Resenha: A Trança, de Laetitia Colombani

A Trança foi uma grata surpresa. Sabendo apenas que está sendo adaptado para o cinema e que foi um fenômeno de vendas, comecei a leitura sem muita expectativa e me vi incapaz de parar de ler e de acompanhar a vida de três mulheres em pontos distantes do planeta, que não se conhecem, mas que estão conectadas pela mesma sede de liberdade.

Este livro foi uma cortesia da editora Intrínseca

O livro
Três mulheres, uma na Índia, uma na Itália e outra no Canadá estão interligadas. Começamos a jornada por Smita, uma jovem mulher indiana cujo trabalho é recolher merda na casa dos jats (agricultores). Isso mesmo que você leu. Smita é dalit, a mais baixa no sistema de castas do hinduísmo, considerados intocáveis. A constituição indiana de 1947 proibiu o sistema de castas e a discrminação, mas na prática pouca coisa mudou. Smita nunca aprendeu a ler ou a escrever, assumindo o ofício da mãe, e não quer que sua filha tenha o mesmo destino. Sua filha vai para a escola.

Resenha: A Trança, de Laetitia Colombani


A segunda é a italiana Giulia, que trabalha no ateliê da família, uma fábrica especializada em perucas artesanais que há anos é gerida por seu pai. Quando ele sofre um acidente e Giulia se vê responsável pelo ateliê, a verdade vem à tona sobre o futuro do negócio da família: eles estão falindo. E a terceira é Sarah, uma advogada canadense com uma carreira estável e muito bem-sucedida, prestes a assumir o posto dos sonhos no escritório em que trabalha. Mas para chegar lá Sarah abriu mão de muita coisa, principalmente o convívio com os filhos e ao descobrir que está gravemente doente, se verá obrigada a escolher o que é mais importante.

Por que falar destas três mulheres em mais detalhes? Porque sem entender suas vidas e seus dilemas, não dá para entender como estão interligadas e como se relacionam com o título do livro. Quando começamos a leitura não entendemos exatamente o que vai levar essas mulheres a se conectar. É preciso mergulhar em suas vidas e andar sobre seus passos para entender. Existem momentos parar rir e aqueles em que você quer chorar de tanta raiva porque o mundo continua uma merda para tanta gente.

As partes de Smita e de Sarah são particularmente revoltantes. O fato de nascer dalit sela o destino de uma pessoa e ela não só é desencorajada a tentar mudar de vida como também pode ser morta por ser dalit. Tentar ajudar um dalit também pode levar alguém a ser punido com severidade. E se um estrangeiro se compadece da situação de um dalit, alguém de outra casta vai tentar proibir, afinal "é o carma da pessoa e você não deve atrapalhar". É de fato revoltante. Quanto a Sarah, as escolhas delas foram feitas em um mundo que não foi criado para mulheres que sejam mães e profissionais. Ela precisava ocultar seus filhos de seus chefes de forma a ser lembrada como a advogada impecável e não como uma mulher.

Não é ela que está doente, a sociedade inteira é que precisa ser tratada. Essa sociedade que vira as costas para os mais fracos, que deveria proteger e acompanhar, como a manada deixa para trás os velhos elefantes, condenando-os a uma morte solitária.

Página 176

A jornada de cada uma traz pontos em comum: a resistência a um sistema injusto, a esperança de um amanhã melhor, a raiva contra as adversidades impostas por uma tradição desigual, como o fato de serem mulheres numa sociedade que não foi feita para nós, que ignora as demandas femininas. Cada uma a sua maneira encontrou formas de lutar a este sistema na esperança de encontrar um lugar no mundo. Não é basicamente o que fazemos todos os dias? Essa luta interna das personagens faz com que seja muito fácil se identificar com elas, de querer abraçá-las e caminhar ao seu lado.

Senti que a jornada de Smita ficou um tanto aberta no final. Gostaria de ter visto uma resolução para ela tal como houve para Giulia e Sarah. Ainda assim foi gratificante acompanhá-las. A escrita é fluída e muito fácil de acompanhar, ainda que a autora descreva situações horríveis demais para aceitar. A autora soube entrelaçar as vidas dessas mulheres em pontos tão distantes do blogo de maneira muito hábil, se valendo das injustiças, da misoginia, do desrespeito, mas também da esperança, da resiliência e da vontade de lutar pelo o que é melhor.

A edição da Intrínsinca está muito bonita, em capa dura e pintura trilateral dourada. A tradução ficou na mão de Dorothée de Bruchard e está ótima. Não há problemas de revisão ou diagramação no livro.


Obra e realidade
Li alguns comentários de leitores sobre o livro e de como a autora teria exagerado na representação do universo vivido por Smita. Na verdade a autora mostrou apenas uma fração do que um dalit é obrigado a viver num país que aboliu as castas, mas continua praticando-as no dia a dia. Aguns dalits se convertem ao budismo ou ao cristianismo na esperança de fugir de uma vida de perseguição, mas o sistema de castas é tão enraizado na sociedade indiana que em igrejas cristãs é possível ver dalits cristãos se sentando ao fundo e brâmanes cristãos na frente.

Ainda que hoje existam leis de cotas para o ingresso nas universidades e em empresas, no Parlamento e nas Assembleias de Estado, é muito difícil mudar um sistema milenar que justificava a separação das pessoas. Já houve casos de pais protestarem contra a presença de cozinheiros dalits nas escolas, alegando que a comida das crianças ficaria impura. Pessoas que se casem com companheiros fora de sua casta costumam enfrentar o preconceito da família. E a morte de dalits por espancamento, além do estupro, são muito comuns. Não, Colombani não inventou nada, apenas descreveu uma pequena porção do que eles precisam enfrentar.

Laetitia Colombani


Laetitia Colombani é cineasta, roteirista e atriz. A trança é seu livro de estreia e se transformou em um fenômeno na França, onde vendeu mais de 1,4 milhão de exemplares, e emocionou leitores de mais de 30 países. O livro está sendo adaptado para o cinema.

Pontos positivos
Personagens bem construídos
Bem escrito
Histórias interligadas
Pontos negativos

Violência

Título: A Trança
Título original em francês: La Tresse
Autora: Laetitia Colombani
Tradutora: Dorothée de Bruchard
Editora: Intrínseca
Páginas: 208
Ano de lançamento: 2021
Onde comprar: na Amazon!
Avaliação do MS?
Para quem pegou o livro sem nenhuma pretensão, foi uma grata surpresa ser fisgada da forma que fui. Não conseguia parar de ler, completamente perdida nas jornadas dessas mulheres tão apaixonantes e determinadas. O livro te deixa com um pouco de esperança, ainda mais no momento em que vivemos. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!



Até mais!

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