu para o clube de leitura...
ResponderExcluir