Resenha: From The Wreck, de Jane Rawson

Este é um livro que pode ser descrito como bizarro. Vindo na esteira de livros de monstros, é um livro de ficção científica, mas que se passa no passado, é uma versão alternativa da história oficial. A autora pegou um evento histórico famoso na Austrália e o transformou em uma narrativa gótica e instigante. Este livro foi premiado com o Aurealis Award de 2017 de Melhor Livro de Ficção Científica.

O livro
Nossa jornada começa com o incidente do SS Admella, um navio a vapor real que naufragou na costa de Carpenter Rocks, em 1859. O protagonista do livro, George Hills, é uma versão alternativa de um cavalheiro à bordo que é antepassado da autora. George de fato sobreviveu ao naufrágio, um dos poucos aliás, e foi encontrado nu, desidratado e faminto pelas equipes de resgate.

Resenha: From The Wreck, de Jane Rawson

Enquanto luta para sobreviver na água, George acaba fazendo amizade com uma jovem que também sobreviveu ao naufrágio. Os dois esperam por um resgate ou pela morte, o que vier primeiro. Nós acompanhamos a narrativa pelo olhar de George, de seu jovem filho Henry e de uma terceira figura que narra os eventos em primeira pessoa. Vários dias depois, George é resgatado, mas a moça a quem ele se agarrou para sobreviver, chamada Bridget, desapareceu.

O mistério desse desaparecimento vai perturbar a vida de George. Ele até tenta construir sua vida. George se casa, arranja um bom emprego, tem três filhos, mas as lembranças daqueles dias à deriva o assombram. O que aconteceu com Bridget? Ela foi uma simples alucinação devido à desidratação e ao trauma? George tem todos os sintomas de síndrome de estresse pós-traumático. É assolado por terríveis pesadelos, tem dificuldade para respirar e uma grande sensação de que não é mais uma pessoa, um ser humano. Ele sente como se seu verdadeiro eu tivesse ficado no mar.

No começo dessa leitura eu não sabia bem o que esperar. O livro tem um ritmo meio lento no começo, com frases às vezes rebuscadas, nos remetendo a textos vitorianos, mas essa impressão passa logo conforme o texto avança. Mas uma coisa é certa: esse livro não é o que parece. Você vai se pegar surpresa e emocionada em vários momentos, onde temos passagens sobre dor, sobre a vida, sobre perda e luto. George precisa lidar com esses sentimentos conflitantes enquanto vive sua vida, perturbado pelas lembranças daquela misteriosa mulher.

Essa mulher etérea que, às vezes, parece ser apenas uma invenção da imaginação de George é o fio condutor da narrativa. Conforme ela avança você pensa em mil cenários para o que Bridget é, mas a autora sempre afasta você da verdade, dando vislumbres da mesma para que você complete com o resto. Nas partes narradas pela Bridget há um certo estranhamento, um momento que parece fugir do tema do livro, afinal ela pode ser uma assombração, uma metamorfa, um fantasma, ela pode ser qualquer coisa e essa indefinição confude e até frustra às vezes. Essa mudança de narrativa entre os capítulos desnorteia quem está lendo e acredito que a ideia era essa mesmo.

Não posso passar desse ponto a respeito da figura da mulher, pois aí vou entregar spoilers. Apenas posso dizer que a autora brilhantemente incorporou um romance histórico com ficção científica e o resultado é um livro bizarro, mas ao mesmo tempo poético e bastante humano. É um livro que não deixa de lado aqueles mistérios cotidianos que todos esperimentamos de vez em quando. Ao contrário, o livro abraça tais mistérios e se alicerça em muitos deles para compor seu enredo. A autora soube usar o lado inumano muito bem e quando você chega na parte da revelação é EITA atrás de EITA. As coisas passam a fazer sentido e o final foi bem positivo para todos.

Muitas criaturas são maiores do que nós e muitas têm mais dentes. Porém fomos feitos para pensar, para criar, para falar. Podemos caber em qualquer espaço. Podemos mudar para qualquer forma. E é isso o que éramos e o que fazíamos: não lutávamos contra os outros para sermos maiores, mais ferozes, mais dentuços. Éramos de fato nós.

(tradução livre)

É preciso elogiar essa bela capa que revela uma parte do enredo relacionada à figura misteriosa de Bridget. Sem contar que é lindíssima, com um efeito em 3D onde os tentáculos parecem ser capazes de nos arrastar para dentro do livro. Li a edição britânica em ebook, mas adoraria ver esse livro traduzido em português, pois foi uma viagem psicodélica e transcendental se posso chamar assim.

Obra e realidade
A sensação de inquietação e familiaridade que livro passa se escoram bastante no fato de que o naufrágio do SS Admella de fato aconteceu. O Admella era um navio a vapor que ia de Adelaide, Melbourne e Launceston (daí o nome AdMelLa com as iniciais das cidades). Em 6 de agosto de 1859 ele se chocou contra os recifes de coral e naufragou. Em menos de 15 minutos, o navio se partiu em três e jogou os passeiros na água e contra os recifes. Depois de dois dias no mar, dois sobreviventes nadaram até o farol de Cape Northumberland, onde os faroleiros passaram um telégrafo informando sobre o naufrágio. Presos nos recifes de coral e longe da costa, os sobreviventes começaram a definhar de fome, sede e exaustão.

Jane Rawson

Jane Rawson é uma escritora e ambientalista australiana, nascida em Canberra.

Pontos positivos
Protagonista feminina
Baseado em fatos reais
Criativo e bem escrito
Pontos negativos
Não tem em português
Meio devagar
Preço

Título: From The Wreck
Autora: Jane Rawson
Editora: Picador
Páginas: 269
Ano de lançamento: 2019 (na Inglaterra)
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
Apesar de ter um começo lento, foi uma leitura instigante, misteriosa, por vezes alucinante. Você quer tanto descobrir a verdadeira identidade da misteriosa mulher e saber se os eventos aconteceram como de fato George se lembra que não consegue parar de virar as páginas. Se você curte enredos de ficção científica e mistério, esse é um prato cheio. Quatro aliens para o livro e uma recomendação para você ler também!




Até mais! 🐙

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Comentários

  1. No inicio quando vi apenas a sinopse fiquei com medo porque lembrei de quando tentei ler Vinte Mil Léguas Submarinas e nunca mais saí do começo, hehe, mas sua resenha mostrou muito bem o quão diferente é (só assimilei pela temática da ~água, acho). E REAL, que capa linda!

    Limonada, blog pessoal
    Suvenir Literário, blog sobre livros
    Projeto Rata de Biblioteca

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