Ah, Octavia, por que você nos deixou tão cedo? Há tantas coisas neste livro que eu gostaria que você visse aqui no mundo real. Talvez você apenas sacudisse a cabeça resignada, como se pensasse "bem, eu avisei, né?", mas certamente reconheceria uma série de similaridades com seu livro A Parábola do Semeador. Nada poderia ser tão desconcertante quanto a própria realidade.
/div>
Parceria Momentum Saga e Editora Morro Branco
O bairro é todo cercado por muros, com arame farpado e cacos de vidro, um portão trancado, um sino de alerta. As pessoas andam armadas, água é um privilégio, comida também. Intensas mudanças climáticas e o colapso da economia levaram os Estados Unidos ao cenário em que Lauren cresceu: onde crianças são estupradas, onde mulheres são compradas e cães selvagens, que uma vez foram animais domésticos, atacam desavisados e pessoas solitárias. Roubos e mortes são cotidianos nessa vida.
Lauren tem uma condição chamada de hiperempatia: ela sente as dores dos outros, o que torna sua existência muitas vezes miserável, já que tudo pode lhe afligir, inclusive a morte de outra pessoa com a qual ela tenha contato. Lauren é uma grande personagem, até mesmo em seus defeitos. Ela sente que uma mudança está chegando e em breve seu bairro não será mais uma morada segura para ninguém. E quem lhe dá ouvidos? Ninguém. Mesmo assim, ela se prepara. Lê todos os livros em que consegue pôr a mão, enquanto escreve em seus diários sobre a Semente da Terra, onde Deus é mudança.
O contexto religioso me incomodou um pouco, mas apenas porque eu não curto este tipo de pregação. Porém, ele faz sentido na jornada de Lauren, já que esta também é uma jornada de mudança e sendo uma filha de pastor, é natural que ela fosse apegada à fé. E o mais importante: ela não aceita verdades inabaláveis, portanto parte para criar as suas próprias. Lauren vê sua família se despedaçando aos poucos, incapaz de mantê-los seguros. Em meio às suas anotações, acompanhamos o andar da política do país, onde líderes populistas que negam a ciência e querem uma "América grande novamente" estão ganhando adeptos. Parece levemente familiar?
As personagens de Octavia são vívidas, bem construídas, até mesmo aquelas que aparecem por pouco tempo. Lauren, sua madrasta Cory, seu irmão irritante Keith, todas as pessoas ao seu redor são providas de uma vida que só Octavia conseguia lhes prover. É isso o que torna a experiência de ler seus livros uma experiência única, algo que vai te marcar e vai te forçar a devorar tudo o que ela já escreveu na vida.
A edição da Morro Branco está linda, com uma capa tão macia que volta e meia eu parava a leitura só pra passar a mão, seguindo as novas capas das edições norte-americanas. O livro tem uma parte com extras, com questões a serem trabalhas em um clube do livro ou em sala de aula e uma entrevista maravilhosa com a autora. O trabalho gráfico está bem condizente com o tema e com as Sementes da Terra. Mas o livro precisa de uma revisão mais cuidadosa para uma próxima edição. Palavras e letras faltando, algumas até trocadas de lugar e estranhas colocações em certas passagens estão pelas páginas.
Não apenas isso, ela também analisou as políticas retrógradas e a perda do bem-estar social que sempre acompanham momentos de crise, onde líderes ainda mais retrógrados se voltam para a massa conservadora para buscar apoio, já que o medo da mudança costuma ser um combustível poderoso. Pronto, estava armado o colapso que levaria ao mundo de Lauren. E por consequência, a comparação com a situação atual aparece.
Não é obrigação de um escritor de ficção científica em prever o futuro. O dever do escritor é mentir. Porém às vezes a mentira parece chegar antes da verdade.
