Resenha: A invenção da natureza, de Andrea Wulf

Um dos maiores cientistas que a humanidade já viu é pouco lembrado nos dias de hoje e dificilmente mencionado fora do meio acadêmico. Mesmo entre os geógrafos pouco se fala das contribuições de Alexander von Humboldt, um visionário, que é considerado o primeiro ambientalista da história. Sua história e seu legado foram contados de maneira magistral por Andrea Wulf.

Parceria Momentum Saga e editora Planeta



O livro
Alexander nasceu em uma família abastada e aristocrática da Prússia, em 1769. Junto de seu irmão mais velho Wilhelm, tiveram uma infância infeliz, regrada pela presença controladora da mãe, que desprendia pouca ou nenhuma afeição pelas crianças. Entusiasmo, alegria, nada disso era aceitável na vida da família desde a morte do pai dos meninos. Alexander sentia-se constantemente inferior ao irmão, dois anos mais velho, pois os dois recebiam a mesma educação, sem nenhuma adequação para sua idade. Os tutores, inclusive, achavam que ele teria uma inteligência medíocre.

Resenha: A invenção da natureza, de Andrea Wulf

O fato de ter nascido na Prússia ajudou e muito na construção do pensamento científico de Alexander. Os estados germânicos possuíam mais universidades e bibliotecas do que qualquer outro lugar da Europa e havia educação primária para todos, além do amor da nobreza por música e filosofia. Muito jovens, Wilhelm e Alexander ingressaram no círculo intelectual de Berlim, capital da Prússia, onde participavam de discussões sobre tolerância, ciência, filosofia e a importância do pensamento crítico.

Ao se ver como inspetor de minas, Alexander sentiu que poderia, enfim, se dedicar aos estudos naturais. Ele trabalhava incansavelmente, dormia pouco, devorava livros de filosofia e compêndios científicos. Era uma máquina, inclusive ao falar. As pessoas paravam para ouvir Humboldt e depois de sua pioneira jornada pela América do Sul, ele se tornou uma sumidade. Tornou a ciência acessível ao público, desmistificou o Novo Mundo, que era constantemente descrito como sendo "inferior" ao Velho Mundo e alfinetou o colonialismo da Espanha e a escravidão.

Os espanhóis chegaram à América do Sul a fim de obter ouro e madeira - ❝fosse por violência ou por troca❞ -, disse Humboldt, e motivados apenas por ❝insaciável avareza❞. Os espanhóis haviam aniquilado antigas civilizações, tribos nativas e florestas magníficas. O retrato que Humboldt trouxe de volta da América Latina era pintado com as cores vivas de uma realidade brutal - tudo corroborado por indícios, provas concretas, dados e estatísticas.

Página 160

Humboldt herdou uma fortuna após a morte da mãe e torrou quase tudo em sua viagem à América. Quando voltou, gastava com viagens e expedições científicas e conforme ficou mais velho dava dinheiro a jovens cientistas quando não podia ir ele mesmo. Humboldt tinha um vasto conhecimento das ciências naturais e acima de tudo confiava na ciência. Na sua expedição pelo Império Russo, inicialmente com o intuito de mapear minas e recursos minerais para o czar, ele sabia que diamante costuma ser encontrado em associação com ouro. Qual não foi a surpresa quando ele indicou, corretamente, as primeiras jazidas fora dos trópicos?

Considerado o primeiro ambientalista da história, sua viagem à América do Sul revelou aos europeus os horrores do colonialismo. O Novo Mundo era um lugar distante e exótico, mas com o qual pouco se importavam as pessoas comuns. Humboldt, ao publicar seus diários de viagens e observações científicas sobre o novo continente, levou para as pessoas leigas informações, desenhos, mapas e impressões pessoais que não estavam acessíveis.

Logo, Alexander se tornaria consultor de diversos monarcas e políticos. As pessoas viajavam apenas para se consultar com ele. Suas palestras eram concorridas e inclusive mulheres eram bem-vindas em uma época em que nem as universidades as aceitavam como alunas. Mas ele também tinha ânsia de aprender. Era costumeiro ver o naturalista em seu passo lento, recurvado, um caderno embaixo do braço, entrando em uma aula de grego.

