O mundo que conhecíamos não existe mais. O 2020 que vivemos em janeiro não é mais o mundo em fevereiro, nem o mundo em março, nem o mundo de abril. Aquele mundo que conhecíamos mudou com a pandemia. Estamos vivendo um momento histórico. A questão dos momentos históricos é que eles sempre aparecem nos livros, mas não nos damos conta quando passamos por um.
Eu não tinha noção que estava assistindo a um momento histórico quando a TV começou a mostrar um muro sendo desmantelado na Alemanha. Hoje todo mundo sabe sobre a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, o consequente desmantelamento da União Soviética. O momento que estamos vivendo será estudado e comentado por gerações; crianças que estão nascendo hoje vão perguntar para seus pais como foi viver a pandemia ao estudarem o assunto nas escolas. Estamos testemunhando a história.
Só que não é fácil passar pela história.
Este é um novo mundo, onde vemos o que a ausência de uma única vacina fez com os países. Fronteiras fechadas, isolamento social, corrida por respiradores e leitos de UTI, demagogos de discurso fácil contrariando as recomendações das autoridades de saúde, gente brincando com a saúde dos outros achando que quarentena é férias. A história mostra o que acontece com líderes frouxos que não agiram na hora certa: seus nomes ficam marcados para sempre e são usados como exemplo de incapacidade para a gestão pública.
Mas é ainda o mesmo velho mundo, onde pessoas pobres vão pagar o preço da pandemia, em especial os idosos. Quem está em casa tem um privilégio que o trabalhador que pega o metrô, trem, ônibus lotado não tem. Para estes o mundo não mudou; ele se tornou ainda mais hostil, pois é preciso trabalhar em meio à uma doença da qual ainda sabemos pouco, da qual ainda estamos sofrendo.
É por isso que estamos em um novo mundo, com os costumes do antigo. Duzentos anos atrás as pessoas morriam de infecções porque seus médicos e enfermeiros não lavavam as mãos. O simples ato de higienizar as mãos entre um atendimento e outro reduziu sensivelmente as mortes. Quando Joseph Lister começou a usar o ácido carbólico nas cirurgias, ele foi ofendido e ridicularizado, pois a convenção da época dizia que um bom cirurgião era aquele que tinha o avental sujo e duro de sangue dos pacientes. As descobertas de Ignaz Semmelweis, Joseph Lister, Louis Pasteur e tantos outros levou a um novo mundo. Hoje, qualquer machucadinho, e nós lavamos, passamos um antisséptico, colocamos um band-aid. Houve uma mudança global de consciência e espero que o Covid-19 nos faça passar por outra.
O que a história nos mostra é que o ser humano, quando quer, quando está disposto, quando se encontra em momentos decisivos, ele tem condições de agir para o bem de todos. Assim como o mundo se uniu para erradicar a varíola do planeta, assim como Jonas Salk se recusou a registrar a patente de sua vacina contra a pólio, estamos vivendo o momento histórico em que a saúde da população vem em primeiro lugar. Antes contar os desempregados do que contar os caixões.
Quando a gripe espanhola infectou um quarto da população mundial, em 1918, ela ensinou a duras penas aos governos que problemas coletivos exigem soluções coletivas. Anos de austeridade e livre mercado, redução de investimentos em ciência, tecnologia, saúde e educação estão custando caro nos dias de hoje, mas a gripe espanhola levou um pensamento urgente às nações, a necessidade de adoção de sistemas de assistência universal à saúde e a necessidade do desenvolvimento enfático da epidemiologia.
Gostaria de poder prometer aos nova-iorquinos que isso terminará em breve. Não posso. Aqui está o que posso prometer: continuarei a fornecer os fatos e tomarei decisões com base na ciência e nos dados.
Governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo
É o momento de mostrar o nosso melhor. De cuidar uns dos outros seguindo as recomendações de saúde, se precavendo e pensando no cuidado coletivo. É a mesma lógica das vacinas: quando você está vacinada e protegida de doenças facilmente controláveis pela imunização, você está protegendo aquela criança com câncer, aquele colega com HIV, aquela prima que por uma alergia rara não poder tomar vacinas. Não é hora de atitudes egoístas e impensadas.
Fique em casa. Na rua, cuide-se e lave as mãos.
Até mais!
Leia também:
Pandemias mostram que a “mão invisível do mercado” não funciona - JacobinOfficial Counts Understate the U.S. Coronavirus Death Toll - The New York Times
Os sistemas de saúde no mundo - Le Monde Diplomatique
Sensacional!! Que texto maravilhoso e esclarecedor! Onde eu estava, que ainda não te conhecia?
ResponderExcluirObrigada pelo texto, Sybylla. Você é sensacional!
ResponderExcluirMuito bom! É o que todos esperamos: uma mudança de consciência. Um novo mundo exigirá também novos paradigmas.
ResponderExcluirSe depois da Eleição desse troço que chamamos de presidente aqui no Brasil eu já fiquei como quem andava no meio de um nevoeiro, agora eu não enxergo um palmo na minha frente. Não faço ideia de como vai ser a vidada depois que tudo isso passar. Não faço ideia de quando vai passar. Retomar as dinâmicas sociais vai ser desafiador!
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