Título: A Parábola do Semeador
Título original em inglês: Parable of the Sower
Série: Semente da Terra
1. A Parábola do Semeador
2. A Parábola dos Talentos
3. Parable of the Trickster (não terminado)
Autora: Octavia Butler
Tradutora: Carolina Caires Coelho
Editora: Morro Branco
Ano: 2018
Páginas: 430
Onde comprar: na Amazon!
Até mais!
/div>
O livro
Lauren Oya Olamina, de 15 anos, mora em um bairro em Robledo, Califórnia. Mas este não é um mundo fácil ou seguro. Ao contrário. O choque que você terá lendo pode deixar um gosto ruim, como se fosse um remédio amargo, mas extremamente necessário. Afinal, por mais ficção que este livro seja, ele está tão enraizado na atualidade brutal que estamos vivendo que houve momentos em que eu não sabia se estava lendo ficção científica ou realidade.O bairro é todo cercado por muros, com arame farpado e cacos de vidro, um portão trancado, um sino de alerta. As pessoas andam armadas, água é um privilégio, comida também. Intensas mudanças climáticas e o colapso da economia levaram os Estados Unidos ao cenário em que Lauren cresceu: onde crianças são estupradas, onde mulheres são compradas e cães selvagens, que uma vez foram animais domésticos, atacam desavisados e pessoas solitárias. Roubos e mortes são cotidianos nessa vida.
Lauren tem uma condição chamada de hiperempatia: ela sente as dores dos outros, o que torna sua existência muitas vezes miserável, já que tudo pode lhe afligir, inclusive a morte de outra pessoa com a qual ela tenha contato. Lauren é uma grande personagem, até mesmo em seus defeitos. Ela sente que uma mudança está chegando e em breve seu bairro não será mais uma morada segura para ninguém. E quem lhe dá ouvidos? Ninguém. Mesmo assim, ela se prepara. Lê todos os livros em que consegue pôr a mão, enquanto escreve em seus diários sobre a Semente da Terra, onde Deus é mudança.
O contexto religioso me incomodou um pouco, mas apenas porque eu não curto este tipo de pregação. Porém, ele faz sentido na jornada de Lauren, já que esta também é uma jornada de mudança e sendo uma filha de pastor, é natural que ela fosse apegada à fé. E o mais importante: ela não aceita verdades inabaláveis, portanto parte para criar as suas próprias. Lauren vê sua família se despedaçando aos poucos, incapaz de mantê-los seguros. Em meio às suas anotações, acompanhamos o andar da política do país, onde líderes populistas que negam a ciência e querem uma "América grande novamente" estão ganhando adeptos. Parece levemente familiar?
A maioria das pessoas desistiu dos políticos. Afinal de contas, os políticos têm prometido trazer de volta a glória, a riqueza e a ordem do século XX desde que me conheço por gente.
Página 52
As personagens de Octavia são vívidas, bem construídas, até mesmo aquelas que aparecem por pouco tempo. Lauren, sua madrasta Cory, seu irmão irritante Keith, todas as pessoas ao seu redor são providas de uma vida que só Octavia conseguia lhes prover. É isso o que torna a experiência de ler seus livros uma experiência única, algo que vai te marcar e vai te forçar a devorar tudo o que ela já escreveu na vida.
A edição da Morro Branco está linda, com uma capa tão macia que volta e meia eu parava a leitura só pra passar a mão, seguindo as novas capas das edições norte-americanas. O livro tem uma parte com extras, com questões a serem trabalhas em um clube do livro ou em sala de aula e uma entrevista maravilhosa com a autora. O trabalho gráfico está bem condizente com o tema e com as Sementes da Terra. Mas o livro precisa de uma revisão mais cuidadosa para uma próxima edição. Palavras e letras faltando, algumas até trocadas de lugar e estranhas colocações em certas passagens estão pelas páginas.
