Resenha: Ritos de Passagem, de Octavia Butler

Ritos de Passagem é o segundo livro da série Xenogênesis, de Octavia Butler, lançado pela editora Morro Branco. O primeiro livro, Despertar, nos apresentou à raça alienígena dos Oankali e como eles apareceram na Terra após a aniquilação nuclear posando de salvadores da raça humana. Mas não é bem assim que a banda toca não.



Parceria Momentum Saga e
Editora Morro Branco


O livro
Enquanto o primeiro volume da trilogia é centrado na figura de Lilith Yapo, que acorda depois de 250 anos de hibernação numa nave alienígena, o segundo é focado em Akin, seu filho, um híbrido humano e oankali. Lilith se ressente de gerar filhos híbridos e se sente muitas vezes usada pelos oankali em seu projeto de colher DNA humano para seus próprios fins.

Resenha: Ritos de Passagem, de Octavia Butler

Akin tem um incrível desenvolvimento para um bebê, ainda que tenha características humanas que não foram eliminadas completamente pela hibridização. Um dia ele passará por uma metamorfose, mas por enquanto é um bebê humano com incomuns habilidades, além de falar. Nesta nova Terra pacificada e modificada depois do holocausto nuclear, seres humanos rebeldes, que se recusam a se misturar com os oankali, criaram comunidades independentes, onde prosperaram. Porém, por interferência alienígena, não podem se reproduzir. E isso os leva a cometer sequestros em aldeias oankali.

Akin acaba levado de Lo, a aldeia híbrida e passa a viver com os rebeldes. Isso lhe dá uma nova perspectiva dos motivos para alguns humanos se negarem a se misturar com os oankali, mas também lhe tira a experiência que deveria ter naquela idade com outros iguais a ele. As pessoas passam a se acostumar com Akin, já que parece tão humano e chegam a sequestrar outras híbridas, na esperança de que elas vivam e se reproduzam como humanas.

O livro é um relato brutal de resistência contra a invasão e o domínio alienígena, já que passamos boa parte do livro com os humanos rebeldes. Os oankali tentam convencer às pessoas que a permuta de genes é benéfica e para alguns realmente é se genes deletérios, que causariam doenças graves, de repente sumissem. Mas os oankali prometem vida longa e saudável, numa forma de suprimir a Contradição Humana, como eles chamam, porém impedindo que a raça humana se prolifere. Eles entendem que a raça humana já teve a sua chance de viver na Terra e não podem ser permitidos a fazer isso de novo.

Os Oankali anseiam pelo diferente. Os Humanos perseguem aqueles que são diferentes, e ainda assim precisam deles para atribuírem a si mesmos uma definição e uma posição.

Página 111

E tirar a capacidade de reprodução das pessoas as torna quase irracionais, ainda mais correndo o risco de serem extintos. Alguns rebeldes, com asco da fisiologia oankali, falam em mutilações, em amputar tentáculos e cirurgias em crianças híbridas, paralelos históricos perturbadores se olharmos a história da população negra e todo um racismo científico baseado em experiências, cirurgias e esterilização forçada.

É difícil falar da quantidade de assuntos que Octavia tratou aqui com tanta maestria. Não é à toa que seus livros conseguem se manter à frente do seu tempo, ainda que seja fruto de seu tempo. Talvez seja porque ela falou de tópicos que ainda são assunto e ainda estão presentes, como o racismo e o preconceito.

O livro em si segue o padrão das capas gringas. Páginas amarelas com capa bem macia e marcador de página. Encontrei poucos problemas de revisão ou tradução, que ficou na mão de Heci Regina Candiani e está muito boa. No final, as tradicionais questões de discussão que são ótimas para tratar em grupos de leitura ou em sala de aula.


Ficção e realidade
Depois de ler os dois livros, uma coisa muito evidente é a forma como Octavia falou de escravidão utilizando-se da estrutura de poder dos Oankali e sua forma de lidar com os seres humanos. Os Oankali não salvaram o planeta porque são bonzinhos, eles querem algo em troca e precisam da nossa genética e dos genes envolvidos no câncer. A forma como Lilith é tratada é uma direta alegoria para a forma como as mulheres negras sempre foram tratadas e como seus corpos foram controlados, mutilados e violentados pela força dominante. Servir de "reprodutora" para os alienígenas nada mais é do que uma referência à forma como as mulheres escravizadas eram obrigadas a dar à luz e gerar mão de obra para a casa grande.

Ainda que os Oankali aleguem que sua missão não envolva escravidão ou tráfico, é impossível para as leitoras de não captar essa forma de interpretar a história, em que o capital produzido dependia da exploração da população negra. Os humanos são apenas um repositório genético o qual os oankali querem explorar. Até mesmo os 250 anos de hibernação de Lilith podem ser vistos como uma "distorção temporal" que muitos escravizados e seus descendentes experimentaram durante o período da escravidão. E claro, toda a desumanização dos híbridos, vistos como não humanos e o preconceito que sofrem por se encontrarem no meio de duas culturas.

Octavia Butler
Octavia Butler

Octavia Butler é a grande dama da ficção científica e uma pioneira do afrofuturismo. Nos deixou cedo demais e foi publicada no Brasil apenas recentemente pela editora Morro Branco, um atraso absolutamente injustificável das outras editoras.


Pontos positivos
Akin
Protagonista feminina
Relações sociais entre aliens e humanos
Pontos negativos

Pode ser meio lento em algumas partes


Título: Ritos de Passagem
Título original em inglês: Adulthood Rites
Trilogia Xenogênese
1. Despertar
2. Ritos de Passagem
3. Imago
Autora: Octavia Butler
Tradutora: Heci Regina Candiani
Editora: Morro Branco
Páginas: 368
Ano de lançamento: 2019
Onde comprar: na Amazon


Avaliação do MS?
Foi uma leitura muito intrigante e lenta em alguns momentos. Você questiona como seria seu próprio posicionamento nessa situação, como se comportaria, se concordaria com as regras dos Oankali e com o preço a se pagar pela ajuda em recuperar a Terra e a raça humana. Apesar de considerar os Oankali uma criativa raça alienígena e bem criada por Octavia, neste livro aqui ficou muito mais evidente para mim a exploração deles para com os seres humanos do que no livro anterior. Uma grande leitura. Quatro aliens e uma forte recomendação para você ler também!



Até mais!


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