A Covid-19 pegou o mundo despreparado, mas não foi por falta de aviso. A comunidade médica avisa sobre a possibilidade de uma pandemia há décadas e cobrava ações mais enérgicas dos governos para lidar com doenças infectocontagiosas. Intrigadas com as idiossincrasias relacionadas ao novo coronavírus, as historiadoras Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling decidiram investigar a pandemia de gripe espanhola de 1918 de maneira a encontrar respostas que pudessem nos ajudar no presente.
O livro
A Primeira Guerra Mundial destruiu a visão otimista que muitos tinham a respeito do século XX. Foi um conflito sujo, que adotou algumas das tecnologias avançadas da época e que foi a responsável por destruir impérios e criar novos Estados. Mas no final da guerra, em 1918, uma nova personagem entraria no palco mundial de desastres: a gripe espanhola, a influenza, a doença bailarina, que levou esse nome por dançar e pular de pessoa em pessoa. Embora o surto de influenza tenha durado cerca de dois anos, a maioria das mortes, dois terços delas, ocorreu em um período de seis meses. Desses dois terços, mais da metade delas ocorreu entre meados de setembro e começo de dezembro de 1918. O saldo mundial: entre 20 milhões e 30 milhões de mortos, com algumas estimativas chegando a 50 milhões.![Resenha: A bailarina da morte, a gripe espanhola no Brasil, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling Resenha: A bailarina da morte, a gripe espanhola no Brasil, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnIkeh42_zDj7oRc98ZKbepD2_5eTo3uJkg30b53KvF5etBn_all0InSbRXfxp7s1rD6UqcZMXZ8QpA_u1mbS4tpwjTPtzHTPsDq8_eeN6NfmGV3NTG-08shq_ujwfMomwhkDi_gMm-_o/s1600/resenha-a-bailarina-da-morte-de-lilia-moritz-schwarcz-e-heloisa-murgel-starling.jpg)
O livro analisa a situação da gripe espanhola em diversas capitais do Brasil. Infelizmente, em alguns casos, as autoras não conseguiram encontrar dados a respeito e precisaram estimar, mas a situação foi avassaladora. Existem outros livros a respeito da gripe espanhola e sua mortandade, sua virulência, mas A Bailarina da Morte é importante por falar do nosso cenário e de como existem muitas semelhanças entre o que aconteceu em 1918 e 2020.
Fechamento de espaços públicos como teatros, fábricas e lojas, escolas e repartições públicas, estímulo ao isolamento social, desinfecção de ruas, casas e edifícios, tudo isso foi tentado em 1918. E também havia os mitos, as mentiras, as crendices que vendiam remédios que em nada ajudavam na gripe, falta de saneamento básico, políticas de saúde praticamente inexistentes, negacionismo de políticos e médicos. Ao ler A Bailarina da Morte você tem a forte sensação de já ter visto esse filme, a diferença é que agora você é protagonista de uma das maiores crises sanitárias da história humana. As autoras encurtaram o tempo entre 1918 e 2020 para nos mostrar que, basicamente, nada mudou.
Existem também aqueles que procuram colocar a economia na frente da saúde, abusando de argumentos ditos nacionais, animando o movimento das ruas e desprestigiando o exercício das autoridades médicas.
Página 175
As autoras reviraram jornais e periódicos da época, bem como tiveram acesso à pesquisa científica produzida sobre o período e foi um trabalho impressionante, pois o livro foi elaborado, escrito e publicado nos meses da quarentena. A história da pandemia de 1918 também se misturou com a história política, social e financeira do país. Não faltaram políticos minimizando a doença, chamando de "gripezinha" mesmo naquela época. Jornais, como O Estado de São Paulo, minimizaram as recomendações médicas e publicavam notícias que minimizavam o perigo da nova gripe. Em várias capitais pelo país, médicos negaram que essa nova gripe fosse de qualquer maneira diferente das outras. Mas nas madrugadas era possível ouvir o incessante martelar de caixões nas funerárias...
Além de analisar a situação das capitais, as autoras também traçaram o caminho que a doença fez pelo Brasil, onde foi disseminada, principalmente, pelos portos, falando inclusive sobre o navio a vapor Demerara, considerado o principal responsável pela disseminação da influenza no país e que aportou no Recife, em setembro de 1918, trazendo a doença. Curiosamente, mesmo sabendo haver pessoas doentes a bordo, elas não foram desimpedidas de desembarcar em vários portos. Há também todo um capítulo sobre um mito que ainda perdura nos dias de hoje: a morte do presidente Rodrigues Alves e como ela não tem relação com a influenza.
