Resenha: O pavilhão dos padres: Dachau 1938-1945, de Guillaume Zeller

Entre 1938 a 1945, mais de dois mil padres, religiosos e seminaristas foram deportados para o campo de concentração de Dachau. As acusações contra eles eram as mais variadas e apenas uma leve suspeita já era suficiente para a prisão e deportação dos religiosos. Reunidos em pavilhões específicos, mais de mil deles perderiam a vida até o fim da guerra. Dachau, ainda hoje, permanece como o maior cemitério de padres católicos do mundo.


Parceria Momentum Saga e editora Contexto


O livro
O grande público, em geral, sabe do Holocausto e das atrocidades cometidas pelos nazistas não apenas a judeus como também a gays, pessoas com deficiência e ao povo roma. Mas a perseguição sofrida pela classe religiosa é pouco mencionada. Lembro que nas aulas da faculdade um professor mencionou que a igreja, principalmente a católica, tinha se mantido neutra e calada durante a Segunda Guerra e em alguns casos até mesmo colaborado com o nazismo. Mas a história não é bem assim. Vários sacerdotes usaram sua posição como forma de protestar contra o nazismo e suas atrocidades, sendo presos e mortos por isso.

Resenha: O pavilhão dos padres: Dachau 1938-1945, de Guillaume Zeller

Houve momentos em que a igreja se calou; em outros até mesmo apoiou a ideologia nazista, mas isso durou pouco tempo. O clero alemão, principalmente, foi uma voz ativa em seus protestos contra os abusos nazistas e Hitler logo perdeu a paciência com essa minoria ruidosa (os católicos eram minoria na Alemanha na época). Alguns padres chegaram a colocar uma estrela amarela, aquela que identificava os judeus, nas estátuas de José, Maria e Jesus em um presépio. Outros utilizavam as missas para condenar o nazismo e logo eram denunciados e presos.

Existiam padres de diversos países europeus presos em Dachau, mas os poloneses eram a maioria. Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia. Os nazistas consideravam os poloneses como sub-humanos (Untermenschen), ao lado de judeus e do povo roma. Em uma terra tão católica quanto a Polônia, Hitler teria que destruir a igreja para poder desmoralizar o povo e assim o clero é uma das elites que ele ataca primeiro e envia em grandes quantidades para campos de concentração, sendo que o destino final acabava sendo Dachau.

Qualquer acusação servia de pretexto para repressão e prisão de sacerdotes. Desde a posse de livros considerados proibidos, recortes de jornais, sermões aos fiéis, qualquer coisa servia de prova da "subversão" dos padres. A instauração do Aktion T4 fez o clero se levantar contra a barbárie, denunciando a execução sumária de deficientes físicos e mentais.

Uma doutrina terrível, que tenta justificar o assassinato de pessoas inocentes, que legitima o massacre violento das pessoas deficientes que não são mais capazes de trabalhar, dos incuráveis, dos idosos, dos enfermos (...) Estamos diante de uma loucura homicida sem precendentes. Com pessoas assim, com esses assassinos que esmagam com arrogância nossas vidas com o salto de suas botas, a noção de povo não é mais possível para mim.

Sermão de Monsenhor Von Galen, 3 de agosto de 1941 (página 40)

O campo de Dachau foi aberto em 1933, próxima a cidade de Dachau, cerca de dezasseis quilômetros ao norte de Munique, mas começou a receber os primeiros religiosos, vindos da Áustria, em 1938. Seu objetivo inicial era o de neutralizar inimigos do regimes nazista, mas também servir como um ponto de passagem obrigatório para membros da SS. Eles exerceriam cargos de administração e supervisão que seriam necessários em outros postos, mas o principal objetivo era torná-los insensíveis. Eles deveriam se despir de toda compaixão e caridade de maneira que pudessem testemunhar o massacre sem sentir nada. Olha, teve momentos que eu queria jogar o livro longe com passagens como essa...

