Resenha: A morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói

Uma das minhas metas para 2021 era ler mais clássicos. Venho perdendo o receio dos clássicos nos últimos anos e decidi que era hora de investir em alguns títulos. Comecei por essa bela edição da Antofágica de uma novela clássica de Tolstói.

O livro
Ivan Ilitch morreu. Pois é. Morreu, foi dessa para uma melhor. Mas o que seus amigos e colegas de trabalho que chegam para o seu velório pensam é quem vai ficar com seu cargo no tribunal ou se aquela passada rápida para prestar as homenagens ao falecido vai atrapalhar o jogo de cartas mais tarde. Sua esposa, Prascóvia, preocupa-se com a pensão que receberá de seu falecido marido.
Resenha: A morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói


Tolstói não esconde de nós que seu protagonista está morto, até porque o que ele quer nos contar é sobre sua vida, seu significado e como ele chegou àquela situação. Assim, o autor volta no tempo para nos contar como que Ivan viveu. Ivan inicia sua vida pública, trabalhando como juiz, tornando-se um jurista bem respeitado entre os colegas.

A história pretérita de Ivan Ilitch era a mais simples e comum e também a mais terrível.

Página 53

Ivan cumpre com todos os rituais que se espera de um adulto: tem uma profissão, torna-se influente e importante em seu meio, se casa e tem filhos, tem amigos. Ele vive o que acredita ser uma vida decente e feliz. Mas sob o verniz da perfeição de sua vida há uma esposa irritada, indiferente, que torna sua vida um inferno dentro de casa. Ao ser promovido e enviado a outra cidade, Ivan decora a nova residência com esmero, mas cai e se fere na região do rim, o que desencadeia sua doença, nunca diagnosticada na história, mas que tudo leva a crer ser um câncer.

A partir de então, Ivan adoece e para de trabalhar, pois a dor o acomete e o debilita profundamente. Tenho que dizer que aqui eu me identifiquei muito com Ivan, já que a dor crônica é uma velha conhecida minha e também me debilita demais em alguns dias. Há momentos em que tudo o que você quer é ficar sozinha, em outros você quer que alguém te abrace e te acalente, exatamente como acontece com Ivan. Tolstói imbui uma profunda humanidade no sofrimento de Ivan que fica difícil não se identificar com seu desespero e com seu medo.

Restrito em casa, Ivan sente que é motivo de vergonha para a família, que parece mantê-lo oculto dos olhos dos outros. Médicos vem e vão, mas não há uma perspectiva de melhora. Sua esposa reclama o tempo todo de que ele não toma os remédios na hora e que se ele fizesse isso, melhoraria. Mas não é tão simples, Ivan sabe e sente que para a família sua condição é um mero inconveniente. Apenas um criado da casa e seu filho adolescente parecem compreender o que ele sente e lhe fazem companhia.
A morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói


O livro nos leva em uma jornada pelo sentido da vida. Para que viver? Para que trabalhar? E a família, para que serve? Por que estamos fadados a morrer depois de termos feito tudo certo? E se vivêssemos de outra forma, será que no derradeiro final nos sentíriamos como o personagem? Que pensamentos passariam por nossa mente nesse momento de intensa dor e desilusão? No fim, o que Tolstói quer que a gente perceba é que a vida, tal como foi vivida por seu personagem, pautada apenas pelas ambições profissionais, sem propósito, equivale à morte.

A edição da Antofágica está perfeita. Os extras nos ajudam a contextualizar e compreender a obra, que também tem ilustrações no miolo em preto e branco. Os textos de apoio nos fala mais sobre a vida e obra do autor, as mensagens entrelaçadas na novela e a forma como a morte é tratada desde a época de Tolstói aos dias atuais, com a morte medicalizada e oculta nos hospitais, bem diferente de Ivan Ilitch, que morreu e foi velado em sua casa.

A edição vem em capa dura, formato de bolso, com todo o capricho da Antofágica. Mas admito que demorei para entender o que havia na capa. Achei escura demais e acho que outras ilustrações de dentro teriam composto uma capa melhor.

No fundo de sua alma, Ivan Ilitch sabia que estava morrendo, mas ele não só não se acostumava com aquilo como simplesmente não entendia, não conseguia de nenhum modo entender.

Página 148

Obra e realidade
A morte de Ivan Ilitch foi publicada pela primeira vez em 1886. Ela foi escrita um pouco depois da conversão de Tolstói, em 1870, quando ele passa por uma grave crise com alguns traços de depressão. Tolstói passa por uma reavaliação moral e espiritual de sua vida, que acaba ganhando adeptos, o chamado tolstoímo, um tipo de anarquismo cristão, pautado pela não vilência e por uma quase completa negação aos bens materiais. Para Vladimir Nabokov, a novela ilustra o pensamento do autor de que uma vida em pecados e excessos era uma morte moral, mas que não era impossível ter noção dessa vida não vivida e assim se sentir vivo novamente.

Ainda que trate da morte de Ivan e tenha inclusive a morte no título, a novela fala essencialmente sobre a vida. Ela nos leva a uma exploração praticamente metafísica sobre a causa da morte e as razões que nos levam e leva o personagem a ela, bem como o que significa, de fato, estar vivo.

Liev Tolstói

Liev Tolstói foi um escritor, novelista, ensaísta e filósofo e um dos grandes nomes da literatura russa e universal.

PONTOS POSITIVOS
Ivan Ilitch
Ilustrado e com extras
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS

Nenhum!


Título: A morte de Ivan Ilitch
Título original em russo: Смерть Ивана Ильича
Autor: Liev Tolstói
Tradutor: Lucas Simone
Editora: Antofágica
Ano: 2020
Páginas: 312
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Eu não sabia, honestamente, o que esperar dessa leitura quando comecei. Admito que por um momento pensei que a leitura seria chata, pois o começo é um tanto lento. Mas depois que passa do meio, o livro engata e você não quer parar de ler, enquanto acompanha a agonia de Ivan. No fim foi uma leitura melancólica e ainda assim incrível. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

MARAVILHOSO!

Até mais! ⚰

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Sabe quando você termina de ler um livro e tem uma espécie de "epifania", um "click sobre determinado tema? Foi isso o que Ivan Ilitch e Tolstói me proporcionou. É um dos livros da minha vida!

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    1. Admito que fiquei surpresa por curtir a novela, achei que não fosse gostar, mas cheguei no final totalmente fisgada! ♡

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  2. Muito bom ver resenhas suas sobre obras clássicas. Quando li tolstói e depois Dostoiévski, que se tornou meu escritor favorito, os temas são universais e atemporais que me trazem a sensação de ver o mundo por mais um angulo, mas também de que apesar dos avanços tecnológicos somos permeados pelas mesmas questões psicológicas, sociais e econômicas. Quando li crime e castigo, eu estava na Universidade com problemas para pagar a mensalidade, a Rússia do passado pareceu o meu presente. Claro, sem os percalsos do personagem. Abraço.

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  3. Eu terminei esse livro hj, a mesma edição perfeita da antofagica e que LIBRO, que perfeição. Fiquei uns minutos refletindo. Um dos preferidos!

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