O vírus atingiu todas as regiões brasileiras, começando pelas cidades do litoral e varrendo o interior nos próximos meses. Carroças passavam pelas ruas retirando corpos, enquanto casas funerárias sofriam com a falta de caixões e cemitérios com a falta de coveiros, que caíram doentes. Beberagens, benzas e tônicos eram vendidos como curas milagrosas e tratamentos precoces para a gripe, principalmente o quinino, remédio indicado para a malária e que pode causar reações adversas perigosas se administrado sem controle. PARECE FAMILIAR?
Não havia ministério da saúde em 1918. Não havia o Infogripe, nem conhecimento avançado sobre vírus. Não havia campanhas nacionais de vacinação nem o SUS. O mundo de 1918 foi pego de surpresa pela virulência da influenza. Era para as nações terem aprendido com a experiência e criado protocolos e condições para agir rapidamente em uma pandemia nova. Mas tal como em 1918, a história se repete com políticos oportunistas que desvalorizam a vida da população e ainda sustentam mentiras diárias a respeito de medicamentos que em nada ajudam no tratamento de Covid.
O livro não foca, necessariamente, nos sintomas da gripe espanhola, ele trata do enfrentamento da doença, ou a falta dele, no país. Você não é chocada o tempo todo com os terríveis sintomas da doença. As autoras mencionam sim no começo o que ela fazia, mas não o repetem com frequência. A influenza era bastante violenta, causando sangramentos, febres altas e dores violentas pelo corpo. O dano aos pulmões era severo e era comum haver relatos de pessoas com lábios e pontas dos dedos azuis pela falta de oxigênio. Uma pessoa podia entrar de manhã em um hospital e no começo da noite morrer se afogando fora d'água.
O livro pode parecer repetitivo durante a leitura, mas é porque a catástrofe no enfrentamento da gripe espanhola se repetiu nas capitais. A leitura foi tranquila e há muitas fontes no final para consultas adicionais. A obra está bem revisada e diagramada e não encontrei problemas de revisão nele. O miolo tem algumas imagens em preto e branco de laudos médicos, cartuns, artigos de jornais e algumas fotos.
Obra e realidade
Gosto muito do capítulo de concluiu o livro, pois as autoras reiteram a necessidade de defendermos o SUS. Ao longo da leitura, as autoras reiteraram como devemos nos preparar melhor para situações como a atual, como devemos evitar ver a sociedade a partir da nossa visão particular e pensar mais no outro e, principalmente, defender o SUS. O Sistema Único de Saúde tem sim problemas, mas perdê-lo seria um crime contra os direitos humanos. Seria a barbárie, como diz o Dr. Dráuzio Varella. Consegue imaginar como foi em 1918, sem SUS, sem ações coordenadas de saúde, com pessoas morrendo pelas ruas?Há fortes críticas também ao governo federal brasileiro e sua completa ineficiência, ignorância e inaptidão para lidar com a Covid-19. O governo federal adotou como projeto a morte dos cidadãos ao negar a existência, o perigo e os riscos do novo coronavírus. Mal posso esperar para ler o que os futuros livros analisando 2020 dirão sobre a atuação dessa corja na pandemia.
![Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDxWCbBhqrq_imdLDdBPqBSmBrZbRX9mHk_WVhRY01y_96XTBuYq5RBLzdtfflKAEo-FnFZwabZeAhDtIGra1y-E-6Do1QPbw4nM0wfWk0k8Adfs6uHyS0JewpOMphyphenhyphenkH0IXrQF4VSaP4/s1600/lilia-moritz-schwarcz-e-heloisa-murgel-starling.jpg)
Lilia Katri Moritz Schwarcz é uma historiadora e antropóloga brasileira. É doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo e, atualmente, professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na mesma universidade. Em 2010, recebeu a comenda da Ordem Nacional do Mérito Cientifico. Heloisa Murgel Starling é uma historiadora e cientista política brasileira, professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Sabemos, porém, que a humanidade é teimosa na hora de aprender com o passado. Normalmente opta por repetir comportamentos. É o que Susan Sontag chama de ❝doença como metáfora❞: a maneira como o senso comum prefere se apegar a irracionalismos, afastar-se das descobertas científicas e castigar as vítimas com o peso de uma culpa injustificável.
Página 35
Pontos positivos
PesquisaBem escrito
Investigação
Pontos negativos
Pode parecer repetitivo em alguns momentosAvaliação do MS?
![Essencial!](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBMoIMl_sSx65I-NB_HY6B1tERmuvbZsb1YKNtWsASECPozXDE3Q_qjnwkc8gqMCoGoqUmCVsMzqB8TDG9IfD0KzJ5E231JpizK9gOJ2m6K8AQAEmCppE5wLQKx5vatFvhXeQCoelRkoQ/s170/essencial.png)
Até mais!
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Amei! Escrita maravilhosa! Sucesso!
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