Resenha: Horror Noire, de Robin R. Means Coleman

Horror Noire deve ser um dos livros mais importantes já publicados nos últimos tempos em português. A edição da DarkSide conta com todo o capricho demoníaco da editora, mas acima de tudo traz informações e um resgate histórico de extrema importância para os aficionados pelo cinema de horror: a representação negra.


Parceria Momentum Saga e
editora DarkSide


O livro
Debaixo do largo guarda-chuva da ficção especulativa estão três grandes gêneros: a ficção científica, a fantasia e o horror. Os três são vistos por muitas pessoas como gêneros escapistas, onde a gente apenas lê ou assiste para se divertir, onde não há grandes discussões humanas ou psicológicas. Quem lê e vive nestes gêneros sabe que isso é uma grande mentira. Star Wars consegue discutir imperialismo tão bem quanto Madrugada dos Mortos consegue discutir os males do capitalismo em seus zumbis zanzando em um shopping center.

Resenha: Horror Noire, de Robin R. Means Coleman

O livro de Robin Coleman é um amplo estudo e uma reflexão importante sobre a história da representação negra no cinema de horror. O livro vem desde antes dos anos 1930 até o começo dos anos 2000 em uma análise de como a representação racial se desenvolveu no cinema americano e como foi usada para diferentes fins. O livro levou também a um documentário de renome com o mesmo nome.

Os gêneros da ficção especulativa gostam de desafiar os conceitos e preconceitos de seus apreciadores e com o horror não é diferente. Não é apenas uma questão de dar sustos, mas também de provocar. Como um gênero naturalmente provocativo, o horror encabeçou discussões importantes como relações raciais, direitos civis, materialismo e preconceito de gênero, de classe e, principalmente, o racial.

Escrito por uma pesquisadora mas também fã de horror, o livro tem uma narrativa carregada de informações e fácil de ler. Você não fica tropeçando em academicismos, a escrita é provocativa tal como o tema. A autora disseca os tópicos e subtópicos de sua pesquisa com precisão e entrega informações de monstros clássicos do cinema, de estereótipos e temas comuns ao cinema de horror, os paralelos com a vida real, a sexualidade da população negra, a perpetuação do preconceito racial e o surgimento de temas empoderadores de orgulho negro.

O livro é dividido em décadas onde estão análises de filmes pertencentes à esta época. Nada é deixado de fora na análise de Robin. Do uso indiscriminado do blackface e ao uso de expressões racistas, o negro é visto como uma figura selvagem e perigosa neste começo do cinema do horror, reforçando os preconceitos gerais da população. Existem discussões importantes como, por exemplo, a diferença entre negros nos filmes de terror e filmes negros de terror.

Talvez o aspecto mais danoso relacionado ao espectro limitado dos papéis representados por atores negros nos filmes de horror iniciais seja a falta de imagens positivas para proporcionar um sentimento de equilíbrio. Ver um personagem negro arregalar os olhos e empalidecer ao se deparar com um fantasma não teria sido tão ruim se o seu papel seguinte ou anterior tivesse sido de um médico, advogado ou empresário de sucesso. Contudo, os filmes hollywoodianos da época relegavam aos negros os personagens subservientes, como mordomos, empregadas e motoristas, ou que apareciam na tela só para representarem malandros e bufões estereotípicos.

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Os estereótipos apresentados nos filmes de terror não eram (nem são) uma exclusividade do gênero, eles aparecem em produções de diferentes temas porque persistiram no imaginário do público, de roteiristas, de produtores, de diretores brancos. São estereótipos como o do alívio cômico, do negro mágico, do malandro, do selvagem ou então eram descartáveis, sendo aqueles que morriam ou que não tinham função na trama. Em alguns filmes não há nenhum negro.

Mesmo quando o cinema parecia apontar para uma melhor representação, ela ainda errava, como nos anos 1970, como na representação das mulheres negras. O mais gritante do livro é perceber com tristeza que foram pouquíssimas as obras que conseguiram representar da maneira devida a população negra. Ainda que tenha havido mudanças desde os anos 1930, o caminho ainda é bem longo para equiparar a representação entre brancos e negros.

O livro é lindíssimo, bem diagramado, com muitas imagens entre os capítulos e uma brilhante tradução por Jim Anotsu, escritor, roteirista e tradutor. Encontrei alguns problemas como letras a mais ou a menos durante a leitura, que no geral foi bastante proveitosa e tranquila. A escrita de Robin é excelente e o livro voa na mão. No final temos várias indicações de leitura em uma bem elaborada bibliografia, um índice remissivo para você não se perder e imagens de pôsteres de filmes de horror.

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Obra e realidade
A mídia tem um caráter predominante na construção da identidade das pessoas. Veja o quanto alguns fãs são apegados a Star Wars, Sta Trek, e como foram e são importantes em suas vidas. Eu sei o quanto Star Trek foi importante para a minha formação e suas mensagens de igualdade e diversidade. Porém, se essa mídia exclui, ofende e estereotipa, que tipo de construção teremos? E que tipo de olhar teremos?

Por muito tempo os barões do cinema perpetuaram um mito de que filmes com protagonistas femininos e/ou negros "não vendiam". Acho que longas como Mulher Maravilha, Pantera Negra, Nós, entre outros, estão mostrando que há todo um público ansioso e disposto a lotar cinemas mundo a fora por filmes em que eles possam se enxergar em tela em uma representação que de fato os mostre e os inspire. Já está mais do que na hora, já passou da hora.


Robin R. Means Coleman é escritora e fã de filmes de horror. É professora associada no Departamento de Estudos da Comunicação e no Centro de Estudos Africanos e Afroamericanos da Universidade de Michigan.

Pontos positivos
Análise perfeita
Pesquisa aprofundada
Bem escrito
Pontos negativos

Problemas de revisão
Preço

Título: Horror Noire
Título original em inglês: Horror Noire
Autora: Robin R. Means Coleman
Tradutor: Jim Anotsu
Editora: DarkSide
Ano: 2019
Páginas: 480
Onde comprar: na Amazon ou na loja da DarkSide com brinde exclusivo!


Avaliação do MS?
Horror Noire é uma tese, é um testemunho, é um manifesto, é um livro a ser lido e usado como guia de referência, sempre à mão na estante. Serve não apenas para os fãs e estudiosos de horror, mas para aqueles que queiram se informar sobre como a arte pode também ser usada de maneira perversa e estereotipada. É um livro que estava fazendo falta e só posso agradecer pela leitura e pela oportunidade de refletir sobre um tema tão importante. Meus parabéns à autora por esse belo trabalho e à DarkSide por trazê-lo aos leitores brasileiros. Leitura essencial e obrigatória!

Até mais!

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