Humboldt nunca se casou ou teve filhos. Suas intensas amizades com homens chegaram a causar alguma fofoca e há biógrafos que acreditam que ele fosse gay e/ou assexual. Sua maior ligação foi com o irmão e a cunhada, Caroline, além de seu grande amigo, o botânico Aimé Bonpland, que o acompanhou na jornada pela América do Sul. Enquanto Alexander podia ser humilde o suficiente de admitir que não sabia de tudo, poderia ser arrogante e orgulhoso, às vezes disparando alfinetadas e comentários maldosos.

O livro é um calhamaço, mas é uma delícia de ler. Tem muita, mas muita informação dentro dele, com notas, indicações de leituras, figuras, inclusive algumas coloridas e um índice remissivo no final. No começo há três mapas que indicam a viagem de Humboldt pelas Américas, a viagem pela Venezuela e a jornada pelo Império Russo. Existem alguns problemas de revisão como palavras e termos, alguns traduzidos e depois que aparecem no original. A tradução ficou na mão de Renato Marques e está muito boa. Apenas gostaria que a Planeta creditasse seus tradutores nas lojas online.

Goethe comparou Humboldt a um ❝manancial com muitas bicas, de onde as torrentes jorram de maneira revigorante e infinita, de modo que basta posicionarmos vasos debaixo delas❞.

Esse manancial, creio eu, jamais secou.

Página 472

Obra e realidade
Humboldt quebrou uma antiga escola de pensamento, que dizia que a natureza existia para ser usada pelos seres humanos. Primeiro com Aristóteles e depois com Carl Lineu, Descartes e Francis Bacon que alegavam uma suposta superioridade do ser humano sobre a natureza. Com Humboldt passamos a compreender que nós fazemos parte da natureza e que tudo está interconectado. Se você não faz o correto manejo do solo e da água na sua lavoura, vai acabar com um solo pobre e infértil. Se você derrubar uma floresta, vai alterar o microclima daquela região.

Tudo isso era absurdamente revolucionário para a época e Humboldt já dizia que os seres humanos têm grande capacidade de alterar seus ambientes, isso em uma época em que acreditava-se que os recursos eram infinitos. Infelizmente, continuamos a produzir e a consumir como se isso fosse verdade, a negar as mudanças climáticas, a minimizar as atividades humanas e demonizar a ciência. Alexander von Humboldt teria uma profunda vergonha de ver nosso cenário atual.

Andrea Wulf

Andrea Wulf é uma historiadora, palestrante e escritora britânica, autora de diversos livros de ciência e biografias.

Pontos positivos
Tem mapas
Tem imagens e reproduções
Alexander e Whilhelm
Pontos negativos
Alguns erros de revisão
Preço

Título: A invenção da natureza: A vida e as descobertas de Alexander von Humboldt
Título original em inglês: The Invention of Nature: Alexander von Humboldt's New World
Autora: Andrea Wulf
Tradutora: Renato Marques
Editora: Planeta (selo Crítica)
Ano: 2019
Páginas: 600
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Charles Darwin, Edgar Allan Poe, Ralph Waldo Emerson e Walt Whitman, Henry David Thoureau, George Perkins Marsh e John Muir são alguns dos nomes de intelectuais, cientistas e escritores inspirados pelo trabalho de Humboldt. É um absurdo que o nome de Alexander não esteja hoje na boca do povo, o que mostra o sucesso do sentimento anti-germânico que se ergueu por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Seu trabalho movimentou a ciência em todo o mundo Ocidental e foi tão impactante que é relevante atualmente, ainda mais no contexto de mudanças climáticas globais em que estamos. Ele tornou a ciência acessível para o público leigo e influenciou a atitude de monarcas e políticos. Mais do que nunca, a leitura de sua vida e de sua obra são essenciais nos dias de hoje. Leitura obrigatória e essencial!

Até mais! 🌿

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