Shangri-la, o robusto quadrinho de ficção científica de Mathieu Bablet, é um soco. Com críticas pertinentes ao capitalismo e à sociedade de consumo, o autor se utiliza da ficção científica para tocar em feridas profundas da sociedade moderna e deslumbra com cores e traços marcantes.
O quadrinho
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Dormir
Trabalhar
Em um futuro distante, a Terra é inabitável e a humanidade vive confinada em uma estação especial controlada por uma multinacional, a Thianzhu (“Pai Celestial” em chinês). É uma sociedade "perfeita". Mas logo notamos o podre que há por baixo. Para impedir o questionamento das pessoas, a companhia investe no consumo. E é um consumo selvagem. Tal como na nossa própria sociedade, lá as pessoas são estimuladas ao consumo constante, ainda que nem seja necessário trocar um dispositivo por outro. A empresa consegue suprir as pessoas de todos os bens necessários à vida e a pessoa trabalha para a companhia sem questionar.
Enquanto isso, alguns cientistas estão tentando ultrapassar os limites do que é humano para criar semi-deuses. A ideia é gerar vida em laboratório, o Homo stellaris com engenharia genética de ponta e enviá-las para uma das regiões mais agradáveis de Titã, em Saturno, uma região chamada Shangri-la. Mas e quanto aos humanos na estação? Eles serão descartados, não são mais úteis? É o medo da substituição, o medo de ser obsoleto, tomando conta da população, que logo se revolta.
O protagonista é alguém que apoia o estilo de vida da estação sem pestanejar. Chega a brigar com os colegas que criticam sua postura e a companhia. Para ele não há nenhum problema na forma como a companhia gerencia a vida de todos. No entanto, conforme lemos, percebemos que nem todos concordam com essa visão. Um grupo de revolucionários está crescendo.
Nesta estação espacial vemos tecnologia em todos os lugares e pouca humanidade. Pouca no sentido de empatia pelo outro. Um exemplo, os cientistas criaram animaloides, animais como cães que tiveram sua evolução acelerada e se tornaram bípedes e inteligentes como os seres humanos. Entretanto, eles formam uma minoria perseguida na estação, sofrendo agressões e perseguições, como qualquer grupo minoritário nos dias de hoje. Os animaloides nada mais são do que uma válvula de escape para os seres humanos. Com toda a humanidade nivelada e com acesso às mesmas coisas, eles precisavam descontar em algo, e aí se viram contra os animaloides. Parece familiar?
É um quadrinho denso seja no tamanho, seja no conteúdo político e as discussões que faz. Leva um tempo para digerir tudo o que foi exposto pelo autor. Em alguns momentos, chega a ser brutal, mas nosso mundo também é. São diversas discussões que o autor coloca sem soar mecânico ou forçado. De racismo à sociedade de consumo, de capitalismo desenfreado à ditaduras mais insidiosas, que convencem um povo desorientado e inseguro que entregar sua liberdade é o melhor a ser feito.
É complicado fazer as pessoas compreenderem que seus hábitos podem ter consequências e que seria preciso sacrificar o conforto por razões bem distantes delas. (...)
Página 144
As cores são muito bem usadas. Existem páginas inteiras com cores quentes ou frias. E grandes paisagens espaciais de tirar o fôlego, onde é possível captar toda a vastidão do espaço e a solidão que ele causa. Este é um mundo onde as pessoas vivem confinadas num lugar cheio de gente, mas estão basicamente sozinhas. É outra pancada de Bablet ao mundo atual. Quantos de nós não sentimos o mesmo?
Existem várias cenas de violência, inclusive contra a mulher, por isso deixo o alerta de gatilho para pessoas sensíveis. A propaganda intensa da companhia se vale de mulheres nuas em vários momentos e ainda que a intenção do autor tenha sido de criticar, questiono porque foi colocada lá. Com todas as discussões sendo feitas sobre exploração, colocar uma mulher seminua num outdoor serviu apenas para fan service, não teve nenhum efeito prático.
A edição da Sesi-SP é em papel encorpado, impressão de alta qualidade, que faz as cores e cenários saltarem. É uma edição pesada, então leia em um local com apoio! A tradução ficou na mão de Fernando Paz e está excelente. Não há erros de revisão ou diagramação.
Ficção e realidade
Se há uma coisa bem evidente em Shangri-la é que os seres humanos são seu único inimigo. Estamos o tempo todo lutando contra nós mesmos. Ignorantes e beligerantes, estamos combatendo uns aos outros por diferenças em mapas e livros sagrados, em cor de pele, etnia e gênero, sexualidade, ideias e modos de vida. Se vamos ou não colonizar o espaço isso ainda é algo a se debater, mas o que é cada dia mais óbvio é que nos transportar para o espaço apenas leva a reboque os problemas que temos aqui. Torcer para encontrar uma segunda Terra para devastar e consumir loucamente seus recursos é idiotice. Mas aquela que levantar a voz para gritar na cara dos poderosos é logo rotulada de louca, de alarmista, de histérica.Lembre-se: até no colapso tem alguém lucrando.
Mathieu Bablet é um autor e ilustrador francês de quadrinhos. Natural de Grenoble, o autor é fã de ficção científica e também criou o quadrinho Shangri‑la.
PONTOS POSITIVOS
Cores
Distopia
Críticas
PONTOS NEGATIVOS
Preço
Violência e nudez feminina
Um pouco confuso
Cores
Distopia
Críticas
PONTOS NEGATIVOS
Preço
Violência e nudez feminina
Um pouco confuso
Avaliação do MS?
Uma porrada de quadrinho! Muito denso e de alta qualidade, Bablet escancara os podres da sociedade atual e transporta para uma estação espacial. Onde tudo parece às mil maravilhas, desconfie! Mesmo com os problemas, é uma grande obra e Bablet. Quatro aliens para ele e uma forte indicação para você ler também!Até mais!
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