Resenha: Menino de ouro, de Claire Adam

Este livro não é uma leitura fácil e ainda assim você não consegue deixar de virar as páginas para chegar ao final. Claire nos leva através do enredo por uma montanha-russa de emoções em uma Trinidad e Tobago dos anos 1980, onde acompanhamos uma família pobre que faz de tudo pelo futuro dos filhos.

O livro
A premissa do livro é enganosamente simples. Acompanhamos a vida de uma família da periferia nos arredores de Port of Spain, os Deyalsingh, de origem indiana, que luta para dar a melhor educação que pode para seus filhos gêmeos, Peter e Paul. Nós começamos o livro descobrindo que Paul saiu de casa à tarde e não voltou mais. Seu pai, Clyde, um homem endurecido pelas condições de vida, um trabalhador que chega tarde em casa para garantir o sustento de todos, sai para procurá-lo. A partir daí, a autora vai e volta no passado, nos mostrando os bastidores de toda essa situação dos Deyalsingh.

Resenha: Menino de ouro, de Claire Adam


Os Deyalsingh moram em uma casa humilde, onde os cães cuidam da segurança da família. O bairro é perigoso, desasistido pelo poder público e a mãe dos meninos gostaria de se mudar para a capital, Port of Spain, para viver em um lugar melhor. Entretanto, Clyde não quer sair da casa construída por seu pai, nem tem condições de se manter em Port of Spain. Ele está apostando no futuro do filho Peter, um prodígio, que tira as maiores notas da ilha. Se ele conseguir a medalha de ouro em uma prova do sistema educacional, conseguirá uma bolsa para algumas das melhores universidades do exterior.

E aí tem Paul. O nascimento dos meninos não foi fácil e o obstetra acredita que Paul terá dificuldades de desenvolvimento, podendo inclusive sofrer algum retardo. É preciso pontuar que a autora usa termos e expressões que hoje não são consideradas adequadas nem corretas, mas que na época faziam parte da terminologia médica. Assim, Paul cresce acreditando ser retardado, mas nem todos acreditam nisso. O padre que se comprometeu em dar-lhe algumas aulas particulares acha que ele pode aprender tão bem quanto o irmão, apenas precisa de mais paciência. Paul tem um olhar mais onírico do mundo e carecia de um outro tipo de ensino que ninguém na ilha poderia lhe fornecer. Na verdade, boa parte do seu problema é ansiedade e timidez, talvez até dislexia, mas não retardo.

Comentei que é um enredo enganosamente simples, mas Claire não vai facilitar para nós. Nada aqui é tão simples. O livro não é sobre uma criança desaparecida, mas sobre a responsabilidade envolvendo a paternidade. Mais do que isso, é também sobre o peso da pobreza e da falta de expectativas, da violência e da desigualdade social ao longo de uma vida. Claire esfrega esse dilema na nossa cara, deixando-nos com um gosto amargo ao final da leitura, pensando em como você agiria se estivesse no lugar daquele pai e como é fácil julgar quando se vê de fora.

Clyde comete erros na educação dos meninos, é claro. Ele ameaça enviar Paul para um lugar que recebe "alunos retardados" e essa ameaça paira sob a cabeça do menino durante toda a sua vida. Peter, por sua vez, tem a responsabilidade de sempre cuidar do irmão, inclusive por insistência da mãe, que bate nessa tecla o tempo todo, como se o brilhantismo de um pudesse contaminar o outro magicamente. Mas também percebemos o esforço diário desse pai para manter a família pobre. E o desaparecimento de Paul mostrará seu esforço, mas também o terrível dilema moral que lhe será imposto. Ele pode dar uma ótima oportunidade para um dos filhos ou pode dar para os dois?

Existem dois tipos de homem no mundo, Clyde pensa, dois tipos de pais. Um deles trabalha duro, traz todo o dinheiro para casa e entrega para sua mulher gastar com a casa e as crianças. O outro tipo não faz isso. E ninguém pode escolher que tipo de pai terá. É simples assim.

Fiquei dias digerindo o livro, porque é isso o que ele vai fazer com você, pensando em todas as vezes em que me identifiquei com os personagens. Só consegui ir para uma faculdade porque consegui bolsa de estudos e contava moedas para pagar o ônibus ou as inúmeras xerox das leituras da semana. Não é difícil para a maioria de nós se colocar no lugar desses pais e a difícil tarefa de sobreviver quando se é pobre. Clyde teve que guiar suas escolhas ao longo de uma vida de trabalho duro e pouco retorno, apostando no futuro do filho que tinha as notas mais altas. Quantos pais não fizeram o mesmo?

A narrativa de Claire às vezes pode ser dura, até mesmo monótona em alguns momentos. Mas ela explora com eficiência os sentimentos e pensamentos da maioria dos personagens. Já o menino de ouro do enredo, Peter, carece de algumas linhas sobre seus próprios pensamentos. Ele acaba eclipsado pelo sumiço do irmão e não sei se foi ou não intencional da autora, como se ele estivesse ali apenas para cumprir uma sentença social. Faltam algumas observações suas, que são bem breves.

Li o ebook, não o livro físico, mas não encontrei problemas de revisão ou diagramação, nem problemas de tradução, que ficou na mão de André Czarnobai e está muito boa.


Ficção e realidade
É possível traçar diversos paralelos com a realidade brasileira através dessa leitura. Muitas famílias apostam tudo no futuro dos filhos como uma forma de subir de vida e ascender na pirâmide social. O Brasil é o segundo pior país em mobilidade social em um ranking entre 30 países. São necessárias nove gerações para que os descendentes de um brasileiro entre os 10% mais pobres atingissem o nível médio de rendimento do país. Perdemos apenas para a Colômbia, onde se levam 11 gerações. A educação básica pública de má qualidade e a dificuldade de estudar em universidades federais e estaduais também veta o sonho de muitos jovens de ir para a faculdade, pode não terem condições de pagar as mensalidades, perpetuando o ciclo de empregos de baixa remuneração entre a família.

Claire Adam


Claire Adam é uma escritora natural de Trinidad Tobago, mas que hoje mora em Londres. Menino de ouro é seu primeiro livro.


Pontos positivos
Personagens bem construídos
Bem escrito
Thriller psicológico
Pontos negativos
Cena de abuso
Violência
Pode ser meio lento

Título: Menino de ouro
Título original em inglês: Golden Child
Autora: Claire Adam
Tradutor: André Czarnobai
Editora: Todavia
Páginas: 272
Ano de lançamento: 2021
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Não vou dizer que a leitura será fácil. Sei que para algumas pessoas o livro será parado. Mas para mim, Claire uniu duas coisas que geralmente não vemos em livros: um drama familiar bem estruturado com um thriller onde você se vê incapaz de parar de virar as páginas. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!



Até mais!

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