Resenha: Ela disse: os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo, de Jodi Kantor e Megan Twohey

O famoso produtor de cinema Harvey Weinstein era conhecido por catapultar a carreira de várias grandes atrizes. Também era conhecido pela grosseria e por nunca deixarem uma mulher sozinha em sua presença. Para resolver rapidamente a situação com as vítimas de seus inúmeros abusos, ele fez vários acordos, alguns na casa dos sete dígitos, silenciando muitas mulheres e traumatizando-as para sempre. Até que Jodi e Megan se puseram a trabalhar em uma reportagem que mudaria as vidas de muita gente e seria a faísca de um movimento global.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras

O livro
A reportagem de Jodi e Megan foi publicada em 2017. Não era exatamente um segredo que o comportamento de Weinstein com as mulheres era tóxico e violento, mas ele era praticamente intocável. Tendo poderosos contatos na política e no gabinete da promotoria, com dinheiro para pagar os melhores advogados e com muito dinheiro em mãos, era bem fácil para o produtos conseguir o silêncio das vítimas. Quando uma modelo o acusou de abuso, ele fez de tudo para desacreditar a vítima e ainda pagou um acordo para silenciá-la.

Resenha: Ela disse: Os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo, de Jodi Kantor e Megan Twohey

Quando Jodi e Megan entraram no caso, existiam muitas alegações, mas poucas provas. Muitas mulheres estavam apavoradas, amarradas por acordos de confidencialidade e havia um mercado bem produtivo de acordos fora dos tribunais. Para muitas mulheres, era a única maneira de conseguir qualquer reparação ou admissão de culpa da parte do abusador. Assédio sexual dificilmente prossegue nos tribunais. Se prossegue há um limite de indenizações que muitas vezes mal cobre o valor do processo. Então fazer um acordo era a única saída para muitas mulheres e há advogados e escritórios especializados nisso, inclusive que trabalharam com Weinstein. Há todo um sistema legal construído para proteger homens, não as vítimas.

Não posso mudar o que aconteceu com você no passado, mas juntas talvez possamos usar sua experiência para ajudar a proteger outras pessoas.

Página 42

Jodi e Megan precisaram conquistar a confiança das vítimas, algumas delas grandes atrizes como Ashley Judd e Gwineth Paltrow, cuja carreira foi alavancada pelo trabalho com Weinstein. Mas não era fácil. Se para mulheres ricas e com influência já era uma tarefa difícil, imagine para as assistentes, produtoras e funcionárias da Miramax e da Weinstein Company? Algumas largaram a carreira no cinema devido ao trauma.

Mas ao mesmo tempo que as repórteres investigavam, Weinstein sabia que algum movimento estava acontecendo e fez de tudo para impedir. O livro nesse momento parece até mesmo uma trama de espionagem, já que uma empresa de contenção de danos foi contratada para investigar Jodi e Megan, ganhar sua confiança através de espiãs e assim conseguir informações sobre fontes e até documentos que elas tivessem em mãos. É uma leitura surreal, pois Weinstein gastou milhares, milhões de dólares buscando calar vítimas, intimidar jornalistas e ameaçar jornais com processos, mas não se esforçou uma vírgula para mudar de comportamento.

No prazo máximo de publicação do artigo, Weinstein esbravejava e intimidava o New York Times e as jornalistas. Como manda a ética jornalística, o jornal enviou a reportagem aos advogados de Weinstein e pediu uma resposta, que veio aos trancos e barrancos, com mais ameaças do que qualquer coisa. Foram várias as ameaças ao jornal e às repórteres, inclusive com vazamentos e mentiras contadas para outros meios de imprensa de maneira a desacreditar a matéria do Times.

Quando a matéria enfim saiu, aconteceu algo extraordinário. Relatos chegavam como uma enxurrada nos emails e celulares de Jodi e Megan. Tal como um solvente, a reportagem dissolveu o sigilo, o silêncio e o medo e relatos cada vez mais escabrosos começaram a surgir. A equipe no jornal precisou ser aumentada para dar conta de tantos relatos envolvendo o produtor, todos eles com uma semelhança inacreditável. Conforme as mulheres ficavam confiantes de que as denúncias levariam à alguma ação, várias outras se sentiram seguras para também denunciar. A tag #metoo se espalhou pela internet, sendo traduzida em várias línguas, onde mulheres expunham os casos de assédio e abuso que sofreram.

O livro está muito bem escrito e traduzido e a leitura voa na mão. Quando você menos espera, as páginas acabaram. Mas a Companhia das Letras precisa revisar melhor para uma próxima edição, pois existem erros bobos e primários que passaram batido.

Obra e realidade
Uma coisa que ficou muito evidente com a reportagem e todo o movimento que se seguiu é que as leis que punem o assédio sexual estão ultrapassadas, arcaicas e não ajudam a proteger as vítimas, nem a mudar comportamentos. Tanto é que uma indústria de acordos surgiu e acabou se tornando o meio mais rápido e menos constrangedor de se conseguir reparação. Não só isso, havia uma série de protocolos a se seguir para se prestar queixa e órgãos a se avisar e quando se é a vítima às vezes tudo o que se quer é que aquilo acabe rápido. E é nessa brecha de fragilidade que os advogados entram e se aproveitam do momento.

Outra coisa evidente no livro, fruto de três anos de investigação, é que muitos executivos que trabalharam na Miramax e na Weinstein Company que acabaram colaborando com a reportagem estavam preocupados com a imagem da empresa e não com a dignidade das mulheres abusadas e assediadas pelo antigo chefe. Todos eles sabiam das "indiscrições" de Harvey e NADA fizeram de concreto que coibisse as ações. Eles o deixaram agir livre, leve e solto por décadas. Os relatos de abusos vêm desde os anos 1970.

Jodi Kantor e Megan Twohey

Jodi Kantor é uma jornalista norte-americana vencedora do Pulitzer. Ela é correspondente do New York Times, cujo trabalho abrange local de trabalho, tecnologia e gênero.

Megan Twohey é uma jornalista norte-americana também vencedora do Pulitzer, correspondente do New York Times, que publicou reportagens sobre as denúncias de assédio envolvendo Donald Trump.

PONTOS POSITIVOS
Pesquisa
Bem escrito
Investigação
PONTOS NEGATIVOS
Descrições dos abusos
Problemas de revisão


Título: Ela disse: Os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo
Título original em inglês: She Said: Breaking the Sexual Harassment Story That Helped Ignite a Movement
Autoras: Jodi Kantor e Megan Twohey
Tradutoras: Débora Landsberg, Denise Bottmann, Isa Mara Lando, Julia Romeu
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2019
Páginas: 376
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi um incrível trabalho de investigação e jornalismo de Jodi e Megan. Elas tiveram dúvidas, choraram e temeram por suas fontes e seus empregos, foram intimidadas e ainda assim continuaram, tendo o amplo apoio do jornal e dos editores. Elas deflagraram um movimento global que levou as discussões de assédio sexual a várias esferas, fazendo desmascarar e cair muitas celebridades e políticos. Discussões sobre limites começaram a ser feitas, coisas que muitos homens não sabem o que significam. O livro é a prova do que é possível fazer quando mulheres se unem e lutam juntas. Uma leitura essencial!

Até mais!

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