Weyland-Yutani e capitalismo

Das grandes e malvadas empresas de enredos de ficção científica, talvez a Weyland-Yutani seja uma das mais conhecidas. Tratada muitas vezes apenas como "a companhia", sabemos o quanto ela despreza a vida humana repetidas vezes na tentativa de colocar as mãos no alien. E sabemos também o quão real ela pode ser ao olharmos para empresas da atualidade.

Weyland-Yutani e capitalismo
"Construindo mundos melhores"

Na franquia de horror e ficção científica Alien, muitos consideram que o xenomorfo seja o vilão. Afinal ele é um parasita que é gestado dentro de um organismo vivo que, quando nasce, explode violentamente do peito da vítima e depois cresce para se tornar uma máquina difícil de capturar e de matar. Mas se olharmos com mais cuidado, a verdadeira vilã da história é a companhia Weyland-Yutani. São eles que, conscientemente mandam pessoas para enfrentar os aliens e não se importa com quantos ela vai sacrificar no meio do processo.

A Companhia, como é geralmente chamada pelos personagens nos filmes, foi quem deu a ordem especial para a Nostromo desconsiderar as vidas humanas a fim de trazer o que quer que eles encontrassem quando seguissem o sinal misterioso que era emitido. Foi a companhia que tirou a licença de voo da Ripley e a colocou sob avaliação psiquiátrica, que mandou os fuzileiros comandados por um tenente inexperiente para uma missão suicida, foi a companhia que mandou segurar a Ripley em Fiorina Fúria 161 enquanto os médicos estavam chegando para tirar o alien de seu peito.

Da primeira vez que eles encontraram essa coisa, um grupo foi sacrificado. Da segunda vez, eles mandaram os fuzileiros e eles também foram sacrificados. Vocês realmente acham que a companhia vai se importar com um bando de condenado que encontrou Deus aqui no fim do mundo? Eles não ligam a mínima para os seus amigos que morreram.

Ripley em Alien 3

O xenomorfo, por mais sanguinolento que seja, também acaba sendo uma vítima da companhia, pois está sendo caçado por ela. A Companhia, ao descobrir o que havia em LV-426, instalou uma colônia com 70 famílias nela sem qualquer remorso (algo parecido com montar uma empresa abaixo de uma barragem de rejeitos de minérios que vai estourar a qualquer momento, sabe?). Tanto eles não têm remorso algum que quando o Burke tenta se defender - afinal ele deu a ordem para a família Jorden ir até a nave abandonada - ele diz que apenas cometeu um erro. E Ripley dá um sacode nele, dizendo que ele não fazia ideia do que tinha feito.

Alien, especialmente o primeiro filme, serve como uma grande crítica à exploração do trabalhador e às estruturas capitalistas que acabam por transformar seres humanos em apenas peças de uma grande máquina corporativa, podendo ser trocada a qualquer momento. Podemos ver a preocupação dos tripulantes da Nostromo com a perda do bônus de fim de ano e a clara divisão entre os trabalhadores mais braçais da nave, Brett (Harry Dean Stanton) e Parker (Yaphet Kotto), com os oficiais de voo como Ripley (Sigourney Weaver) e Dallas (Tom Skerritt).

O fato de enviar a Nostromo para investigar um sinal misterioso já é um erro. A Nostromo é uma missão comercial trazendo 20 milhões de toneladas de minérios para a Terra, não é uma nave de resgate. Aquela tripulação não tinha preparo para uma missão de busca e resgate. De novo, para a Companhia o sinal é mais importante. Dane-se a tripulação despreparada e a nave tão cara (42 milhões de dólares corrigidos sem a carga).

Para a Weyland-Yutani fica claro que todas as vidas humanas perdidas em busca do alien valem à pena. Para ela, uma mega empresa que afeta a vida de milhões de pessoas, o potencial lucro a se obter com as maravilhosas inovações capazes de se obter com o alien de fato valem as vidas de algumas pessoas. Essa é uma empresa que assina acordos comerciais para terraformar novos planetas. Ela é capaz de construir processadores de atmosfera que vão tornar respirável o ar de planetas hostis. Consegue imaginar o valor de uma empresa dessas?

Entre o filme três e quatro da série Alien nós não sabemos muito bem o que aconteceu para a WY perder sua influência. Nos livros publicados posteriormente diz-se que a WY retornou ao antigo poderio quando salvou a Terra após a queda da Auriga, no quarto filme. Foi ela a responsável por ajudar o planeta depois da grande crise ambiental que se seguiu. Para muitos, ela seria vista como uma empresa consciente, amiga da população, ética.

A gente nem precisa ir muito longe para ver ações assim. A Vale, mesmo depois do que houve em Mariana e Brumadinho, paga comerciais na TV para dizer o quão boazinha ela é e como tem sido responsável com suas barragens. E olha que ela matou mais gente do que a Weyland-Yutani em cinco filmes juntos (Alien, Aliens, Alien 3, Prometheus e Covenant). Será que a ficção científica está assim tão distante da gente? A diferença é que, dificilmente, as ações ilegais da WY teriam aparecido na TV. Então seu controle sobre como a mídia vê o espaço seria quase total.

Carter Burke é a melhor representação da Companhia "sem rosto" de Alien. Ele diz que trabalha na Companhia, mas que "é um cara legal". Joga a Ripley aos lobos durante a audiência com gente do seguro, da Comissão Interestelar de Comércio e nada diz para defendê-la. E depois a chantageia para ir ao LV-426, dizendo que sua licença de voo seria devolvida caso ela fosse. Quando os fuzileiros foram quase dizimados no ninho da rainha e Ripley sugere decolar e detonar tudo de órbita, é Burke que lembra sobre o valor da instalação e que não autorizaria tal decisão. E sabendo que Ripley o impediria a levar aliens de volta, ele deliberadamente liberta dois facehuggers para impregnar Ripley e Newt. Em uma cena apagada de Aliens, inclusive, sabemos que ele não morreu quando o Alien o encontra, mas ele pede ajuda a Ripley quando ela entra no ninho da rainha e o vê preso e encubando um alien.

Weyland-Yutani não fez nada que nós já não tenhamos visto no mundo real. Talvez seja por isso que ela é tão assustadora.

Fim da transmissão!

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Comentários

  1. Ótimo texto. Realmente a corporação é uma alegoria das relações entre multinacionais e os trabalhadores, esses são vistos como descartáveis. No capitalismo acontece um processo de coisificação das pessoas em que não só as empresas mas as próprias pessoas em si tratam outras pessoas como coisas. Além disso, por que a corporação quer o Alien pro setor de armas biológicas? e em que guerra? A franquia Alien é uma distopia que é a cara do capitalismo contemporâneo. Att, Ismael.

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