Mesmo com as condições severas e as punições, os sacerdotes tentavam manter a ordem religiosa, realizando missas e ministrando sacramentos. Mas mesmo os religiosos não estavam imunes aos mais complexos sentimentos humanos. Raiva, ódio, fome, mesquinharia, também afloravam diante da barbárie e em um ambiente onde os nazistas os faziam competir pelos poucos recursos disponíveis. Não apenas a fome os vitimava, mas o frio, o esgotamento, as punições, as surras e as experiências ceifavam suas vidas, além da tensão nervosa.

O livro tem uma narrativa amigável o que contribui para a leitura de um tema tão pesado e tão importante. Guillaume faz toda uma cronologia do campo, mostrando sua idealização, instalação, objetivos e o dia a dia dos presos. Há também uma esmerada pesquisa histórica, trazendo desde depoimentos de sobreviventes a documentos do Vaticano, cartas pessoais, fichas de prisioneiros e documentos do campo. Assim é possível obter informações detalhadas dos episódios narrados, do cotidiano daquelas pessoas que acordavam sem saber se sobreviveriam a mais um dia.

Não é um livro muito grande, porém ele é um ponto de partida importante para se compreender os horrores da Segunda Guerra (se é que dá para compreender). Com apenas 240 páginas, o trabalho está sintético e direto, muito bem pesquisado e traduzido por Julia Fervenza e Patrícia Reuillard.

Primeiro a ser construído, o campo de Dachau foi um dos últimos libertados. Os norte-americanos chegaram a ele em 29 de abril de 1945. Membros da 42ª e a 45ª divisões de infantaria dos Estados Unidos adentraram as cercas do campo, entre eles um capelão militar que rezou o Pai Nosso no prédio da entrada, convidando os prisioneiros a orar por seus ex-carrascos.

Obra e realidade
Estava comentando sobre esse livro com a minha mãe e ela levantou uma questão importante: como fica a fé de alguém ao passar por uma situação como essa? Quantos desses padres não pensaram, no meio da noite, com frio, com fome, doentes, sobre a injustiça daquilo tudo? Se há um Deus de amor, por que ele deixaria aquelas coisas pavorosas acontecerem? Por que alguns morreram enquanto outros viveram? Se há um plano, por que ele precisa vir do sofrimento e da morte?

O livro conta como a fé e a missão de alguns desses sacerdotes apenas se fortaleceu diante da provação, mas antes de serem padres, eles eram seres humanos, portanto, falhos e imperfeitos. Se tiveram alguma dúvida sobre sua fé, eles não deveriam se sentir envergonhados por isso.

Guillaume Zeller

Guillaume Zeller é um escritor e jornalista francês. Neto do general André Zeller, Guillaume foi diretor editorial da emissora CNews.

Pontos positivos
Bem pesquisado
Bem escrito
Relatos de sobreviventes
Pontos negativos

Violência e nazismo

Título: O pavilhão dos padres: Dachau 1938-1945
Título original em francês: La baraque des prêtres: Dachau, 1938-1945
Autor: Guillaume Zeller
Tradutoras: Julia Fervenza e Patrícia Reuillard
Editora: Contexto
Páginas: 240
Ano de lançamento: 2018
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Não vou dizer que será uma leitura fácil, pois não é. Uma história de mortes, torturas, fome, doenças, nunca é fácil. Mas o livro é mais do que apenas um relato sobre um crime de guerra, é um memorial para os sobreviventes e para as vítimas e um lembrete de que a história precisa ser conhecida, mas não repetida. Terminei a leitura admirada com a capacidade dos sacerdotes de perdoar seus algozes, porque eu mesma não teria condições de fazer isso. Leitura essencial e um livro importante para se ter na estante.

Até mais.

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Comentários

  1. Nossa, parece ser um desses livros que dá vontade de jogar longe mesmo. Eu leio muito à noite e sempre digo que esse é o tipo de livro (triste e real) que me faz ir dormir furiosa. Impressionante como essas histórias revoltantes sobre a Segunda Guerra nunca se esgotam. Adorei a dica!

    Não Me Mande Flores

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