Resenha: A Parábola dos Talentos, de Octavia Butler

De todos os trabalhos de Octavia, a série Semente da Terra é a menos "fantástica", no sentido de que é uma FC mundana, com eventos alicerçados na vida e na sociedade da Terra, sem eventos inexplicáveis ou magia. As distopias criadas por Butler nesta saga são perturbadoras, pois mesmo tendo sido escritas nos anos 1990, elas praticamente descrevem o momento atual que o mundo vive.

Parceria Momentum Saga e Editora Morro Branco


O livro
Começamos a história alguns anos depois do fechamento do livro anterior. Lauren Olamina, fundadora da nova religião Semente da Terra, conseguiu criar uma comunidade estável, onde seus primeiros seguidores puderam prosperar, ainda que não tenha sido uma jornada fácil. Nem todos acabaram sendo seguidores fiéis, mas aproveitaram a prosperidade e estabilidade do lugar. Estamos por volta de 2030 e como pano de fundo acompanhamos uma eleição que não parece assim tão distante do que vemos acontecer no mundo e até aqui no Brasil.

Resenha: A parábola dos talentos, de Octavia Butler

O aumento do fundamentalismo fora da comunidade é um risco para a estabilidade do local. O marido de Lauren teme por sua segurança, até porque ela está grávida e os cristãos extremistas consideram a Semente da Terra como uma religião de gentios, pagãos, e apoiados pela ideologia do principal candidato à presidência, querem expurgar qualquer culto diferente do deles. Parece familiar?

A história é contada quase de forma autobiográfica por Lauren, com partes extraídas de relatos de outros personagens, como a filha de Lauren, Larkin, onde ela começa cada capítulo comentando o que lia nos diários de sua mãe, opinando sobre o que ela falava a respeito da religião e da vida em si. Interessante notar que a filha não vê a Semente da Terra com bons olhos e discorda de praticamente tudo o que sua mãe pregava. É uma crítica direta de Octavia para o fundamentalismo no qual muitos cristãos estão caindo.

Lauren acaba amadurecendo suas ideias neste livro, adotando um certo tom messiânico que incomodaria qualquer candidato à presidência. Uma mulher negra pregando no deserto abalaria o domínio da sociedade branca cristã conservadora e logo ela é vista como a inimiga dos mais fundamentalistas. Fundamentalistas que são fáceis de se convencer com discursos populistas como do candidato à presidência, Jarrett que quer tornar a "América grande de novo". Ler essas duas obras é praticamente ler os Estados Unidos em sua condição atual e um reflexo de como o mundo está seguindo a veia autoritária aliada ao fundamentalismo. Só pode dar errado.

Em uma palestra para o MIT em 1998, Octavia comentou que gostava muito de uma definição de ficção científica de Robert A. Heinlein. Para ele, pode-se dividir a FC em três categorias: e se, e se apenas e por último e se continuar assim. E ela mesma categorizava a série Sementes da Terra na terceira categoria, e se continuar assim. E ainda complementou: se for verdade o que está nos seus livros, então a gente tá lascado.

Achei Larkin muito amarga em alguns momentos, porém devido às circunstâncias nem teria como ser diferente. Da perspectiva dela, a mãe sempre ficaria do lado da Semente da Terra e isso a tornou extremamente crítica à pregação da mãe, por vezes acreditando que fosse algo oportunista e que se aproveitava de boas pessoas com promessas vagas e impossíveis. Por outro lado, há momentos em que você realmente acha isso por conta da capacidade de hiperempatia que Lauren possuía. Achei esteve livro bem mais arrastado que o primeiro, um livro que poderia ter sido um pouco menor, ainda que o enredo seja muito interessante e você quer virar as páginas o mais rápido possível. É também uma forma crítica de se pensar a religião, algo que muitos se recusam a fazer.

A Morro Branco segue com seu capricho nos livros e no padrão das edições com capas iguais às gringas. O trabalho gráfico interno está perfeito e o livro é de fácil manuseio. No final, as já costumeiras questões de discussão estão presentes para possíveis rodas de leitura. A tradução ficou na mão da Carolina Caires Coelho e está ótima. Erros bobos de revisão aqui e ali que precisam ser revistos para uma próxima edição.

Se você quiser uma coisa - se quiser de verdade, se quiser tanto a ponto de precisar dela como precisa de ar para respirar, a menos que você morra, vai conseguir tê-la.

Página 530

Ficção e realidade
A revista The New Yorker, em uma resenha dos livros da saga, disse que, na atual disputa sobre qual distopia clássica é mais aplicável aos nosso tempos, a série Semente da Terra não tem igual. Octavia começou a série em 1989, observando a situação mundial e dos Estados Unidos com olhar afiado: o que aconteceria no país se mercado de armas, as mega empresas farmacêuticas e de tecnologia, o aumento do encarceramento em massa, das mudanças climáticas e um capitalismo em constante avanço mantivessem seus ritmos inalterados?

Octavia também analisou as políticas retrógradas e a perda do bem-estar social que sempre acompanham momentos de crise, onde líderes ainda mais retrógrados se voltam para a massa conservadora para buscar apoio, já que o medo da mudança costuma ser um combustível poderoso. Pronto, estava armado o colapso que levaria ao mundo de Lauren Olamina. E por consequência, a comparação com a situação atual surge, afinal é uma descrição quase exata do que estamos vivendo.

Octavia Butler
Octavia Butler

Octavia Butler é a grande dama da ficção científica e uma pioneira do afrofuturismo. Nos deixou cedo demais e foi publicada no Brasil apenas recentemente pela editora Morro Branco, um atraso absolutamente injustificável.

Pontos positivos
Lauren e Larkin
Personagens bem descritos
Paralelo com a realidade
Pontos negativos
Meio lento
Violência
Precisa ser melhor revisado

Título: A Parábola dos Talentos
Título original em inglês: Parable of the Talents
Série: Semente da Terra
1. A Parábola do Semeador
2. A Parábola dos Talentos
3. Parable of the Trickster (não terminado)
Autora: Octavia Butler
Tradutora: Carolina Caires Coelho
Editora: Morro Branco
Ano: 2019
Páginas: 560
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
Parable of the Trickster, que seria o último livro da saga, nunca foi terminado. Octavia começou vários rascunhos, mas já debilitada pela hipertensão não conseguia gostar de nada que começava. Ela foi para além do limiar da galáxia muito cedo, mas sempre penso como ela analisaria o período atual. O que teria a dizer? Teria conseguido terminar seu terceiro livro? Queria abraçar Octavia e agradecer por ela existir e por termos acesso a seus livros e dizer "você me ensina muito, a cada página". Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

MUITO BOM!

Até mais!

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