Silvestre é uma das apostas da DarkSide nos quadrinhos nacionais. Acho que uma boa palavra para ele é "selvagem". Estamos acostumadas com a natureza bonita, singela, exuberante, mas costumamos esquecer o quanto ela é violenta e selvagem. Em Silvestre, aborda-se a relação entre ser humano e natureza de uma maneira visceral, bela, cruel e selvagem.
O livro
Começamos a história acompanhando um velho que mora sozinho em uma cabana. Ele vive em uma floresta luxuriante, misteriosa. O velho é também um caçador. Depois de caçar um certo animal raro, ele decide assar uma torta. Conforme os aromas do assado extravasam os limites da casa e começam a rodar pela floresta, criaturas e animais fantásticos se aproximam da construção.Não sei direito se o livro é um quadrinho, se é um livro ilustrado, ou se é uma mistura caótica de ambos. Foi como eu disse no começo, selvagem é a palavra certa para descrever a obra de Wagner. Selvagem, belo, bizarro, visceral. A brutalidade da natureza, que tão convenientemente gostamos de esquecer, a selvageria cotidiana das matas, está presente em quadrinhos que misturam ilustrações em preto e branco, coloridas, com o quadro desenhado ou não.
Os seres que se aproximam da casa são lendas e mitos, como o diabo, personagens conhecidos da cultura pop e personagens brasileiros e do folclore como a Cuca, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Curupira e até a Mula Sem Cabeça dá o ar da graça. O que parece um bosque ou uma floresta equatorial pode muito bem ser nossa mata tropical. A moça da capa será de fato uma moça ou um jovem rapaz com traços muito femininos? É difícil descrever o conteúdo do enredo, pois há uma subjetividade que você vai preenchendo com os toques que o autor dá. Cada um vai acabar interpretando da forma que achar melhor e cabe a você identificar cada uma das figuras ali desenhadas.
Há violência e um apetite voraz preenchendo as páginas. É como um lembrete gráfico da violência natural, tanto aquela que vem da natureza selvagem como aquela que vem com o ser humano. Desenvolvemos cultura e civilização de modo a refrear impulsos, mas há situações em que aquele espírito ancestral e bruto emerge e encontra a natureza, a sua própria natureza. Virando as páginas, percebe-se que aquele velho assiste a um desfile de brutais representações. Podem ser partes dele mesmo, podem ser aquelas que ele quis esquecer, outras que nunca o abandonaram.
Além da mistura de quadros e cores (ou a ausência delas), há também uma mistura de técnicas. De nanquim, à tinta óleo, ao próprio sangue de Wagner em algumas páginas, o que temos em mãos é uma obra de vários estilos, técnicas e mensagens que se combinam de uma maneira estranha e única. A fonte usada nos diálogos também segue esse padrão caótico, o que às vezes dificultou a leitura. Acredito que a fonte faça parte do cenário de algumas passagens, mas ainda assim foi chatinho de ler em alguns momentos.
Apesar de bestiais em grande parte, nenhuma daquelas criaturas era estúpida a ponto de saber que apenas uma torta serviria a todos, por mais que ele dividisse em minúsculas parte iguais. Quais ganhariam um pedaço e quais ficariam sem?
A edição vem em capa dura com uma sobrecapa macia com detalhes em dourado. O papel do miolo é encorpado com impressão de alta qualidade, o que garante toda a visceralidade que descrevi acima. Há um prefácio de Felipe Castilho, que teve as mesmas impressões da obra que eu.
Obra e realidade
Henry David Thoreau tinha uma constante insatisfação com a sociedade, com o stablishment, com a ordem geral das coisas e como a civilização vinha caminhando. Então, tal como o velho do começo de Silvestre, ele foi viver numa cabana no meio da floresta, com apenas 27 anos, produzindo a própria comida. Tal como o velho, Thoreau encarou os "fatos essenciais da existência, em vez de descobrir, à hora da morte, que não tinha vivido". Precursor da moderna ecologia, Thoreau queria expulsar "o que não fosse vida" de sua existência. É uma análise pertinente de se fazer em meio ao capitalismo e à vida conturbada das cidades, onde algumas pessoas reclamam do canto dos pássaros e algumas chegaram a colocar lanças afiadas nos galhos para impedi-los de pousar. Quem é o selvagem da história?Wagner Willian é um quadrinista e ilustrador brasileiro. Seu primeiro trabalho publicado foi o quadrinho Deus é o Jiraiya, publicado online pelo site Nébula.
Pontos positivos
IlustraçõesReferências
Cultura pop, mitos e lendas
Pontos negativos
Violência
Preço
Avaliação do MS?
Gostaria muito de saber a opinião de outras pessoas que leram Silvestre. Será um grande exercício o de combinar as diferentes impressões de cada, o que fisgaram daquele caos natural e brutal dos quadros. Saiba que você terá uma sensação de estranhamento, mas isso faz parte da experiência. Quatro aliens para Silvestre e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! 🦌
parece ser do carai
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