Este livro foi uma grata surpresa. Comecei meio com pé atrás, pois a narrativa é lenta e bastante introspectiva, dependendo dos diálogos dos personagens para construir o universo imaginado pelo autor. Publicado em 1980, é impressionante o quanto o livro se mantém atual em suas críticas e em sua análise da humanidade.
O livro
O enredo é narrado por três personagens: Spofforth, Mary Lou e Paul Bentley. Spofforth é um robô do tipo 9, o mais avançado que existe, mas ele quer cometer suicídio. Sua programação, entretanto, não permite. Uma técnica avançada copiava todos os padrões neurais de aprendizado de um ser humano e os copiava no cérebro de um robô, mas tal técnica só fora usada para os robôs do tipo 9. Os anteriores não tinham a desenvoltura e perspicácia desse último modelo. Eram bem tontos na verdade.Spofforth impõe respeito por onde passa. A humanidade vem definhando, deixando todas as decisões para os robôs. A família foi abolida e as pessoas perambulam pelas ruas dopadas por coquetéis de psicofármacos para mantê-las mais calmas. É um mundo onde não existe leitura, escrita, arte, crianças e a existência é tão insuportável que imolações públicas são frequentes. Este mundo vazio do futuro foi se desenhando aos poucos, conforme os robôs surgiram e no fim eles tomaram conta do mundo.
É neste mundo que vive Paul, um professor universitário que (re)descobre a leitura, os livros e todo um incrível mundo que o aguarda por entre as páginas e palavras. Seu universo simplório e provinciano muda quando ele conhece Mary Lou, uma mulher que mora no zoológico (todos os bichos são robóticos) e esteve fora do radar dos robôs por muito tempo. Ela mostra a Paul que os robôs foram feitos para servir à humanidade e não o contrário e que basta tratar os robôs como as máquinas que são que as pessoas seriam muito mais felizes.
Esse encontro entre os dois mudará a vida dos três personagens. O que começou como um incidente no zoológico dispara uma série de eventos que vai mudar a vida, principalmente de Paul, um sujeito com o qual eu não consegui simpatizar no começo, mas que depois cresce ao longo da leitura. Se de início achei os personagens meio caricatos e vazios, entendi no final que a intenção do autor deve ter sido essa, pois eles eram mesmo vazios, caricatos e superficiais, vivendo uma vida dopada e de mentiras.
Por que não conversamos uns com os outros? Por que não nos agrupamos para nos proteger do vento frio que sopra nas ruas da cidade?
Página 122
A partir do momento que eles aprendem a ler e redescobrem os livros, começam a compreender uma série de coisas sobre o mundo que antes tinham como certas. Ensinava-se, por exemplo, que o sexo às pressas era o melhor tipo, mas Paul e Mary descobrem que o contato prolongado e com sentimentos é muito mais prazeroso e envolvente. Diziam que as pessoas não deviam olhar nos olhos umas das outras, a fim de não violar leis de privacidade, mas a falta do contato com as pessoas podia alienar uma pessoa e torná-la insensível. Isso é mais do que real se olharmos para o nosso contexto de quarentena e de distanciamento social.
O que parece ser uma informação aleatória do começo do livro começa a se encaixar quando chegamos perto do final. Por exemplo, sabemos que o mundo vem definhando, que a raça humana está entrando em extinção. Quando chegamos perto do final descobrimos o que de fato estava acontecendo e como deixar nosso mundo sob o comando das máquinas foi o estopim do fim do mundo, um fim que não veio com bombas, fogo e radiação, mas com drogas e depressão.
A leitura flui um pouco devagar, mas se me incomodou no começo, depois eu peguei o jeito e segui o baile. É mesmo uma leitura mais introspectiva, que demora mais para ser digerida e acredito que a ideia do autor era mesmo fazer com que as ideias fossem se encaixando aos poucos. Eu já li outro livro do autor, O homem que caiu na Terra, lançado pela DarkSide, mas admito que este aqui acabou me agradando mais.
A revisão do livro deixa muito a desejar. Tem erros bobos de português básico, o que faz parecer que a revisão foi feita de maneira apressada. Espero que para uma segunda edição a editora resolva os problemas. A tradução foi de Alexandre Barbosa de Souza e está boa, mas novamente, a revisão deixou a desejar, então aparecem termos mal colocados aqui e ali que deveriam ter sido resolvidos na última etapa. O projeto gráfico das capas da Rádio Londres é bem legal. Ao olhar para a capa você já sabe de onde o livro veio.
Ler vai colocá-lo muito perto dos sentimentos e das ideias dos outros. Vai perturbá-lo e confundi-lo.
Página 86
Ficção e realidade
Ainda que na época de Tevis não existisse smartphones, tablets ou redes wifi e bluetooth, o autor soube descrever um futuro que nos parece bastante familiar. É possível usar a força do pensamento para pedir um ônibus, por exemplo. Mas toda a tecnologia deste mundo se resume basicamente aos robôs, que assumem o arquétipo da tecnologia que rouba nossa humanidade. As pessoas sentam para comer numa cafeteria, mas não conversam entre si, dopadas e entretidas com as drogas que lhes são dadas, algo parecido com uma mesa cheia de gente, cada uma em seu celular, sem conversar.O que o livro deixa bem evidente é que a tecnologia não é a inimiga da humanidade, mas se for mal usada, ela pode nos dominar e tirar o que é humano de nossa sociedade. Na verdade, qualquer tecnologia mal usada é um perigo. Elementos radioativos são essenciais para a medicina, mas se forem colocados numa bomba, se tornam destrutivos. A principal mensagem de Tevis, que nem chegou a ver tudo o que a tecnologia nos trouxe nos dias de hoje, é que não podemos deixar a tecnologia substituir nossa própria identidade.
Quando Tevis viu as quedas nos índices de leitura dos estudantes universitários norte-americanos nos anos 1970, ele ficou alarmado. Essa foi a principal motivação para a escrita de O imitador de homens. No fim, ele conseguiu fazer uma grande crítica não só à falta de leitura, mas também ao abuso da tecnologia e como ela tira nós mais do que pensamos.
Walter Tevis foi um escritor norte-americano, que teve três de seus seis livros adaptados para o cinema. Serviu na Marinha durante a Segunda Guerra Mundial e se formou na Universidade do Kentycky em Literatura Inglesa.
PONTOS POSITIVOS
Spofforth
Análise sobre tecnologia
Análise sobre a humanidade
PONTOS NEGATIVOS
Problemas de revisão
Problemas de tradução
Pode ser meio devagar
Spofforth
Análise sobre tecnologia
Análise sobre a humanidade
PONTOS NEGATIVOS
Problemas de revisão
Problemas de tradução
Pode ser meio devagar
Avaliação do MS?
Fico feliz quando um livro me pega de surpresa. Não esperava muito da leitura e no fim me vi de madrugada, pensando no final e nas implicações das mensagens deixadas pelo autor, que morreu em 1984. Espero que a leitura te pegue pelo pé do mesmo jeito que me pegou. Mas para isso acontecer você tem que ignorar os erros grotescos. Quatro aliens para o livro e uma sugestão para você ler também!Até mais!
Puxa, bem interessante a resenha, como várias vezes acontece, fiquei bem curiosa em ler o livro. Quando Walter Trevis fala que uma das razões para escrever esta história foi a queda nos índices de leitura, me lembrei de Bradbury, cuja motivação para Farenheit 451 foi o "vício em televisão" que estava se acentuando.
ResponderExcluirGosto das suas resenhas pois elas instigam.
Abraços!