A eterna questão dos clássicos na escola

Um tempo atrás eu vi um meme lá na Outra Rede Social, que falava sobre apresentar ou não os clássicos na escola (o meme defendia que não). Eu sei bem como é que a garotada recebe os grandes clássicos de autores brasileiros no ambiente escolar: ela não gosta. Já vi livros rabiscados e jogados no lixo, vi caixas de projetos literários sendo devolvidos pelos alunos e mais de uma vez pedi para não jogarem as obras no lixo, que apenas devolvessem caso não quisessem. Essa é a prova de que os alunos não gostam de ler, certo?

NÃO, NÃO É.

A eterna questão dos clássicos na escola

Uma vez, na escola em que eu trabalhava, os alunos do ensino médio estavam recebendo uma caixinha com três livros dentro. Eram obras de autores clássicos e algumas como crônicas de autores contemporâneos. Vi alguns desses livros no lixo, rabiscados e assim que entrei numa sala, vi os alunos tirando sarro daqueles livros, dizendo que não conseguiam entender o que aqueles autores falavam. Além disso, se perguntavam por que o estado mandava aqueles livros e não coisas mais novas para eles lerem.

Eu parei um tempo da minha aula para explicar a eles a questão dos direitos autorais, do domínio público e que aqueles livros tinham seu valor, ainda que eles pudessem achar chato. Perguntei sobre as caixas, se elas seriam usadas em algum projeto literário e eles me disseram que não. E então pedi que eles devolvessem caso não quisessem a caixa ao invés de jogar no lixo, pois aqueles livros tinham um custo. Felizmente todos aqueles que não quiseram a caixinha devolveram e não vi mais livros no chão ou no lixo.

Agora vamos pensar aqui um instante: o governo mandou livros novos, em caixinhas e eles foram parar no lixo. Nenhum professor de Língua Portuguesa na escola pensou em um projeto para eles. Nenhum deles explicou o motivo de entregar tais caixas aos alunos. Os alunos, que nunca estudaram numa escola com projetos literários, bibliotecas ou salas de leitura, que não viam a literatura de que gostavam sendo valorizada pelos próprios professores, não entendiam o valor de tais livros para a literatura e jogaram fora. Tem alguma coisa fora de lugar aqui.

Lá na ORS eu também li um escritor questionando onde que a leitura deveria ser fomentada, se era em casa ou na escola. Para mim é na escola. Eu não vim de uma casa de leitores ávidos, nem tínhamos biblioteca em casa. Mas meu colégio nos apresentou à biblioteca ainda na 2ª série, nos ensinou como pegar livros, como devolver, como fazer a carteirinha, como utilizar as dependências da biblioteca e a importância do trabalho do bibliotecário. Nossos professores tinham projetos em conjunto com a biblioteca e líamos um livro por bimestre, fazendo a discussão depois. Eu tive fomento à leitura e também à escrita algumas séries adiante.

Meus alunos do ensino médio adoravam ler. Eu os via sentados no pátio comendo a merenda, repassando livros entre si. Eles faziam vaquinha e compravam uma edição que rodava na mão de todos do grupo e depois eles mesmos discustiam entre si. Mas a professora de Língua Portuguesa deles achava que o que eles liam não prestava, então só trabalhava com clássicos, que os alunos não conseguiam compreender por conta da linguagem rebuscada e fora de moda dos autores. Por mais que eles compreendessem a importância de Machado de Assis, não conseguiam interagir com o livro e nem com o enredo. Era como uma caixa preta inviolável e isso os fazia sentir que ler não era para eles.

Quando eu fiz o ensino médio, os clássicos nos foram apresentados. A reação aos textos foi um tanto parecida com a dos meus alunos, mas nós conseguimos ler e interpretar os textos, fizemos trabalhos e projetos com eles. Entretanto, eu estava em um colégio que tinha um projeto literário desde as séries iniciais. Quando chegou o momento de ler os clássicos, nós estávamos preparados (por mais que tenhamos achado um saco). Lemos Machado de Assis, Gil Vicente, Miguel de Cervantes, José de Alencar e Camões. Conseguimos trabalhar com eles e nunca jogamos um livro no lixo.

Meus alunos nunca tiveram isso. Estudaram em escolas geridas por um sistema falido que não equipa suas escolas com o mínimo necessário. Escolas sem papel higiênico, sem material básico de trabalho como papel, giz ou computadores. Em algumas falta merenda. Faltavam professores e os que estavam na escola não eram motivados pela falta de um salário decente e de um projeto de carreira, que é basicamente inexistente. Depois de tudo isso, algum gestor da educação achou que seria interessante enviar livros para as escolas de ensino médio sem haver nenhum projeto, hábito ou cultura literária para se trabalhar com eles. Foi o mesmo que jogar no lixo.

Trocando em miúdos, a questão não é apresentar ou não os grandes mestres da literatura nas escolas. A pergunta que se deve ser feita é: os alunos estão com bagagem literária suficiente para trabalhar com esses textos? E a resposta óbvia é não, claro que não estão. Eles não têm bagagem para trabalhar nem com as disciplinas, já que falta professor, falta material, falta laboratório, falta biblioteca, que dirá com livros com uma linguagem rebuscada e distante da vivência deles. E jogando esses livros no ensino médio, achando que, por algum milagre, eles se tornarão leitores do dia para a noite é incinerar pilhas e pilhas de dinheiro público em projetos furados.

Os alunos já são leitores. Mas a leitura que eles gostariam de discutir não chegou na mesa do professor que, muitas vezes, tem preconceito com a literatura juvenil ou mal consegue pagar as contas para poder se inteirar da literatura para jovens adultos. Esse professor cansado e estressado por trabalhar em várias escolas, desvalorizado e visto como inimigo pela sociedade, vai fazer o trabalho dele com as ferramentas disponíveis, que são poucas. Os revezes são vários e todos estão contra a educação.

Fomentar a leitura é o trabalho de gerações de leitores. Não é só uma questão de apresentar ou não o clássico nas escolas, mas criar um costume de leitura, de dar aos alunos e professores os meios para intergir e ter acesso a ela. Simplesmente jogar os livros e deixar os alunos se virarem não funciona.

Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Lembro quando uma professora de literatura, no meio de todos aqueles clássicos, nos pediu para ler Drácula de Bran Stoker, e depois ela fez um teatro diferente, interativo entre nossa turma e o resto da escola (basicamente era nós, vestidos de vampiro, assustar as outras turmas hahah)

    Eu já gostava de ler, por osmose dos meus pais (e, depois, percebi que o maior incentivo a leitura para uma criança é um pai ou mãe que lê).

    Mas depois do Drácula, comecei a prestar mais atenção na professora, que me pareceu alguém legal. E reparei que vários amigos meus que mal liam Turma da Mônica, me pediram livros emprestados.





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  2. Olá! Sou professora e seu texto foi um alento. Gostei muito.

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