Obra e realidade
A revista The New Yorker disse, muito acertadamente aliás, que na atual disputa sobre qual distopia clássica é mais aplicável aos nosso tempos, a série Semente da Terra pode ser inigualável. Começando a escrever os livros da série ainda em 1989, Octavia observou a situação mundial e dos Estados Unidos com olhos afiados: o que aconteceria no país se mercado de armas, as mega empresas farmacêuticas e de tecnologia, encarceramento em massa, mudanças climáticas e um capitalismo em constante avanço mantivessem seu ritmo inalterado?Não apenas isso, ela também analisou as políticas retrógradas e a perda do bem-estar social que sempre acompanham momentos de crise, onde líderes ainda mais retrógrados se voltam para a massa conservadora para buscar apoio, já que o medo da mudança costuma ser um combustível poderoso. Pronto, estava armado o colapso que levaria ao mundo de Lauren. E por consequência, a comparação com a situação atual aparece.
Dispensa apresentações. |
Não é obrigação de um escritor de ficção científica em prever o futuro. O dever do escritor é mentir. Porém às vezes a mentira parece chegar antes da verdade.
Às vezes, dar nome a algo - dar nome ou descobrir seu nome - ajuda uma pessoa a começar a entendê-la.
Página 100
PONTOS POSITIVOS
Lauren
Personagens bem descritos
Paralelo com a realidade
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Precisa ser melhor revisado
Lauren
Personagens bem descritos
Paralelo com a realidade
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Precisa ser melhor revisado
Avaliação do MS?
Eu não tenho mais como falar desse livro sem pedir que você leia e depois venha aqui conversar comigo, porque estou detonada. Poucos livros me impactaram tanto quanto A Parábola do Semeador e Kindred. Queria abraçar Octavia e agradecer por ela existir e por termos acesso a seus livros e dizer "você me ensina muito, a cada página". Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também.Até mais!
Não conhecia a autora Octavia Butler, agora fiquei curiosa...
ResponderExcluirO livro parece, pela sua resenha, ser cruelmente parecido com a realidade para onde estamos caminhando, se nenhum movimento for feito para parar esta corrida ladeira abaixo.
Gosto muito de suas resenhas!
Mas COMASSIM você não conhecia, Mari?? CHOCADA! Eu falo da Octavia faz anos, tem outras duas resenhas dela aqui. ˙ ͜ʟ˙
Excluir(voltei só para comentar que adorei sua lista do Spotfy, aí no cantinho!)
ResponderExcluirBom domingo!
Uma pena que essa editora não lança seus livros no Kindle. Eu não compro mais livros físicos pq simplesmente não tenho onde guardar. Vou ter que apelar para as versões em inglês...
ResponderExcluirQuanto a autora, somando essa resenha as duas outras, realmente me parece alguém imperdível na literatura. Não sei se vou conseguir ler ela esse ano ainda, esse último ano da faculdade está tão puxado que eu mal estou dando conta, mas Kindred definitivamente é um objetivo de literatura minha! :-)
Eles avisaram há pouco tempo que vão começar a vender os livros em ebooks!
ExcluirCara amiga, quando você diz que gostaria de abraçar Octávia Butler e agradecer a ela por sua existência, sou obrigado a pedir-lhe que entre na fila, e bem atrás de mim!
ResponderExcluirEssa criatura foi uma Criação Divina de Deus... Pena ter nos deixado tão cedo. conforme você mesma afirmou.
Sou fã Incondicional dessa mulher e gostaria que existissem outras como ela. Parabéns pela sua resenha, você descreve com muita coerência e profundidade todos os sentimentos que nortearam a saga da Lauren.
Eu não conhecia você e nem a momentum saga; só parei aqui por causa do livro, que acabei de ler a alguns dias. Gostei... Acaba de ganhar mais um fã!
Abraço!
Jairo Pollicarpo
Quando eu terminei "A parábola dos talentos" na semana passada, fiquei triste não pelo fim (lindo, aliás) de uma história incrível à qual eu estava muito apegado, mas porque a Octavia Butler havia morrido. É uma lástima terrível não poder nem sequer sonhar com a possibilidade de trocar ao menos duas palavras com essa mulher.
ResponderExcluirFiquei com vontade de ler!!
ResponderExcluir