Resenha: Babel-17 / Estrela Imperial, de Samuel Delany

Um dos maiores autores de ficção científica finalmente ganhou uma edição em português merecida e no capricho da Morro Branco. Samuel Delany é praticamente uma instituição da FC mundial, com opiniões que podem não agradar a todo mundo a respeito do meio literário. Babel-17 pode agradar aos fãs de A Chegada e Solaris.






Parceria Momentum Saga e
Editora Morro Branco



O livro
Num futuro distante, a raça humana colonizou o espaço massivamente e acabou se deparando com a raça dos Invasores, o que levou a uma longa e sangrenta guerra. Várias mensagens foram interceptadas pela Aliança em um código que ninguém entende. Dessa forma, eles recorrem à renomada poeta Rydra Wong, a mais popular entre as cinco galáxias, para tentar decifrar o que as misteriosas mensagens contém.

Resenha: Babel-17 / Estrela Imperial, de Samuel Delany

Wong é uma moça jovem, uma linguista renomada, além de ser telepata e um gênio da semântica. A Aliança deposita nessa genial poeta o Babel-17, como foi apelidado o sinal misterioso, na tentativa de compreender o que está sendo enviado e quem sabe revidar. Wong começa a juntar uma tripulação para partir em missão e devo admitir que até isso acontecer e a tripulação interagir você não entende direito o que está acontecendo.

Delany não explica o contexto geral da história, deixando que você preencha os espaços como quiser. Pessoalmente, sinto que faltaram detalhes. É preciso dar condições para que as leitoras consigam tapar os buracos e enchê-los com suas próprias perspectivas e pensamentos, mas antes o autor tem que deixá-las e ele não deixa. A parte sobre a escolha da tripulação é confusa, cheia de informações que não se complementam e passei boa parte da leitura sem compreender plenamente.

Se foi intencional, não sei dizer, mas o ponto alto do livro é justamente a questão da linguagem. Se você assistiu A Chegada então já sabe como a ficção científica tem trabalhado o assunto. O conto de Ted Chiang, Solaris, de Stanislaw Lem, Babel-17, todos eles tratam sobre a dificuldade de se compreender o outro. Se nós temos problema de compreender humanos que falam e vivem de modo diferente do nosso, o que dirá compreender um alienígena ou um simples sinal misterioso? A Linguagem, segundo Daniel L. Everett, surgiu com o Homo erectus e desde então se enraizou na linhagem homo, o que nos trouxe até aqui. Mas e com um alienígena, como seria esse processo?

A maioria dos livros didáticos diz que a língua é um mecanismo para expressar o pensamento, Mocky. Mas língua é pensamento. O pensamento é informação com forma. A forma é a língua.

Página 35

É uma viagem para o espaço, mas para o interior de Wong, personagem inspirada na ex-esposa de Delany, a poeta Marilyn Hacker. Conforme Wong mergulha em Babel-17, começa a experimentar mudanças na forma de pensar e de ver o mundo, o que corrobora a hipótese Sapir-Whorf, também conhecida como relativismo linguístico, que diz que o idioma que você fala muda a sua percepção do mundo e a forma como você pensa. Mais do que isso, Babel-17 altera até mesmo o metabolismo de Wong ao pensar com ela e acompanhamos uma mudança na narrativa que acompanha a mudança mental de Wong.

Já adianto o seguinte: esse livro não vai agradar a todas as audiências de ficção científica. Em uma boa parte do livro não me agradou. Senti que Babel-17 é um rascunho de um ótimo livro e que foi publicado desta forma, um rascunho. Existem grandes ideias nele que não foram trabalhadas e eu fiquei sem respostas para uma série de coisas. Parecia até que eu estava lendo o Jeff Vandermeer, que começa as coisas e nunca termina.

Estrela Imperial é uma novela no mesmo enredo de Babel-17 e que deveria ter sido publicada, originalmente, em um volume único. É uma narrativa mais poética e até achei mais coesa e madura do que Babel, ainda que não tenha nenhuma grande revelação ao longo da leitura. Cometa Jo mora em uma lua habitável quando testemunha a queda de uma nave. Sua missão era levar uma mensagem urgente para a Estrela Imperial. Enquanto isso, uma entidade cristalina à bordo da nave começa a narrar a jornada de Cometa Jo na tentativa de entregar a mensagem.

Tenho que parabenizar a tradução primorosa de Petê Rissatti, pois deve ter sido um grande exercício mental adaptar as passagens em inglês e traduzi-las para o nosso idioma. A Morro Branco caprichou na edição. Tanto Babel quanto Estrela vêm no mesmo livro, você só vira o volume ao contrário para ler tanto uma quanto outra. AMEI essa capa de Babel-17 e se você procurar edições gringas anteriores vai reparar que quase nenhuma delas coloca uma protagonista asiática na capa.


Ficção e realidade
Alien é uma palavra em inglês que serve tanto para alienígena quanto imigrante. E é bem interessante analisar obras do gênero e ver quantas invasões alienígenas catastróficas nós temos no entretenimento. De Independence Day a A Guerra dos Mundos, o medo do "outro" é muito palpável nesses enredos. O que vem de fora é perigoso, é mortal, quer nos exterminar e aí surge o patriótico herói para salvar o dia. Mas se a ficção científica fala da invasão ela também fala da possibilidade de se comunicar com esse "outro".

E ninguém disse que será fácil de compreender. Se o idioma que falamos molda nossa forma de ver o mundo, então temos milhares de visões diferentes de mundo em um único planeta. O que poderia acontecer com uma civilização com milhões de anos de história? Ou uma civilização que não enxergasse todo o espectro de cores? Ou uma que não tem um idioma falado, que se comunica pelo pulsar de cores, como nos livros de Becky Chambers? Acho que a ficção científica já 'atirou primeiro e perguntou depois' demais para o meu gosto.


Samuel Delany

Samuel Delany é um escritor, editor, professor e crítico literário norte-americano, um dos mais premiados autores na ficção científica.


Pontos positivos
A Babel-17
Personagens bem descritos
Linguagem
Pontos negativos
Meio lento
Enredo confuso
Precisa ser melhor revisado

Título: Babel-17 / Estrela Imperial
Título original em inglês: Babel-17 / Empire Star
Autor: Samuel Delany
Tradutor: Petê Rissatti
Editora: Morro Branco
Ano: 2019
Páginas: 560
Onde comprar: Amazon


Avaliação do MS?
Gostei do livro, mas foi só um OK, legal. Admiro a forma como Delany tratou da linguagem e como ela molda nossa forma de pensar, a criatividade em tratar do tema, mas sinto que o livro tem dois problemas. O primeiro é que ele me parece um rascunho de algo maior que nunca foi publicado e segundo que ele parece um tanto datado. Não teria problema em ser datado, se estivesse mais completo. Por isso três aliens para ele.


Até mais!

Não se conserta um computador cortando metade dos fios. Se conserta corrigindo a linguagem, apresentando os elementos que faltam e compensando as ambiguidades.

Página 270


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Comentários

  1. bacana, é um tema muito interessante!
    pena que o livro aparentemente não foi a contento.

    Vou esperar para ver esse livro então, acabei de rever o ótimo filme como a Chegada, e reler conto do Ted. A comparação será inevitável rsrs

    Ps: outro conto interessante é Invisible Planets da HAO JINGFANG

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