Meu mundo versus Marta não é um quadrinho fácil. Sem um único balão de texto, somos jogadas em uma distopia - época e lugar desconhecidos - com poucas informações disponíveis sobre ela. É um enredo bastante subjetivo, mas que, para mim, não funcionou muito bem.
O quadrinho
Em uma cidade com ares de Pelotas, num futuro incerto e distópico, acompanhamos um sujeito que trabalha em algum tipo de laboratório genético. Em sua casa, ele mantém um tipo de biorrobô (a Marta do título) que, no começo, achei que fosse sua filha e por boa parte da leitura achei que fosse. Conforme os dois circulam pelos cenários degradados, o casal atrai a atenção das pessoas, que lhes dirigem olhares desconfiados, intimidantes. A sensação é que um conflito está prestes a estourar.Marta deixa de ser criança e conforme acompanhamos os quadros. O relacionamento dos dois se intensifica conforme lá fora as coisas parecem degringolar. O homem está cansado do seu trabalho, querendo passar seu tempo com Marta. É possível notar o medo e a opressão nos quadros, conforme acompanhamos o cenário, a mudança nas fachadas, a forma como algumas pessoas apontam para Marta e seu companheiro.
Os personagens se blindam da barbárie do lado de fora através da arte, como com a música, onde temos quadros em que eles tocam piano juntos. No apartamento do homem vemos pôsteres de filmes, além dos desenhos feitos por ele. O próprio autor do quadrinho comentou em uma entrevista para a Gazeta do Povo:
Os truculentos, os protofascistas, os intolerantes e os egoístas odeiam a arte porque a arte transporta um tipo de celebração incômoda que os atinge, porque fere e altera permanentemente os processos do acomodar que lhes é tão conveniente, os processos em que, como se observa hoje no Brasil, levam uma parcela minoritária da população a abraçar a morte e também os discursos que, sem qualquer pudor, descartam a vida e a dignidade humana.
Nesse sentido, o quadrinho dialoga diretamente com a gente nesses tempos doidos de pandemia, onde as artes nos livros, séries, filmes, quadrinhos, se tornaram nosso escape desse mundo horrível. Assim como ciclo de opressão vivido pelo personagem recomeça no quadrinho, para nós é um ciclo que também recomeça ao vermos que o autoritarismo, o militarismo, a ditadura, nunca são abolidos completamente. Eles estão sempre à espreita, tal como alguns personages do quadrinho.
Não tenho problema com obras subjetivas, mas acredito que obras abertas demais acabam ficando um tanto incompreendidas. Os autores precisam nos dar as migalhas que vão preencher os espaços vazios deixados para que cada pessoa que leia o preencha com sua própria compreensão. E sinto que aqui ficou tudo tão subjetivo que é bem possível que você termine de ler e não tenha, de fato, captado as mensagens deixadas nos quadros.
Também não tenho problema com ausência de textos nos quadros. É possível entender as histórias através dos desenhos. Mas nem mesmo a narrativa visual do quadrinho é clara. Os autores já disseram que o quadrinho tem várias interpretações conforme o lemos várias vezes, mas se você precisa ler várias vezes será que a compreensão não fica prejudicada? Nem era preciso mexer muito na estrutura da obra, mas senti falta de mais contexto que ajudasse quem lê a não ficar boiando.
Os traços são super simples, mas não menos carregados de uma forte mensagem. Gostei da forma como o ilustrador compôs os quadros, até mesmo no uso dos vazios para expôr o vazio da vida dos personagens. Os poucos textos que vemos estão na verdade em cartazes e fachadas, nunca em balões falados pelos personagens. O quadrinho em si é em papel encorpado no miolo e capa comum de acabamento macio.
Obra e realidade
São nos momentos de maior opressão que a arte deve ser protegida e preservada. Essa é uma das lições valiosas de Meu mundo versus Marta, onde as personagens se isolam do mundo violento, tentando encontrar alguma beleza em meio ao caos. É também uma lembrança de como a arte sofre ataques assim que um populista de discurso fácil chega ao poder. Nem precisamos abrir um livro de história, veja o que acontece aqui diariamente.Paulo Scott é um poeta e escritor brasileiro. Rafael Sica é um ilustrador e quadrinista brasileiro.
Pontos positivos
MartaDistopia
Pontos negativos
Subjetivo demaisLeitura lenta
É chato
Avaliação do MS?
Não vou dizer que o quadrinho é de todo decepcionante. Foi uma leitura bem OK para mim. Apenas senti que subjetividade demais no quadrinho prejudicou a mensagem passada. Três aliens para Meu mundo versus Marta.Até mais!
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